A CONFISSÃO NO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

Por Jander da Cunha Teixeira -  

Nos últimos anos, os países latino-americanos elaboraram novos Códigos de Processo Penal, todos com suas peculiaridades, mas com o mesmo objetivo, introduzir no processo penal o sistema acusatório ou adversarial e, por consequência, superar as matrizes inquisitórias .

No Brasil, os institutos de Justiça negocial estão ganhando forças em razão das tendências mundiais e o desejo do legislador de americanizar o Direito brasileiro, ou seja, a invasão do common low e a busca da eficiência processual já é uma realidade no ordenamento jurídico brasileiro . Que, diante do elevado números de processos criminais nas comarcas de todo o Brasil e a incapacidade do Poder Judiciário de solucionar todas as demandas em um prazo razoável, busca ampliar o espaço consensual no ordenamento jurídico brasileiro.

Prova disso é que recentemente foi introduzido no Código de Processo Penal o artigo 28-A, que trata do acordo de não persecução penal, sendo uma das principais inovações acrescentada pela Lei 13.964/19.

Percebe-se que um dos objetivos do legislador em introduzir o novo instituto de Justiça negocial no processo criminal brasileiro é oportunizar ao Judiciário equilibrar sua grande demanda e garantir uma resposta mais rápida para população , pois a morosidade do Judiciário brasileiro provoca uma sensação de impunidade, ainda que o Brasil seja o país com a terceira maior população carcerária do mundo.

Entretanto, com exceção da razoável duração do processo, o acordo de não persecução não ampliou em nada ao que se refere aos direitos e garantias constitucionais do investigado/acusado.

Evidentemente que o espaço consensual introduzido no processo penal brasileiro, que iniciou com a Lei 9.099/95 (transação penal e suspensão condicional do processo), posteriormente com a Lei 12.850/13 (colaboração/delação premiada) e, recentemente, através da Lei 13.964/19, com a introdução do artigo 28-A, no Código de Processo Penal brasileiro (acordo de não persecução penal), é uma tendência em nosso sistema de Justiça Criminal, logo, não há como resistir às tendências, tampouco reduzir a importância dos institutos para o processo penal brasileiro.

Todavia, a intenção de reduzir tempo, gastos financeiros e esforços dos membros do Poder Judiciário não autoriza o legislador introduzir tais institutos em nosso ordenamento jurídico em desconformidade com a nossa Carta Magna.

Dito isso, destacamos que o acordo de não persecução penal, criado com a finalidade proporcionar maior celeridade nos processos criminais, bem como aprimorar e modernizar o sistema de Justiça Criminal brasileiro, na verdade poderá ocasionar um enorme retrocesso ao processo penal brasileiro, em razão da mentalidade inquisitória que permanece fortemente enraizada, tanto no Poder Legislativo quanto no Poder Judiciário.

Dessa forma, há algumas questões controvertidas no novo instituto de acordo no processo penal. Principalmente, a que trata da exigência da confissão como requisito indispensável para celebração do acordo, visto que, em virtude da confissão, surgem algumas problemáticas que põem em xeque a própria intenção do legislador de aperfeiçoar o processo penal brasileiro, inclusive sacrificando garantias constitucionais do investigado/acusado, bem como impedindo a ampliação do espaço negocial, quais sejam: 1) os riscos de falsas confissões de inocentes que buscam amenizar as penas processuais e os riscos do processo penal; e 2) propostas unilaterais em razão da ausência de elementos para o investigado atrair o órgão acusador aceitar sua proposta e suas condições.

Embora no Brasil não haja muitos estudos e pesquisas comprovando as falsas confissões no sistema de Justiça Criminal, sobretudo nos acordos penais, podemos afirmar que, assim como a tendência de ampliação do espaço consensual no processo penal brasileiro, fortemente influenciada pelo Direito norte-americano, também haverá uma tendência de falsas confissões nos acordos penais.

