A ATUAÇÃO DO DETETIVE PARTICULAR E O DIREITO À INTIMIDADE DO INVESTIGADO

Por Stéphanie da Costa - 

  1. Introdução 

Em que pese a profissão de detetive particular existir desde os tempos remotos, somente no ano de 2017 que foi regulamentada, por meio da Lei 13.432/17. Assim, o presente artigo discorre acerca dos direitos e deveres do profissional, com destaque para o direito de se exercer a profissão, bem como o direito que o investigado possui de ter resguardada sua intimidade e privacidade. 

Ademais, são abordadas caraterísticas do personagem Sherlock Holmes, criado por Conan Doyle, em comparativo com o detetive particular brasileiro, bem como uma análise acerca da possibilidade da colisão do direito à intimidade e privacidade com a liberdade do exercício da profissão, sendo o princípio da proporcionalidade usado como um meio de ponderação desse conflito.

Por fim, é discorrido acerca da possibilidade do surgimento do dever de indenizar quando o detetive profissional extrapola a tênue linha existente entre seu direito de exercer a profissão e a violação dos direitos à intimidade e privacidade do investigado, concluindo por uma insegurança ao detetive profissional quando do exercício da profissão.

  1. O detetive particular e a regulamentação do exercício da profissão 

Não há registros concretos definindo quando do surgimento da figura do detetive particular no mundo, mas é sabido que a profissão já existe desde os tempos remotos. Contudo, a longínqua existência da profissão inspirou os mais diversos romances policiais, destacando-se  entre eles o personagem Sherlock Holmes, criado por Conan Doyle, que surgiu na obra Um Estudo em Vermelho, lançado no ano 1887. 

Assim, com o crescente número de adeptos à profissão de detetive particular, surgiu a necessidade de regulamentar esse ofício no Brasil. Logo, surgiu a Lei 3.099/57 (que estabelece requisitos para o funcionamento de estabelecimento de informações reservadas ou confidenciais, comerciais ou particulares) e o Decreto Federal 50.532/61 (que determina acerca do funcionamento das empresas de que trata a Lei 3.099/57). Destarte, transcorridos vários anos após essa primeira normatização quanto aos estabelecimentos, foi aprovada a Lei 13.432/17, que regulamentou a referida profissão e pormenorizou de maneira mais específica, em comparação com a lei e o decreto citado, aspectos principais desse ofício. Neste norte, o conceito de detetive prescrito pela lei, in verbis: 

Para os fins desta Lei, considera-se detetive particular o profissional que, habitualmente, por conta própria ou na forma de sociedade civil ou empresarial, planeje e execute coleta de dados e informações de natureza não criminal, com conhecimento técnico e utilizando recursos e meios tecnológicos permitidos, visando ao esclarecimento de assuntos de interesse privado do contratante. (BRASIL. Lei n°13.432, 2017, art. 2°).

No que diz respeito ao detetive Sherlock Holmes, este residia em Londres, no famoso apartamento n° 221 B da Baker Street, juntamente com seu parceiro John Watson, com o qual se aventurava no mundo das investigações, sem estar adstrito a quaisquer regras ou subordinações, tendo apenas como foco a solução dos casos. Logo, como o detetive profissional pode trabalhar de maneira autônoma, conforme aduz o artigo 1° da lei regulamentadora, Holmes assim trabalhava, sendo por vezes convidado pela polícia britânica para solucionar casos tidos como complicados. Adiante, um trecho no qual Sherlock define sua atividade profissional:

Eu trabalho por conta própria. Imagino que seja o único no mundo neste ramo. Sou um detetive-consultor, se é que entende o que isto significa. Aqui em Londres temos punhados de detetives oficiais e particulares. Quando estão em apuros, eles me procuram, e tento colocá-los novamente na pista certa (DOYLE, 2007, p. 20).

Nessa acepção surge os direitos e deveres do profissional detetive no exercício da profissão, sendo que a lei regulamentadora do ofício trouxe algumas dessas atribuições e prerrogativas nos artigos 11 e 12 respectivamente.

