CONHEÇA OS PROJETOS DE LEI QUE TRATAM DE CRIMES SEXUAIS

Por Paulo Rodrigo Gonçalves de Oliveira -  

Se foi ou não estupro, não sei. A respeito de violência e do jogador Neymar, limito-me a dizer que, em 2014, se não fosse a lesão sofrida, o 7 a 1 poderia ter sido evitado. Ou não. De qualquer forma, o escândalo envolvendo o jogador repercutiu em nosso Poder Legislativo. O deputado federal Cabo Junio Amaral (PSL-MG) apresentou nesta quinta-feira (6/6) o PL 3.388/19, para aumentar as penas para os crimes de calúnia e denunciação caluniosa, quando a imputação da falsa conduta criminosa for contra a dignidade sexual. Em sua justificativa, o parlamentar pretende dar fim a algo que, segundo ele, causa um “verdadeiro assassinato de reputação”.

É uma situação espinhosa. Em regra, não há testemunhas em crimes sexuais. Por isso, a palavra da vítima tem um maior peso em ações penais que apuram esses delitos. No entanto, esse maior peso pode gerar situações como as que o deputado Junio Amaral pretende combater. Como alcançar um equilíbrio? Sinceramente, não sei. A coberta parece ser muito curta. Não há como cobrir uma parte sem que outra fique exposta. Não há como reduzir a proteção a vítimas desses delitos tendo por base casos isolados, em que alguém mente sobre ter sido vítima de crime sexual.

É claro que a singela proposta do deputado não resolverá o problema. Em verdade, nem acredito em diminuição da prática desses delitos, de calúnia e de denunciação caluniosa, em razão dessa nova causa de aumento, caso aprovado o projeto. Sanções penais mais graves não costumam gerar esse efeito. Nesse aspecto, a regra é clara.

Contudo, nem tudo se resume a casos análogos ao do jogador de futebol. Estudos apontam anualmente a prática de dezenas de milhares de estupros em nosso país, mas os números devem ser bem maiores. A cifra negra deve ser altíssima. Por essa razão, há uma porção de projetos em trâmite no Congresso Nacional, em que o objetivo é a redução desses números.

O primeiro que destaco é o PL 452/2019. O deputado Valmir Assunção (PT-BA) pretende estabelecer uma causa de aumento de pena para o chamado estupro corretivo, já previsto no Código Penal. O objetivo é incluir um terceiro parágrafo no artigo 213 do Código Penal, nos seguintes termos:

“Estupro Corretivo 

  • 3º. Se o crime é cometido para controlar o comportamento sexual ou social da vítima, a pena é aumentada de um terço”. 

Nas palavras do deputado, o estupro corretivo tem como vítima mulheres lésbicas e pode ocorrer de duas maneiras: “(…) para haver uma 'correção' de sua orientação sexual ou para 'controle de fidelidade', em que namorados ou maridos ameaçam a mulher de estupro por todos os amigos ou membros de gangues se forem infiéis a seus 'companheiros'”.

O PL, contudo, não terá efeito para seguir adiante, uma vez que a Lei 13.718/2018 já estabeleceu causa de aumento para o estupro corretivo. A lei em vigor desde setembro de 2018 trouxe a possibilidade de se aumentar a pena num patamar de 1 a 2/3. O PL, por outro lado, fixa o aumento no limite de 1/3, gerando, na verdade, um benefício ao réu.

Já o deputado Boca Aberta (Pros-PR), no PL 2.143/2019, cria lei que torna obrigatória a instalação de câmeras de monitoramento e botão de pânico no interior de veículo cadastrado em serviço de viagens por aplicativo. O PL exige, por exemplo, que seja instalada a câmera na parte frontal do veículo, que as filmagens sejam feitas no momento em que se inicie a corrida e o armazenamento das imagens por 30 dias, além da afixação de adesivo informando que o passageiro está sendo filmado.

Como veiculado na revista Veja em setembro de 2018, a empresa 99 Tecnologia LTDA., detentora do aplicativo “99”, havia iniciado uma fase de testes em São Paulo. A preocupação, no entanto, seria se a medida não violaria a privacidade das pessoas. 

A ideia do PL 2.143/2019, embora trate da segurança de passageiros de uma forma geral, pode ser de grande valia para a prevenção de crimes contra a dignidade sexual. Único ponto a gerar debates é se isso não extrapola os limites da intimidade privada, mesmo sendo uma medida com o pretexto de trazer mais segurança ao serviço.

O PL 2.846/2019, do deputado Felipe Carreras (PSB-PE), tem como objetivo estabelecer uma causa de aumento ao crime do artigo 218-C, incluído pela Lei 13.718/18, capitulado como “Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia”.

A infração penal consistente em transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, dentre outros verbos, fotografia ou vídeo que contenha cenas de estupro, nudez ou pornografia, é punida com reclusão de 1 a 5 anos. O PL em comento cria uma causa de aumento de 1 a 2/3 caso as imagens ou vídeos sejam de pessoa menor ou incapaz.

A deputada Rejane Dias (PT-PI), no PL 3.185/2019, quer aumentar a pena do estupro em dobro caso a infração seja praticada contra pessoa idosa, com deficiência física, mental, visual, auditiva, com transtornos do espectro autista, síndrome de Down ou portadoras de doenças degenerativas, criando um parágrafo terceiro ao artigo 213 do Código Penal. O PL, além disso, inclui o parágrafo na Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90).

