COMO NASCEM E COMO MORREM AS COLABORAÇÕES PREMIADAS

Por André Luís Callegari -  

Como nasce uma colaboração premiada? Pode-se dizer simplesmente que se trata de um mecanismo de defesa do colaborador que, premido pela situação que vive ao participar de esquemas criminosos, já não vê outra saída senão a de entregar seus antigos companheiros de prática delitiva.

Parece simplista demais, mas a colaboração nasce justamente desse sentimento de não suportar mais a pressão sofrida junto a si e aos seus familiares, e também pela possibilidade das penas que serão aplicadas caso o colaborador também seja processado pelos delitos praticados.

O problema reside na morte da colaboração premiada. Parece estranho falar nesse termo jurídico, mas é justamente nisso que apostam os delatados, na morte da colaboração. Dito de outro modo, na possibilidade de anular o que foi entregue pelo colaborador ou na ausência de dados de corroboração.

A última tese (dados de corroboração) tem vingado mais e encontrado guarida inclusive no STF. Já há várias decisões nas quais a ausência de dados de corroboração tem fulminado as denúncias oferecidas pelo Ministério Público quando calcadas unicamente na palavra dos colaboradores. Essas decisões são corretas, porque a palavra do colaborador é um meio de prova que necessita de elementos que demonstrem a veracidade do que foi dito.

A invalidação do acordo não tem precedentes, porque diria respeito à formação de vontade ou vício na celebração do acordo propriamente dito. Como há um juízo de homologação do acordo, dificilmente se verificará esse defeito na formação do contrato. Aliás, os agentes públicos que dele participam devem dar a devida segurança jurídica à formação do contrato.

Voltemos então à principal tese para matar a colaboração premiada: o ataque ao colaborador e não às provas. O ataque à morte do instituto da colaboração premiada só terá êxito por culpa do próprio estado. Por quê? Por uma razão singela: os acordos só podem ser firmados quando o colaborador já no início consegue demonstrar que poderá corroborar o que está entregando, ou seja, que a sua lista de assuntos tem elementos de comprovação (planilhas, notas fiscais, dados bancários, contratos, etc.). Se não o fizer, o estado já estará pactuando com a morte da colaboração.

O STF, como já dito, tem arquivado inquéritos ou rejeitado denúncias quando há insuficiência de dados de corroboração e o faz corretamente, pois já está pacificado que a palavra do colaborador por si só não vale. Essa lição deve ser aprendida para que nos acordos futuros a colaboração não seja um contrato natimorto.

A tese final, que consiste no ataque ao colaborador, tampouco pode atestar o fim do instituto, porque é mais fácil atacá-lo do que se defender das provas. Quanto às provas, normalmente, não há defesa, então, ataca-se a pessoa numa tentativa de desqualificar o que foi trazido. Essa estratégia não pode e não deve matar a colaboração premiada. Infelizmente, é a mais utilizada.

A ironia em relação a essa tese reside justamente no seguinte: quanto mais ilícitos o colaborador aponta, maior será a resistência e mais intensas serão as pressões para desmoralizar a colaboração. Isso ocorre principalmente quando os delatados têm ou tiveram altos postos na República, pois, nesses casos, o poder de fogo contra o colaborador se multiplica. É quase a repetição do adágio de que é muito melhor matar o mensageiro (colaborador) do que receber a mensagem (a colaboração).

Todos esses fatos demonstram que há uma cruzada contra o instituto da colaboração premiada por parte dos delatados, o que coloca em jogo a própria serventia do instituto no combate à criminalidade organizada.

Não satisfeitos com essa cruzada moral e supostamente jurídica contra a colaboração premiada, os delatados também preferiram atacar os prêmios concedidos aos colaboradores. Nesse tópico há um paradoxo, porque o ataque frontal é o de que os delatores não podem receber prêmios, já que participavam dos esquemas delitivos pretéritos. Olvidam-se os detratores do instituto que essa foi justamente a vontade do legislador, ou seja, uma espécie de arrependimento no qual, em troca da entrega dos coautores dos crimes perpetrados, seriam concedidos os prêmios ao colaborador.

Aliás, para atacar a concessão dos prêmios há outro paradoxo, porque não se pode atacar o colaborador como fazem os delatados. O Ministério Público e, mais recentemente a Polícia, entregaram o que acharam justo ao colaborador. Um representante do Poder Judiciário homologou o acordo. Recordemos que se trata de um contrato bilateral. Se o prêmio foi dado é porque o estado concordou com isso, então, não é o colaborador o alvo do ataque, ou não deveria ser, mas o representante estatal que julgou ser útil a colaboração e, em troca, concedeu os benefícios previstos na lei.

Nesse tópico, talvez o instituto mereça correções ao se avaliar inicialmente o que foi entregue com os dados de corroboração, fato este que justificaria os prêmios concedidos ao colaborador, ou seja, quanto mais dados com provas forem revelados maiores serão os prêmios concedidos, visando sempre o interesse público alcançado com a colaboração. De todas as formas, como já foi dito, há uma avaliação por agentes públicos na assinatura do acordo, isto é, os benefícios não são entregues gratuitamente.

Nunca é tarde para lembrar o que disse o Ministro Dias Toffoli em recente entrevista sobre a colaboração premiada: “o estado não pode dar com uma mão e tirar com a outra”. Trata-se de um negócio jurídico que deve ser respeitado. A morte da colaboração não pode se justificar pela cruzada dos delatados. Quando existirem razões jurídicas suficientes para crucificar a colaboração, que assim seja, mas quando razões políticas falarem mais alto não só o instituto estará morto como as próprias instituições seguirão o mesmo caminho.

 

 

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