Ressalta-se, no entanto, que dentre os deveres destaca-se o dever do detetive de respeitar o direito à intimidade e privacidade dos investigados, durante o tramitar das investigações, conforme menciona o artigo 11 da Lei 13.432/2017. Já no que tange aos direitos do detetive, destaca-se, dentre outros, o direito deste de exercer sua profissão, inclusive em todo o território nacional, na defesa dos direitos ou interesses que lhe forem confiados, conforme preconiza o artigo 12, inciso I da referida norma, surgindo assim uma linha tênue entre o direito e o dever do profissional detetive.

  1. O direito ao exercício da profissão e o dever de não violar a intimidade e privacidade do investigado. 

A Constituição Federal, no artigo 5º, XIII, assegura o direito à liberdade de trabalho, ofício ou profissão, sendo esse direito tido como fundamental (BRASIL, 1988). Importante ressaltar, no entanto, que o exercício da profissão escolhida se submete a certas limitações, tratando-se de uma norma constitucional de eficácia contida, ou seja, que essa liberdade deve observar certos requisitos que a lei infraconstitucional estabelecer (BAHIA, 2017, p. 136). 

Assim, ao contrário de Holmes, que atuava sem quaisquer limitações, com a regulamentação da profissão de detetive, dada pela Lei 13.432/17, este profissional encontrará, dentre outros limites, o dever de respeitar os direitos da personalidade, especialmente a intimidade e privacidade do investigado, sendo estes direitos fundamentais e, consequentemente, de interesse da sociedade, sejam resguardados (BEDÊ, 2017).

Destarte, os atuais meios tecnológicos utilizados por detetives durante as investigações são tidos como instrumentos que facilmente auxiliam na obtenção de informações privadas das pessoas. Sendo que, conforme aduz Dirley da Cunha Júnior (2017, p. 624), muitos desses instrumentos, que variam de um celular com câmera até uma filmadora/gravadora mais sofisticada, podem ser facilmente encontrados e sem quaisquer dificuldades manuseados por qualquer indivíduo, devassando a privacidade, numa intolerável ofensa a um direito assegurado constitucionalmente. Com essa perspectiva, é de se observar que os direitos da personalidade derivam da própria dignidade reconhecida à pessoa humana, de modo que demonstram um mínimo necessário e essencial à vida com integridade (FARIAS, ROSENVALD, 2016).

Conquanto, assim como a liberdade de profissão possui limitações, a privacidade pode ser relativizada, como leciona Mendes e Branco (2015, p.283), que aduz que a vida em sociedade impede que se atribua um valor radical à privacidade, sendo que, em caso de interesses público, estes se sobrelevem ao interesse do recolhimento do indivíduo, limitando dessa forma a privacidade do mesmo.

No entanto, existe também a hipótese em que a privacidade pode sofrer restrição pelo denominado consentimento tácito, que sucede quando a pessoa se encontra em local público e, por alguma razão, surge sua aparição em foto ou vídeo, cujo fito inicial era captar apenas localidade pública (MENDES E BRANCO, 2015, p.284).

Destarte, nas análises dos casos concretos, vislumbra-se o quão difícil é buscar um equilíbrio entre tais direitos e o direito fundamental do livre exercício da profissão, fazendo-se necessária a utilização da ponderação de interesses. Nesse sentido, Grundrechtskonflikte (1976, p. 461):

“Tem-se, pois, autêntica colisão apenas quando um direito fundamental afeta diretamente o âmbito de proteção de outro direito fundamental” (apud MENDES E BRANCO, 2015, p. 236).

Assim, em primeira análise, nota-se uma colisão de direitos fundamentais quando analisado o direito de o detetive particular exercer sua profissão e, de outro lado, o direito do investigado de ter sua intimidade e privacidade resguardados, já que ambos os direitos, como já aqui discorrido, estão previstos na Constituição.

