A INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO PELA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA NO PROJETO “ANTICRIME”

Por Rafael Junior Soares -  

A prescrição penal está inserida no artigo 107, IV, Código Penal como uma das causas de extinção da punibilidade, que representa a perda do direito de punir do Estado em função do decurso do tempo, podendo se dar de duas formas, ou seja, antes do proferimento da sentença condenatória com trânsito em julgado (prescrição da pretensão punitiva) ou depois do momento que se deve executar a pena fixada (prescrição da pretensão executória). 

A regra no sistema jurídico é a prescritibilidade dos crimes, prevendo a Constituição Federal situações excepcionais da imprescritibilidade, tais como a prática de racismo (artigo 5º, XLII), a ação de grupos armados, civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (artigo 5º, XLIV). 

Como ensina a doutrina, existem fundamentos políticos para a existência da prescrição no ordenamento jurídico, como, por exemplo: (i) com o transcurso do tempo, o crime é esquecido pela sociedade; (ii) as provas do delito se deterioram e se fragilizam com o decorrer do tempo; e (iii) os fins da pena perdem o sentido após certo lapso temporal. 

Nessa linha de raciocínio, a legislação penal definiu causas de interrupção do prazo prescricional ao longo do processo, ou seja, os fatos e atos que servem de marco para o cálculo da prescrição. A presença de parâmetros delimita “o empenho do interesse do Estado em exercer o poder punitivo e que, justamente por isso, afastam a possibilidade de inércia e de desinteresse que estão na base da ideia de prescrição”, garantindo-se, ainda, “uma solução da demanda em prazo razoável”, a partir da fixação de prazos em cada uma das etapas do processo. 

Por sua vez, especificamente no artigo 117, do Código Penal, encontram-se as causas interruptivas da prescrição, quais sejam: pelo recebimento da denúncia ou da queixa; pela pronúncia; pela decisão confirmatória da pronúncia, pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; pelo início da continuação do cumprimento da pena; pela reincidência. 

Para fins do tema delimitado no presente trabalho, importa examinar o artigo 117, IV, o qual estabeleceu a interrupção da prescrição em face da publicação da sentença e do acórdão condenatórios recorríveis. Em outras palavras, assentou-se que a decisão condenatória de primeira instância, ou o acórdão condenatório prolatado a partir de uma sentença absolutória figurem como causas interruptivas, iniciando-se, por sua vez, novo prazo prescricional. Trata-se de situação trazida pelo legislador em que claramente não se interromperá o prazo prescricional em caso de sentença absolutória. 

Diante das breves considerações expostas acima, deve-se destacar que dentre os diversos pontos polêmicos questionados pelos estudiosos em relação ao projeto "anticrime" do Ministério da Justiça, um que talvez tenha passado despercebido diz respeito exatamente à sistemática da interrupção da prescrição. Isso porque o projeto traz a seguinte redação como medida a ser readequada no Código Penal: "Art.117 (...) IV - pela publicação da sentença ou do acordão recorríveis". 

Ou seja, propõe-se no projeto de lei definir a interrupção da prescrição da pretensão punitiva tanto para a sentença condenatória quanto para a absolutória, em evidente norma prejudicial aos acusados. A mudança é relevante porque não se encontram motivos plausíveis para a modificação, visto que a proposição legislativa apenas menciona a importância de se alterar o artigo 117, do Código Penal, sem tecer um único comentário que seja ao tema. 

A definição legal de condenação/absolvição é importante porque, em caso de sentença condenatória na qual se comprova a autoria e materialidade após o devido processo legal, o acusado sofrerá o ônus de reinício do prazo prescricional, com a ampliação do tempo disponível para a incidência de eventual prescrição da pretensão punitiva, visto que o exercício do direito de punir do Estado deu-se de forma correta e com a confirmação do pleito de acusação, ainda que precária da infração penal, pois sujeita a recurso às instâncias superiores. 

No mesmo sentido, em estudo elaborado pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, apresentou-se parecer contrário à proposta ora apresentada, sustentando o seguinte: 

(...) Tendo em conta que a pretensão punitiva vai sendo concretizada com a sentença condenatória de primeira instância, podendo ir se confirmando ao longo da caminhada processual, até que chegue o trânsito em julgado, que há de sacramentar a culpa do condenado, é que no afã de preservar esse interesse estatal, desde que plausível, hipótese em que há elementos probatórios contundentes de autoria e materialidade, justifica-se usar a sentença condenatória recorrível como causa de interrupção. Contudo, quando o próprio Estado reconhece não ter provas para condenar e inocenta o réu, temos a tradução de que sua pretensão não se concretizou, inexistindo, por conseguinte, o que ser preservado da deterioração pela ação do tempo (...). 

Ou seja, a plausibilidade da tese acusatória consubstanciada na sentença ou acórdão condenatórios recorríveis justifica a interrupção do prazo prescricional. Nesta linha de raciocínio, se há sentença absolutória não há como se fundamentar a ampliação do prazo prescricional, por meio de nova contagem de lapso temporal, sob pena de desvirtuamento do próprio sistema de proteção ao acusado (presunção de inocência), visto que a proposta trazida pela acusação não se comprova ao longo do trâmite processual. 

Na mesma esteira, a Ordem dos Advogados do Brasil manifestou-se de forma desfavorável à modificação: 

Em conclusão, o GT – OAB considera inoportuna e inadequada a medida, especialmente pelo fato de considerar a decisão e acórdão absolutórios como causa de interrupção da prescrição, o que na prática tornaria praticamente todos os crimes como potencialmente imprescritíveis, em violação à constituição ou porque o sistema atual, com a reforma de 2010, já dificulta em muito a incidência da prescrição. 

O argumento da instituição é relevante em função da constatação de que, se acatada a modificação legislativa, os prazos prescricionais se mostrariam desarrazoados, especialmente à luz da alteração ocorrida pela Lei 12.234/10, que acabou com a prescrição da pretensão punitiva na forma retroativa antes do recebimento da denúncia (artigo 110, parágrafo 1º, CP), sem que se possa falar em contribuição para a eficiência do sistema de Justiça criminal. 

É de se pensar ainda o efeito contraproducente à razoável duração do processo, tendo em vista que, mesmo em situações de absolvição, não se colocaria qualquer ônus ao Estado-juiz de se viabilizar movimentações mais céleres para deslinde de suas ações penais, bem como desfecho dos casos penais para cessação dos estigmas produzidos pela condição de ser réu. 

Ademais, a título de comparação, no processo penal após o proferimento de sentença absolutória, as medidas cautelares aplicadas deverão ser revogadas pelo magistrado (cf. artigo 387, II, CPP), tendo em vista que o fumus comissi delicti deixa de existir no caso examinado, não podendo sobrevir prejuízo à liberdade ou patrimônio, eis que há a preponderância da presunção de inocência. 

Portanto, sob qualquer aspecto que seja examinada a questão, não faz o menor sentido que a sentença declaratória de inocência — antes presumida e agora devidamente reconhecida — tenha o condão de trazer prejuízo à esfera de direitos do acusado, visto que o Estado teria o restabelecimento de todo o prazo prescricional disponível para exercer a pretensão punitiva, a qual, ainda que de forma recorrível, já se mostrou desacertada.

 

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