O JUIZ DAS GARANTIAS É UMA SOLUÇÃO?

Por Gustavo Santos Mottola e Fernando Mottola -  

No dia 8 do corrente mês, foi publicado na ConJur o artigo "Juiz das garantias: para acabar com o faz-de-conta-que-existe-igualdade-cognitiva...", de autoria dos advogados Ruiz Ritter e Aury Lopes Jr., no qual os autores criticam a crença em uma "blindagem psíquica dos juízes” e defendem a criação do juiz das garantias como solução para o problema. 

A frase "enquanto não houver preservação da originalidade cognitiva do juiz — o que somente é possível com juízes diferentes para as fases pré-processual e processual, a fim de que o julgador do caso conheça dos fatos livre de pré-juízos formados pela versão unilateral e tendenciosa do inquérito policial", resume a ideia central do artigo e é bem um exemplo do motivo pelo qual as nossas leis penais acolhem as teorias acadêmicas em prejuízo da eficácia que provém da realidade em que deveriam se inserir. 

O que é essa "originalidade cognitiva do juiz"?  

É a condição de ignorância em relação ao caso penal que recebeu para instruir e julgar. Para os defensores da tese, só o desconhecimento do que foi apurado na investigação dos fatos garante a imparcialidade do julgador para o exame das provas que vierem a ser produzidas na instrução do processo.  

Pode soar bonito, mas, no fundo, é apenas retórica!  

No Brasil, as sentenças penais de primeira instância raramente são reformadas por má análise da prova. Considerando que as três instâncias que as reexaminam (tribunais de segunda instância, STJ e STF) são dotadas de "originalidade cognitiva", pode-se tomar os números como evidência de que a esmagadora maioria dos juízes criminais do nosso país não tem a sua imparcialidade comprometida pelo que quer que seja. 

Além disso, se a questão é evitar os "pré-juízos", não há como desconsiderar que, no processo crime, o conhecimento da prova se dá de maneira gradativa e, como regra, inicia pela prova acusatória em razão da ordem estabelecida pelo CPP. Ela não é "despejada" em um único instante, para uma única análise. Mesmo tendo contato com o processo apenas na fase de sentença, o juiz precisará ler peça a peça, ouvir (em tempos de gravação) depoimento a depoimento. E é inevitável que, à medida em que ele avança (e não apenas ao final), faça uma análise crítica daquilo que leu e ouviu, formando vários pré-julgamentos que vão se confirmando — ou não — a cada novo elemento introduzido.  

Por isso a convicção que vai justificar a sentença quase nunca será fruto de um exame único e ininterrupto da totalidade dos documentos e provas contidos na instrução, mas será o produto de uma sucessão de convicções provisórias confirmadas ou postas de lado. 

Ter contato com a prova do inquérito em nada prejudica a imparcialidade, já que o juiz aprende a formar sua convicção a partir dos elementos que a lei autoriza. Se o ato decisório a ser proferido não permite mais o uso de determinada prova, o julgador simplesmente retira-a da equação e analisa a repercussão disso.

A verdade é que imparcialidade não tem a ver com ignorância. Tem a ver com isenção. Que, por sua vez, é um atributo do caráter, aprimorado, no caso do juiz, pelo treinamento e pela experiência. Assim como o médico é treinado para controlar a empatia e manter a mente clara, e o policial é preparado para dominar o medo e enfrentar os perigos da profissão, assim também o juiz é ensinado que o processo criminal, como o futebol, é uma "caixa de surpresas" e nenhuma convicção pode ser tida como definitiva enquanto a última testemunha não tiver sido ouvida, e o último argumento, apresentado.

E por isso, com absoluta naturalidade, diariamente juízes revogam prisões que decretaram e absolvem réus em processos cujas denúncias receberam, embora, ao recebê-las, tenham identificado elementos suficientes para embasar a acusação.

Em outras palavras, a imparcialidade de quem julga não depende do momento processual em que tomou conhecimento das provas, mas da capacidade de não formar convicções definitivas antes de o processo estar pronto para ser julgado.

A criação do juiz das garantias é um fato. A verdade por trás do fato é que ela não garante coisa alguma, exceto morosidade. Em nome de um "princípio tonitruante" justificou-se a duplicação de juízes nos processos criminais de primeira instância, uma exigência de difícil atendimento em comarcas pequenas, especialmente quando separadas por enormes distâncias, como ocorre em vários estados brasileiros. Um problema que se agrava com a proibição de o juiz das garantias voltar a atuar em qualquer processo no qual tenha desempenhado essa função. 

Gostem ou não os defensores da tese, o bom juiz não torce por ninguém. Ele busca apenas a verdade e a correta aplicação da lei.  

Exceções existem? Claro que devem existir, mas elas são exatamente isso: exceções, cuja causa da quebra de imparcialidade ninguém pode afirmar com certeza estar relacionada com o conhecimento da prova do inquérito ou com a análise de medidas cautelares. Para esses casos existem a arguição de "suspeição" e um exasperante leque de recursos. E, se eles não forem acolhidos, então, quem sabe, o problema não seja a incapacidade de superação de pré-julgamentos, mas apenas a diversidade natural de aplicação do direito e análise da prova.

 

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