Para Fernandes (2014), uma solução que resolveria esse conflito seria a trazida pela doutrina alemã, qual seja, a técnica da ponderação, utilizando da regra da proporcionalidade e de suas três sub-regras (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), sendo que, diante de um caso concreto, o aplicador do direito atingiria uma justificação racional quanto à aplicação de um direito fundamental em precedência a outro direito fundamental também previsto constitucionalmente.

Destarte, Mendes e Branco (2015) são categóricos em dizer que é evidente no Direito brasileiro que a dignidade da pessoa humana possui destaque da decisão do processo de ponderação entre posições de conflito, sendo certo que o Supremo Tribunal Federal está utilizando do princípio da proporcionalidade como lei de ponderação.

Nesta esteira, nota-se que, embora exista essa tênue linha entre a liberdade de exercer a profissão e direitos da personalidade, é possível garantir um equilíbrio entre ambos direitos, de modo que não haja a prevalência de um sobre outro.

  1. Direito à indenização pelo investigado e a insegurança do detetive Antes de iniciar uma investigação, comum era que Holmes analisasse as informações, estudando o caso para saber acerca das possibilidades resolutivas, bem como se seria do seu agrado e conveniência investigar. Destaca-se o raciocínio do detetive: 

"Por enquanto, ainda não dispomos de dados — ele respondeu. — É um erro capital formular teorias antes de contarmos com todos os indícios. Pode prejudicar o raciocínio" (DOYLE. 2007. p. 25).

Outrossim, assim como Sherlock, a Lei 13432/2017, no seu artigo 12, inciso II, traz o direito ao detetive de recusar a trabalhar em causas que não lhe convém, sobretudo as tidas como ilícitas. Deste modo, importante que o detetive profissional analise bem o caso, bem como até quais limites poderá atuar, para não cometer nenhum ato ilícito passível de indenização futura, já que, durante o exercício profissional, caso o detetive ultrapasse a tênue linha entre seu direito de exercer a profissão e o direito a intimidade e privacidade do investigado e reste por violar direitos da personalidade deste, qual seja, que cometa um ato ilícito, deverá aquele indenizar.

Destarte, resta demonstrado as duas facetas da profissão, qual seja, o direito do detetive de exercer sua profissão, desde que respeite os limites impostos pela lei, que, por sua vez, se revelam muito subjetivos e criam margens a várias interpretações, bem como direitos constitucionalmente protegidos, tais como a privacidade e intimidade, pois, do contrário, poderia o detetive cometer ato ilícito indenizável face o investigado.

  1. Considerações finais. 

Conforme exposto, a figura do detetive particular é existente desde os tempos remotos, tendo inclusive servido de inspiração para a criação do personagem fictício Sherlock Holmes por Conan Doyle. No entanto, no Brasil, somente no ano de 2017 que houve a regulamentação da referida profissão, por meio da Lei 13.432/17. Outrossim, embora o detetive particular, em consonância com a Lei 13.432/17, tenha o direito de exercer sua profissão, por outro lado, possui o dever de respeitar a intimidade e privacidade do investigado, sendo que, em caso de colisão entre esses direitos fundamentais, o ideal seria que fosse aplicado o princípio da proporcionalidade como forma de solucionar o conflito. 

Destarte, ao contrário de Sherlock Holmes, visualizou-se que não pode o detetive atuar sem limitações, devendo este profissional sempre respeitar a intimidade e privacidade do investigado, mesmo sendo complexo visualizar esse limite no plano concreto. Já que, durante uma investigação, caso o detetive extrapole os limites dados pela lei e reste por violar direitos da personalidade do investigado, surgiria para este a possibilidade de pleitear indenização na esfera cível.

Conclui-se, por fim, que, embora tenha a profissão sido regulamentada por lei, esta não consegue ser clara acerca do que consiste esse “violar” direitos daquele que se investiga. Restando claro, todavia, que a legislação ainda é muito omissa, o que pode gerar múltiplas interpretações diferentes nos tribunais, gerando, desse modo, uma insegurança ao detetive profissional quando do exercício da profissão.

 

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