Na Câmara também há o PL 483/2019, de autoria do deputado Capitão Wagner (Pros-CE), o qual pretende inserir como efeito obrigatório na condenação por estupro (artigo 213) e estupro de vulnerável (artigo 217-A) o dever de o condenado informar seu endereço atualizado ao juiz, mesmo após a condenação. Ademais, o PL quer, para os referidos crimes, que dados do perfil genético do condenado permaneçam no respectivo banco de dados até a morte do agente. De acordo com a justificativa do parlamentar, a medida possibilita ao poder público acompanhar o egresso do sistema prisional, a fim de prevenir a reiteração criminosa.

O projeto, conquanto busque diminuir o número de estupros ao estabelecer a obrigatoriedade de informar o endereço atualizado mesmo após a condenação, pode esbarrar na tese da razoabilidade e proporcionalidade, uma vez que no Brasil não é possível penas de caráter perpétuo (artigo 5º, XLVII, da Constituição Federal).

Após o grande alarde dos horrendos episódios ocorridos no ano de 2017 de casos de assédio sexual contra mulheres no transporte público, lembremos que o Legislativo, em 2018, tipificou a conduta de importunação sexual, incluindo o artigo 215-A ao Código Penal, com pena de reclusão de 1 a 5 anos.

É fato, contudo, que mesmo com esta nova lei os casos vêm se repetindo diariamente, como pode ser constatado nos noticiários. Vendo isso, o Legislativo, por seu deputado Luiz Nishimori (PR-PR), no PL 621/2019, pretende trazer ao artigo 216 a seguinte redação:

“Constranger alguém mediante a prática de atos libidinosos em espaços públicos e dentro de transportes coletivos, por meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”.

Em seguida, o PL traz a definição de ato libidinoso como sendo “(…) toda situação de toque ou de outras condutas que ofendam a dignidade sexual com gravidade menor do que a conjunção carnal”.

Tratando do estupro mediante fraude, pelos casos conhecidos como “Boa noite, Cinderela”, em que o agente coloca sonífero na bebida da vítima para com ela satisfazer sua lascívia, o deputado Mário Heringer (PDT-MG) traz dois objetivos primordiais no PL 1.018/2019:

  • inserir expressões específicas ao uso de substância psicotrópica pela vítima ao artigo 215 do Código Penal; e
  • aumentar a pena de 2 a 6 anos de reclusão para 10 a 15 anos;

Na justificativa, o parlamentar traz uma rica fundamentação a respeito do PL, cujo trecho destaco:

“(…) o noticiário brasileiro é rico em casos da fraude para fins de estupro, vulgarmente conhecida como o golpe “Boa noite, Cinderela”: Rio de Janeiro, jovem de 17 anos é vítima de estupro coletivo após ser dopada; Cacoal, Rondônia, homem é preso com balas e jujubas recheadas de clonazepam, usadas para estuprar crianças; Bom Jesus, Piauí, jovem de 17 anos é dopada e se torna vítima de estupro coletivo; Juiz de Fora, Minas Gerais, avô paga R$ 200,00 (duzentos reais) para neta de 12 anos tomar remédio que a deixa dopada, depois a estupra; Pajeú, Piauí, jovem de 14 anos é dopada e se torna vítima de estupro coletivo; entre tantos outros”.

Uma outra situação deprimente nos dias atuais diz respeito aos casos de estupro e outros abusos sexuais cometidos por líderes religiosos, principalmente contra crianças. Não é raro se ver na imprensa casos de escândalos de líderes de diversas religiões envolvidos com pedofilia, lugar onde as pessoas veem uma relação de confiança e buscam cultivar suas crenças ao professarem sua fé. Tal fato põe em xeque a credibilidade da própria instituição igreja.

Mostrando que conhece a realidade, o deputado Pastor Eurico (Patri-PE) pretende incluir um inciso V ao artigo 234-A do Código Penal para estabelecer aumento de pena de 1/3 a 2/3, se o agente é líder religioso ou figura assemelhada para todos os crimes do Título VI “Dos crimes contra a dignidade sexual”. A redação está contida no PL 2.930/2019.

Editado após o caso envolvendo o jogador Neymar, surgiu o PL 3.388/2019, do deputado Cabo Junio Amaral (PSL-MG), o qual pretende alterar o crime de denunciação caluniosa, para permitir que a pena seja aumentada até o triplo caso o crime falsamente imputado seja contra a dignidade sexual.

A mesma ideia veio trazida pelo deputado Celso Sabino (PSDB-PA), no PL 3.379/2019. A diferença é a fração do aumento em até 1/4. Por fim, os PLs 3.375/2019, do deputado Enéias Reis (PSL-MG), 3.369/2019, do deputado Carlos Jordy (PSL-RJ), e 3.361/2019, do deputado Heitor Freire (PSL-CE), objetivam o aumento da pena em até 1/3.

Por fim, destaco o PL 3.133/2019, do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). O parlamentar pretende alterar o artigo 64 do Código Penal para considerar reincidente o agente que venha a cometer estupro de vulnerável (artigo 217-A) mesmo após passados cinco anos entre a data do cumprimento ou extinção da pena e o crime posterior.

Explico. Suponha que o agente pratique um crime e é condenado. Se dentro de cinco anos (período depurador), contados da data em que foi cumprida a pena, este agente vier a praticar novo crime, sua pena — nesta nova infração — será acrescida da agravante da reincidência (artigo 61, I, do Código Penal), por se verificar uma maior reprovabilidade da conduta, já que voltou a delinquir.

Passados os cinco anos, caso o agente pratique novo crime, o juiz não poderá considerá-lo reincidente, mas, como já entendeu o STJ no REsp 1.718.345, será possível considerar a condenação pretérita como maus antecedentes.

O que pretende o senador é considerar o agente reincidente sem essa limitação de tempo. Assim, caso o agente pratique um primeiro estupro de vulnerável, mesmo passados mais de cinco anos do cumprimento da pena, o acusado seria considerado reincidente nos próximos crimes similares.

 

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