A JUSTIÇA PENAL CONSENSUAL AFRONTA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO?

Por Pedro Monteiro -  

Sem dúvida alguma o Direito Penal e Processual Consensual é um dos temas que mais despertam atenção e, de fato, controvérsia em nosso sistema judicial. Anteriormente a referida discussão acabava um pouco limitada ao universo jurídico anglo-saxônico, mas atualmente podemos perceber que está amplamente presente nos países de tradição jurídica europeia continental — por meio de influência americana a partir da década de 90 —, em que foi incorporada e expandida por instrumentos de consenso em seus ordenamentos jurídico-penais.

A Justiça Penal consensual vem ganhando cada vez mais espaço no ordenamento jurídico brasileiro devido à celeridade do trâmite processual que seu sistema proporciona e também pela consequente diminuição dos processos no Judiciário que sua aplicação provoca. Percebe-se que os institutos despenalizadores têm sido os grandes protagonistas da referida expansão.

Os instrumentos amplamente conhecidos na comunidade jurídica, como a transação penal, a suspensão condicional do processo e a colaboração premiada agora se juntam também ao acordo de não persecução penal, novidade prevista por meio do pacote anticrime. Ou seja, possuímos atualmente instrumentos despenalizadores da Justiça Penal consensual para todos os tipos de gravidades de crimes, sejam eles de gravidade leve, média ou grave.

Com a expansão da Justiça Penal negociada, ficou evidente a necessidade de estudarmos o Direito Penal sob uma ótica totalmente diferente, pois constata-se ser um modelo totalmente alternativo ao Direito Penal Tradicional que estamos acostumados a ler, ouvir e praticar. O consenso no Direito Penal já é uma realidade e necessitamos nos adaptar e estudá-lo, já que está carimbado como forte tendência para conquistar cada vez mais espaço no mundo jurídico.

Pode-se observar que os instrumentos consensuais por países de tradição romano-germânica, no tocante à pequena e média criminalidade, foi observada como um grande meio para que as pessoas pudessem novamente depositar sua esperança, confiança e também credibilidade no sistema de justiça criminal. Ou seja, vem ganhando espaço o argumento de que necessitamos diversificar os mecanismos que possuímos e são usados como resposta penal por meio de procedimentos que possam ser abreviados e reduzidos. Ou seja, pela via consensual.

Nesse sentido, muito se tem discutido se a Justiça Penal negociada relativiza os direitos fundamentais e os princípios basilares do processo penal ao ponto de afrontar o estado democrático de direito, tendo em vista que é evidente que, com a adoção do referido sistema, há necessidade de relativizarmos alguns direitos e garantias previstos no ordenamento jurídico, em detrimento da aplicação do consenso no processo penal.

Dito isso, é importante frisar aqui o conceito de renúncia do direito fundamental, que nada mais é do que o titular do referido direito, de forma expressa, renunciando determinadas previsões pretéritas garantidas pelo próprio direito fundamental em um determinado espaço de tempo, inclusive podendo ser revogável, tendo em vista qualquer motivo ao caso concreto proporcional e legítimo.

Na mesma ordem de ideias, Pedro Augustin Adamy assim conceitua a renúncia a direito fundamental como a renúncia ao direito fundamental em uma situação definida em lei, em que o titular do direito fundamental, expressamente, renuncia a determinadas posições ou pretensões jurídicas garantidas pelo direito fundamental, ou consente que o Poder Público restrinja ou interfira mais intensamente, por um determinado espaço de tempo e a qualquer momento revogável, tendo em vista um benefício proporcional e legítimo, direto ou indireto, pessoal ou coletivo.

No mesmo sentido, só que com nomenclatura diversa, Jorge Miranda, por sua vez, não usa a referida expressão (renúncia), pois prefere falar em auto-restrição e auto-suspensão de direitos fundamentais, relatando que ninguém pode, por qualquer forma, ceder ou abdicar da sua titularidade. Mas isso não significa que o seu exercício seja obrigatório, nem que, em certas circunstâncias e para fins também constitucionalmente relevantes ou, pelo menos, não contrários aos princípios do Estado de Direito Democrático, os seus titulares não possam ou não devam aceitar a sua restrição; ou que não possam, por sua vontade, suspender o exercício de alguns desses direitos.

Em continuidade, na mesma obra, Miranda ainda enumera os requisitos da auto-suspensão: [2] 1) sejam livremente decididas ou consentidas (e nisto se distinguindo das intervenções restritivas); 2) se encontrem reguladas por lei, quando envolvem algum poder conexo da Administração; 3) sejam limitadas no tempo; 4) sejam livremente revogáveis (pressupondo que, pela natureza das coisas, o possam ser). (...) É ainda no princípio geral de liberdade que se vêm ancorar — o mesmo princípio presente em qualquer manifestação negativa de exercício de certos direitos, como, por exemplo, não exercer direito de resposta (artigo 37, nº 4), não invocar objeção de consciência (artigo 41, nº 6), não participar numa reunião (artigo 45), não aderir a um partido político (artigo 51) ou a uma associação sindical (artigo 58) ou não impugnar um ato administrativo (artigo 268).

Dessa forma, fica mais fácil observarmos e, consequentemente, percebermos que a vida, liberdade e intimidade não possuem valores absolutos e devem ser harmonizados com outros direitos e garantias fundamentais na análise de cada caso concreto. Ou seja, seu peso e harmonia não se presume de forma genérica, sendo que caso haja uma análise nesse sentido, esta seria precoce e equivocada, não podendo ser diferente quando falamos sobre justiça penal consensual.

 

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