NOVA LEI MELHORA DELAÇÃO PREMIADA, MAS AINDA HÁ BRECHAS.

Por André Luís Callegari -  

A novas alterações no denominado “pacote anticrime” que tratam da colaboração premiada não contemplam ainda a segurança jurídica necessária para o aperfeiçoamento do sistema. Vamos ao que foi alterado.

No art. 3º da alteração legislativa, mantém o que já foi referendado pelo Supremo Tribunal Federal (STF): a colaboração premiada é um negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova. Ou seja, nesse ponto manteve o que a Corte Constitucional entendeu — muito embora o fato de frisar no caput da Seção destinada ao tema seja significativo. A inovação veio ao final do artigo quando refere que colaboração pressupõe utilidade e interesse público.

Esse ponto parece fundamental inclusive para se que se evite pedidos de rescisão dos acordos firmados com o Ministério Público Federal. Se, desde o início, houver a fundamentação de que se trata de interesse público não há como contestar o acordo, depois, como se o seu objeto fora de interesse particular. Além disso, somente essa utilidade e interesse poderão levar à concessão do prêmio máximo da cláusula da não denúncia, chamada por muitos de imunidade.

Importante também a alteração prevista no art. 3º. B, quando trata do marco da confidencialidade, pois considera violação e quebra da confiança e da boa-fé. A lei já tinha previsão expressa a respeito do tema. O sigilo só poderia ser levantado com o recebimento da denúncia. A práxis demonstrou o contrário. Sigilos passaram a ser sistematicamente levantados (oficialmente ou não) logo após a assinatura do acordo — o que nunca contribuiu para a preservação das investigações e para a segurança do colaborador. Ao contrário. Prejudicou mais ainda os delatados que, repentinamente, viam-se na condição de réus ou, pior, de condenados. A divulgação precipitada foi, inapelavelmente, tóxica para o delator, para o delatado e, principalmente, para o processo.

A justificativa para o indeferimento da proposta de colaboração premiada também merece destaque, pois a motivação é característica de um processo democrático já insculpido na Constituição Federal. Além disso, deveria possibilitar um recurso do colaborador em face de tal decisão, aplicando-se analogicamente o art. 28 do Código de Processo Penal.

Quanto ao procedimento de instrução do acordo, quando houver necessidade de identificação ou complementação de seu objeto, a lei não deixa claro como seria tal procedimento ou quem o presidiria, pois a colaboração se trata de um negócio jurídico processual personalíssimo. Não cabe a uma das partes fazer a instrução. O melhor seria a gravação simples dos depoimentos com os dados de corroboração que justificariam o interesse público do acordo.

O problema da narrativa dos fatos ilícitos pelo colaborador seguirá existindo. Na maioria dos acordos firmados, cabe ao MP julgar a ilicitude dos fatos e isso poderá acarretar supostas omissões. Cabe lembrar que o colaborador narra fatos dos quais participou e não pode ter a plena consciência da ilicitude dos fatos. A dúvida deve ser interpretada a seu favor em complementação da narrativa.

O parágrafo quarto parece suprimir a lacuna existente em relação a confecção dos anexos de colaboração quando passa a exigir as provas e os elementos de corroboração. Isso é importante para a segurança jurídica do acordo, porque uma vez homologado e verificado esses fatos a concessão das sanções premiais não deixará mais dúvidas para o julgador ao final do processo e, nos casos de não denúncia, já estarão justificados pelo interesse público e pelas provas apresentadas.

Importante inovação foi a que diz respeito à oitiva do colaborador, sigilosamente, pelo juiz, por ocasião do acordo para analisar a regularidade e legalidade do acordo. É quando se pode verificar se as sanções premiais estão de acordo com as penas previstas no ordenamento jurídico penal. Esse tema não estava pacificado pelo STF e na QO 7074 foi objeto de discussão.

É sabido que muitos acordos foram homologados em dissonância com as penas existentes na legislação penal, o que se tratava de inovação jurídica. Além disso, os acordos eram quase contratos de adesão, sem margem para discussão da regularidade. Observados pelo juiz a legalidade e a regularidade, certamente, os acordos terão maior segurança jurídica no momento da concessão das sanções premiais, o que dispensará um reexame pelo magistrado sentenciante ao final do processo.

O mesmo vale para o exame da voluntariedade onde o juiz deverá analisar esse ponto quando o colaborador estiver ou esteve sob o manto de alguma cautelar. Essa análise é fundamental para que o colaborador não se veja forçado a colaborar em face da privação de sua liberdade ou de qualquer outro familiar, devendo o juiz levar em conta esses aspectos na homologação do acordo. Veja-se que a colaboração dever ser vista como estratégia de defesa, mas não como ameaça do Estado para não ser preso.

A rescisão, que antes não era tratada na lei, agora ganha dispositivo próprio com importante observação: somente será rescindido o acordo se a omissão for dolosa. Assim, deverá ser provado que o colaborador tinha conhecimento e intencionalmente deixou de narrar algum fato ilícito de seu conhecimento. Não basta a mera presunção da parte do MP.

A segurança jurídica, que estava em jogo, parece que em boa hora foi corrigida —, porque, invariavelmente, o Ministério Público unilateralmente comunica rescindiu o acordo. Além de não poder fazer isso, porque não se rescinde um acordo de forma unilateral, esquecia que precisou do Judiciário para a homologação. Logo, da mesma forma, necessita dessa confirmação para a rescisão. Agora, ainda terá que provar, perante o juiz ou relator, que a omissão foi dolosa. O que, necessariamente, exigirá a devida instrução, com a observância do contraditório e da ampla defesa, essenciais para a preservação das garantias nesta quadra da história.

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