Nos Estados Unidos, por exemplo, são muitos os casos de reformas de condenações criminais injustas em razão de erros judiciários por confissões falsas . Sobretudo por falsas confissões involuntárias. Nesses casos, mesmo sabendo que é inocente e jamais praticou o crime, o investigado/acusado confessa o crime por medo, convicto de que a celebração do acordo e confissão é a única, ou a melhor opção, caso contrário, continuará segregado e, futuramente, condenado criminalmente [5], ou seja, a voluntariedade está completamente viciada.

No entanto, não há como desconsiderar que o conjunto de determinados fatores envolvendo o caso penal poderá fazer com que o investigado/acusado confesse a prática de um crime que não cometeu .

Ainda, não se pode exigir uma prova para além da dúvida razoável como parece ser objetivo com a confissão formal e circunstancial, em um procedimento que antecede o processo criminal, ou seja, não seria razoável exigir do acusado/investigado a produção de provas mais robustas do que aquelas eventualmente produzidas pelo Ministério Público em um processo penal . 

Destarte, pode-se dizer que, para um culpado, confessar a prática do crime pode ser uma oportunidade de evitar uma futura sentença penal condenatória, por outro lado, para um inocente confessar um crime que não cometeu é uma tortura (psicológica) praticada e autorizada pelo próprio Estado.

Por fim, no que tange ao risco de proposta uniliterais, partindo exclusivamente do órgão acusado, ressalta-se que a confissão como requisito indispensável acaba com qualquer hipótese de negociação entre as partes, pois, diante de tamanha liberdade/discricionariedade ao órgão acusador, o novo instituto será simplesmente uma proposta unilateral, cabendo ao investigado/acusado aceitar ou recursar a proposta oferecida, ou seja, após a confissão se esvazia qualquer possibilidade de barganha, pois o investigado não terá mais nada para oferecer tampouco para negocial com o Ministério Público.

Ora, se um dos objetivos do legislador era ampliar o espaço consensual no processo penal e proporcionar maior celeridade nas demandas judiciais, não deveria exigir a confissão como requisito indispensável e não negociável, pois a confissão do investigado/acusado poderá ser o principal objeto de negociação/barganha entre as partes, inclusive para garantir condições mais benéficas para o indivíduo que concordar em confessar o crime.

Percebe-se, portanto, que o legislador busca introduzir mecanismos para modernizar o processo penal brasileiro, influenciado pelas tendências mundiais, mas sequer conseguiu romper a cultura inquisitória que permanece fortemente enraizada em nosso sistema de Justiça Criminal. Haja vista que a obrigação e o dever de colaborar com a investigação criminal, bem como com o processo penal através da confissão, era um dos principais métodos utilizados no modelo inquisitorial, em que o investigado/acusado era considerado um objeto para o processo penal e não um sujeito de direitos e garantias constitucionais .

Aliás, a atração e a ambição pela confissão "voluntaria" é uma marca do legislador brasileiro, por exemplo, a Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro (artigo 25, §2º, da Lei 7.492/86), a Lei de Lavagem de Dinheiro (artigo 1º, §5º, da Lei 9.613/98), a extorsão mediante sequestro (artigo 159, §4º, do Código Penal), a Lei de Drogas (artigo 41, da Lei 11.343/2006) e a Lei de Organização Criminosa (artigo 4º, caput, da Lei 12.850/2013) , entre outras legislações que estabelecem benéficos para o investigado que, através da confissão, colabora com a investigação e com o processo criminal.

Destarte, diante de mais um instituto processual penal com traços de um sistema inquisitório, pode-se concluir que, em razão da cultura inquisitória e autoritária, bem como a falta de tradição constitucionalista de nosso país, estamos caminhando em um lento processo de constitucionalização de nosso direito, porém, ainda vamos levar um longo tempo para amadurecer e romper essa postura que atinge nosso processo penal .

Não basta apenas importar institutos de sistema processuais completamente estranhos ao nosso, é preciso adequar, criar princípios jurídicos e políticos para não contrariar o ordenamento jurídico brasileiro e, por consequência, sacrificar garantias fundamentais do indivíduo.

 

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