Supremo criou cenário surrealista ao julgar o senador Aécio Neves

Fernando Rodrigues -

Supremo Tribunal Federal decidiu afastar o senador Aécio Neves (PSDB-MG) do mandato. Proibiu o tucano de sair de casa à noite, de viajar ao exterior, de entrar no edifício do Congresso e de falar com outros investigados.

Muito bem. Quem acompanha a degradação acelerada dos costumes políticos sempre festeja quando algum político se dá mal. Os adversários do PSDB vão celebrar e podem já ir pensando no escárnio para 2018, quando serão lembradas as camisetas de 2016 com a inscrição “a culpa não é minha: eu votei no Aécio”.

Até aí, jogo jogado.

Mas o fato a ser observado — goste-se ou não — é que o Brasil é regido por uma Constituição. Embora outro dia a nova procuradora-geral, Raquel Dodge, tenha cometido um barbarismo dizendo que ninguém deve estar acima ou abaixo da lei, o fato é que a Constituição está acima de todos nós.

A Constituição brasileira não tem em nenhum dos seus artigos e capítulos a figura do “congressista afastado do mandato”. É o que Aécio Neves será a partir de agora.

É curioso que do outro lado do Congresso há um deputado federal que passa a noite na penitenciária da Papuda e sai durante o dia para exercer o mandato — inclusive durante o recesso. Enquanto trabalha (sic), Celso Jacob (PMDB-RJ) é recebido até pelo presidente da República.

Ou seja, de um lado, no Senado, o senador Aécio Neves não pode exercer o mandato, embora ainda não tenha sido condenado. Do outro, o deputado Celso Jacob, já cumprindo a pena, pode dormir na cadeia e aprovar leis durante o dia na Câmara.

Se isso não é contraditório, mude-se o significado dessa palavra.

Note-se que não se trata de defender ou de condenar o tucano Aécio Neves. Quem deseja o aprimoramento institucional do país deve abstrair num momento como este os nomes dos envolvidos.

O que é indisputável é a formação de um cenário surrealista pela decisão da 1ª Turma do STF, por 3 a 2, com os votos dos ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber. Foram contra esse desfecho Marco Aurélio Mello e Alexandre de Moraes.

Abre-se agora o seguinte ambiente de incerteza institucional, sobretudo porque não existe na Constituição nenhuma determinação para o STF afastar congressistas do mandato da forma como ocorre agora com Aécio Neves. Eis os pontos obscuros decorrentes da decisão do Supremo:

  • vaga aberta e Minas Gerais com um senador a menos — como Aécio está sendo afastado pelo STF, Minas Gerais ficará com uma vaga a menos no Senado. Não há regra definida para que o suplente assuma nesses casos. O presidente do Senado, Eunício Oliveira, não pode simplesmente chamar um suplente, pois isso não está em nenhum dispositivo legal numa situação tampouco estipulada na lei ou na Constituição;
  • recurso ao Senado — o PSDB deseja questionar no plenário do Senado a decisão do STF. Eunício Oliveira não tem saída e terá de submeter o tema aos seus colegas. “Quem vai decidir é o plenário“, disse ele ao editor do Poder360, Tales Faria. Se os senadores derrubarem o que o Supremo decidiu, aprofunda-se a crise política entre 2 Poderes da República;
  • desfecho longo e incerto — o STF demora vários anos para concluir o julgamento contra políticos (em média, historicamente, mais de 7 anos). Ou seja, Aécio pode passar o ano eleitoral de 2018 inteiro afastado do mandato;
  • candidato a deputado — como possivelmente não terá sido condenado em definitivo (nem absolvido), o tucano poderá disputar uma vaga de deputado federal por Minas Gerais em 2018, mesmo estando afastado das funções e sem poder sair de casa à noite;
  • deputado eleito poderá assumir? — como o processo não terá sido concluído em 2019, Aécio pode protagonizar um cenário ainda mais surrealista caso consiga uma vaga na Câmara: não terá certeza de que poderá assumir a cadeira, até porque uma das decisões do STF impede o tucano de entrar nas dependências do Congresso. 

 

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Justiçamento

Houve um certo regozijo dos ministros do STF nesta 3ª feira ao afastar Aécio Neves do mandato. É compreensível. Homens de bem, incomodam-se com a sem cerimônia de políticos que seguem delinquindo mesmo depois de mais de 3 anos de "lava jato".

O ministro Luiz Fux foi o mais eloquente e falou que “imunidade não é sinal de impunidade”. Caprichou no sarcasmo ao dizer que o STF estava, na realidade, ajudando Aécio Neves. Vale a pena visitar esse trecho da fala do magistrado:

“Muito se elogia porque ele [Aécio] se despediu da presidência do partido. Ele seria muito mais lisonjeado, muito mais elogiado se ele tivesse se despedido ali do mandato, tivesse se distanciado. (…) Tudo se resume num gesto de grandeza que um homem público deveria ter adotado. E já que ele não teve esse gesto de grandeza, nós vamos auxiliá-lo a que se porte tal como deveria se portar. Pedir, não só para sair da presidência do PSDB, pedir uma licença, sair do Senado Federal para poder comprovar à sociedade a sua ausência de toda e qualquer culpa nesse episódio que acabou marcando de maneira dramática, pra nós que convivemos com ele, a sua carreira política“.

Luís Roberto Barroso, cada vez mais loquaz e sincero, afirmou que no Brasil houve “uma certa naturalização das coisas erradas” e que muitas pessoas “deixaram de ter consciência das coisas erradas”.

O ministro Barroso está certo. Mas o problema não é só esse. Como resolver agora, do ponto de vista institucional, as consequências do afastamento de um senador do mandato? Como impedir que o Poder Legislativo reaja ao vácuo jurídico que se abriu?

Em breve saberemos.

O plenário do Senado deve dar a palavra seguinte (não a final) a respeito. Há poucas certezas neste momento. Apenas que poderá se abrir uma crise institucional profunda entre o Legislativo e o Judiciário.

P.S.: na madrugada desta terça-feira (26/9) para quarta-feira (27/9), chegou uma análise complementar relevante de um grande especialista constitucional e nas regras congressuais (que pede reserva sobre seu nome, pois não pretende ser confundido como alguém a favor ou contra determinados políticos ou partidos):

“Mesmo que o processo contra Aécio Neves prossiga e o senador for condenado criminalmente ao final, o STF então comunicará o Senado. A partir desse comunicado, a Mesa Diretora do Senado ou um partido político é que terão a legitimidade para oferecer uma representação contra Aécio Neves — e não o STF.

“O constituinte de 1988 quis deixar na mão daqueles que têm mandato popular, ou seja os próprios congressistas, o poder de propor qualquer medida punitiva que atinja o mandato. Isso também vale para a Câmara.

“Observe que há em andamento no STF muitos processos referentes a congressistas. Se prosperar a tese de o STF afastar um deputado ou um senador, poderemos ter em breve o afastamento de 1, 2, 3 ou mais apenas com base na análise e decisão do próprio Supremo”.

 

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