DECLARAÇÃO DO COLABORADOR TÃO SOMENTE COMO ELEMENTO PROBATÓRIO É INEFICAZ

Por Fernanda Pereira Machado -  

O instituto da colaboração premiada existe desde o Livro das Ordenações Filipinas (1603-1867), sendo conhecido historicamente na Inconfidência Mineira com a condenação do mártir Tiradentes. A Lei nº 12.850/2013, que define a organização criminosa e os meios de prova, passou a regular a colaboração premiada em seu artigo 4º e ss. de forma mais detida, inovando na fixação de requisitos, na formalização do acordo de colaboração e em sua homologação judicial. 

A colaboração não é confissão strictu sensu, é um meio de prova, que se traduz numa declaração voluntária por quem seja suspeito ou acusado de um delito, a respeito de fato pessoal e próprio consistente na prática de fato criminoso para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados.

Não podemos tratar a colaboração da mesma forma que a confissão, pois nesta indispensável é que a afirmação incriminadora atinja o próprio confidente, e no caso da colaboração premiada atinge também um terceiro sujeito.

A recente alteração da Lei nº 12.850/2013 pela Lei nº13.964/2019 trouxe para a colaboração elementos necessários e fundamentais, como necessidade da defesa instruir a proposta de colaboração e os seus anexos com os fatos adequadamente descritos, com todas as suas circunstâncias, indicando as provas e os elementos de corroboração. 

Outra mudança expressiva na utilização do instituto da colaboração, que antes previa que "nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador", agora possui uma extensão maior, sendo vedado decretar medidas cautelares reais ou pessoais, recebimento de denúncia ou queixa-crime, e sentença proferida com fundamento apenas com base nas declarações do colaborador.

A colaboração premiada é meio de obtenção de provas e não uma prova, devendo o juízo submetê-la ao crivo do contraditório e da ampla defesa, o que ocorre na fase instrutória. Os meios de prova são elementos que somente se mostrarão hábeis à formação do convencimento judicial se vierem a ser corroborados por outros meios idôneos de prova.

O colaborador que praticou atos ilícitos tem a obrigação de confessar seus atos e entregar todas as provas que possui em seu poder, ou indicar o local onde consegui-las, bem como terceiro que se envolveu nas práticas ilícitas, sob pena de ter seu acordo rescindido. 

O depoimento do colaborador deve ser utilizado como norte às investigações, pois são meios de obtenção de prova, devendo ser analisados com cautela, quando ausentes de provas que corroborem com os fatos noticiados. A instrução processual deve ser corroborada por outros elementos de prova no curso do processo.

É dever do Ministério Público, desde o início das tratativas, preocupar-se em analisar se os fatos apresentados pelo colaborador estão suficientemente corroborados por outros elementos probatórios, inclusive externos e em poder de terceiros, ou se serão passíveis de corroboração, tendo em vista as técnicas de investigação normalmente desenvolvidas, checar se houve confirmação das imputações verbais por outras provas, especialmente documentais ou periciais, sem descartar a confirmação por outros meios de prova, inclusive mediante a oitiva de testemunhas isentas. 

Ocorre que, além da insuficiência de provas, há ainda uma deliberada homologação de colaborações e o instituto, já visto de forma banalizada, acaba se mostrando ineficiente no momento da prolação da sentença.

É necessário para que haja uma condenação a demonstração da realidade material do evento delituoso e da existência de indícios de autoria, ou seja, sentença fundada em elementos probatórios mínimos e lícitos.

Para além disso, os elementos informativos, produzidos durante o inquérito, por si só, também não suficientes para fundamentar uma decisão penal, não podendo o juiz fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos colhidos na colaboração.

O conjunto probatório destina-se ao convencimento do órgão judiciário, composto por inúmeros fatores e elementos, individualmente considerados como prova. Considera-se valoração da prova a "atividade de percepção do juiz, dos resultados das atividades investigativa e probatória que se realiza em um processo".

No tocante às provas, o juiz possui a liberdade para examinar valorá-las, mas está vinculado no tocante à construção do seu convencimento, justamente por isso, necessário se faz a fundamentação da decisão, expondo as razões do seu veredito. Sendo assim, o próprio Código de Processo Penal consagra a dimensão probatória do princípio constitucional da presunção de inocência em nosso ordenamento jurídico, impondo a absolvição do réu sempre que "não existir prova suficiente para a condenação".

 

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