O PROCESSO DE CRIME COMUM CONTRA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Por Gustavo Hasselmann - 

A regência normativa relativa ao processo em razão da prática de infrações penais comuns pelo presidente da República está, no plano constitucional, encartada no artigo 86, seus incisos e parágrafos, da Constituição Federal.

Em nossa história político-jurídica, podemos citar dois casos emblemáticos de processos por crimes comuns praticados pelo presidente da República, a saber: o que teve como réu o presidente Collor, cujo resultado final foi a sua absolvição pelo Supremo Tribunal Federal por falta de provas, muito embora tenha ele sofrido o impeachment; o segundo, o do presidente Temer, que ainda pende de julgamento nas instância ordinárias, em virtude da perda por ele do foro privilegiado.

O artigo 86, caput, da CF estabelece que o presidente da República, nas infrações penais comuns, admitida a acusação, será julgado pelo STF.

Já o §1º, I, desse preceito constitucional reza que , recebida a denuncia ou queixa-crime pelo STF, o presidente da República ficará suspenso das suas funções por cento e oitenta dias, sendo certo que, se nesse prazo não for concluído o julgamento, cessará o seu afastamento(artigo 86, §2º, da CF).

De seu turno, o §4º do artigo 86 da CF prescreve que o presidente da República, "na vigência do seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções".

O parágrafo 3º do artigo 86 da CF estatue que , não sobrevindo sentença condenatória, nas infrações penais comuns, o presidente da República não estará sujeito a prisão.

De sua vez, o artigo 102, I, b, da CF c\c artigo 21, XV, do RISTF, estabelecem, respectivamente, a competência do STF para julgar e processar o presidente da República por infrações penais comuns e a supervisionar os respectivos inquéritos. Pairavam dúvidas se além dos processos por infrações penais comuns do presidente da República, que demandam autorização prévia da Câmara dos Deputados (artigo 51, I, da CF), o inquérito também teria a mesma sorte. A dúvida foi sanada negativamente, constando do Regimento Interno do STF, no citado artigo 21, XV, o preceito normativo que assegura à Suprema Corte a prerrogativa de supervisionar o inquérito, independente de autorização da Câmara.

Recentemente, foi noticiado na CPI da Covid no Senado, pelos irmãos Miranda, que estes haviam informado ao presidente da República sobre irregularidades configuradoras de crime em tese, na aquisição da vacina Covaxin, produzida na Índia, não tendo ele, o presidente, adotado as providencias cabíveis, a saber, comunicação às autoridades competentes (Polícia Federal e MPF) no tocante a tais irregularidades.

Nesse diapasão, entendendo configurado o crime de prevaricação pelo presidente da República (artigo 319 do Código Penal), os senadores Randolfe Rodrigues e outros provocaram o STF para instaurar, na hipótese vertente, inquérito policial para averiguação dos fatos. Tangenciaram eles o MPF, que seria, em princípio, o órgão competente para instaurar o inquérito policial , na medida em que são sabedores, esses Senadores, das cumplicidade e simpatia existentes entre o PGR e o PR. Assim a ministra Rosa Weber, relatora do inquérito, determinou que o MPF o instaurasse, no que não foi atendida por razões pífias articuladas pelo sub-procurador da República. Diante desse fato, a Relatora pressionou o MPF, que não teve outra alternativa senão requerer a abertura do famigerado inquérito. É importante assinalar que a abertura de inquérito depende de ordem expressa do STF, conforme determinação do seu regimento interno. Foi fixado o prazo de 90 dias para a conclusão do inquérito.

Do que vem de ser exposto até agora, resultam as seguintes e cruciais ilações: se for comprovado, no mencionado inquérito, a prática , pelo presidente da República, do crime inscrito no artigo 319 do CP (prevaricação) e, subsequentemente, oferecida e recebida a denúncia, respectivamente, pelo MPF e pelo STF, o presidente será suspenso das suas funções por cento e oitenta dias, como já mencionado antes; se isso ocorrer, os processos de impeachment que tramitam na Câmara, aliados às massivas manifestações populares de rua da oposição e à baixa popularidade do presidente da República, terão outra expressão e outro significado (vide o caso do governador Witzel, que foi suspenso de suas funções pelo STJ e, logo em seguida, flagrantemente enfraquecido politicamente, foi impichado).

O que dizemos aqui não é mero exercício de futurologia nem um infundado prenúncio dos acontecimentos , mas sim uma visão realística consubstanciada na simples subsunção dos fatos às normas, nessa tão sofrida nação.

 

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