INDULTO OU COMUTAÇÃO NA EXECUÇÃO PENAL 6

RELATOR :MIN. ROBERTO BARROSO -  

EXECUÇÃO PENAL. INDULTO. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO DECRETO Nº 9.246/2017. EXTINÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SUBSISTÊNCIA DO DEVER DE PAGAMENTO DA MULTA. 1. O preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos do Decreto nº 9.246/2017 impõe a extinção da pena privativa de liberdade imposta ao sentenciado (art. 107, II, CP). 2. Hipótese em que o sentenciado não faz jus ao indulto da pena de multa, porque ultrapassado o valor mínimo para inscrição em dívida ativa da União. 3. Pedido de indulto da pena privativa de liberdade deferido. 1. Cristiano de Mello Paz foi condenado pelos crimes de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro à pena de 23 anos, 8 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicialmente fechado, além de 716 dias-multa. 2. O sentenciado iniciou o cumprimento de sua reprimenda no dia 15.11.2013, declarando não dispor de recursos para o pagamento da pena de multa. 3. No dia 03.11.2016, deferi a progressão do reeducando para o regime prisional semiaberto, tendo em vista que atendidos os pressupostos da Lei de Execução Penal. Pelos mesmos motivos, no dia 25.09.2018 deferi o benefício do livramento condicional, acolhendo parecer da Procuradoria-Geral da República. 4. Em 21.12.2017, o Presidente da República, na forma do art. 84, XII, da CF/88, editou o Decreto nº 9.246/2017, por meio do qual “concede indulto natalino e comutação de penas e dá outras providências”. 5. Diante disso, a defesa de Cristiano de Mello Paz requereu, por meio da petição nº 27435/2019, seja reconhecido o direito do apenado ao indulto de que trata o art. 1º, inciso I, do aludido ato normativo. Afirma que o sentenciado já cumpriu mais de 1/5 de sua pena e não é reincidente, cumprindo assim os requisitos objetivos e subjetivos previstos no decreto presidencial. Ressalta que o Supremo Tribunal Federal, em 09.05.2019, por maioria, julgou improcedente a ADI n. 5.874, reconhecendo a constitucionalidade do Decreto nº 9.246/2017. Daí o pedido para que se declare a extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, inciso II, do Código Penal. Requer, ainda, que seja declarada extinta a pena de multa, nos termos do art. 10 do referido decreto. 6. A Procuradora-Geral da República, Dra Raquel Elias Ferreira Dodge, opinou “pelo reconhecimento do indulto ao sentenciado”. Decido. 7. De início, consigno que, no julgamento da 11ª QO na AP 470, relator originário o Ministro Joaquim Barbosa, o Plenário desta Corte deliberou que não seria objeto de delegação, nas execuções penais, a análise de questões das quais possa resultar a extinção de punibilidade do sentenciado. Dessa forma, passo a apreciar monocraticamente o pedido de reconhecimento do direito ao indulto, nos termos do art. 231, § 4º, d, do RI/STF e no art. 3º, II, da Lei nº 8.038/1990. 8. É caso de concessão do indulto da pena privativa de liberdade, na linha do que foi decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das Questões de Ordem nas EPs nºs 1 e 22/DF, ambas de minha relatoria. 9. O Presidente da República editou, no dia 21.12.2017, o Decreto nº 9.246/2017 em que “concede indulto natalino e comutação de penas e dá outras providências”. E o art. 1º, inciso I, do aludido ato normativo estabelece o seguinte: Art. 1º O indulto natalino coletivo será concedido às pessoas nacionais e estrangeiras que, até 25 de dezembro de 2017, tenham cumprido: I – um quinto da pena, se não reincidentes, e um terço da pena, se reincidentes, nos crimes praticados sem grave ameaça ou violência à pessoa; 10. Considero próprio registrar que o ato normativo em análise não segue o padrão usual, praticado de longa data, conforme observado pela Procuradora-Geral da República. Ao contrário de decretos anteriores, o benefício previsto alcançou também crimes contra a administração pública, inclusive os de corrupção ativa e passiva, os praticados contra o sistema financeiro nacional e os de lavagem de dinheiro e ocultação de bens. Ao assim proceder, entendo que o Presidente da República exorbitou de sua competência constitucional, incidindo o decreto em inconstitucionalidade por violação ao princípio da moralidade, ao princípio da separação dos Poderes e ao desviar-se das finalidades do instituto do indulto, bem como em razão do descumprimento de deveres de proteção do Estado a valores e bens jurídicos constitucionais que dependem da efetividade mínima do sistema penal. 11. Diante disso, a Procuradora-Geral da República ajuizou a ADI nº 5.874/DF, com requerimento de medida cautelar, na qual se apontou a inconstitucionalidade dos arts. 1º, inciso I; 2º, § 1º, inciso I; 8º; 10 e 11 de referido decreto. Em 28.12.2017, a cautelar foi deferida pela Ministra Carmen Lúcia, na qualidade de Presidente desta Corte, de modo que foram suspensos os dispositivos impugnados. Essa determinação foi posteriormente por mim mantida, por decisão de 1º.02.2018. 12. Nada obstante, o Plenário desta Corte, em julgamento ocorrido em 09.05.2019, no qual fiquei vencido, não referendou a cautelar concedida, revogando-a e julgando improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes. Dessa forma, o decreto presidencial está válido, apesar de meu entendimento contrário ao adotado pela maioria desta Corte. 13. Feito esse breve registro, entendo que o sentenciado preenche os requisitos objetivos e subjetivos, fixados de modo geral e abstrato pelo ato presidencial, para o gozo do benefício do indulto, relativamente à pena privativa de liberdade, conforme demonstrado no parecer do Ministério Público Federal, que passo a reproduzir: “[...] Observo o cumprimento do requisito objetivo pelo sentenciado. Enquadra-se no artigo 8º-IV do Decreto Presidencial nº 9.246/2017 e, como decorrência lógica, cumpriu fração superior a um quinto da pena, conforme disposto no artigo 1º-I da norma em apreço. Não há, no curso da execução penal, nenhum registro de sanção disciplinar grave imposta ao sentenciado, ou notícia de descumprimento das condições impostas pelo Juízo delegado para o livramento condicional. Para se apurar o pleno atendimento aos requisitos subjetivos é preciso examinar as diligências requeridas no parecer acerca da concessão do benefício. Resgato, que requeri, a título de diligências, o seguinte: [...] A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional informou o ajuizamento de execução fiscal da dívida, então atualizada no valor de R$ 7.891.995,74. Assentou que o débito “encontra-se em situação irregular, não havendo pagamento, parcelamento ou mesmo garantia integral”. Sobre os pontos destacados na manifestação ministerial, a defesa do sentenciado prestou os seguintes esclarecimentos: [...] A defesa do sentenciado argumentou, ademais, com a existência de ordens judiciais de bloqueio de bens nos valores de R$ 17.767.258,47 (dezessete milhões, setecentos e sessenta e sete mil, duzentos e cinquenta e oito reais e quarenta e sete centavos), que superam o valor da multa penal, que “perfazia, em junho de 2014, o valor de R$ 2.390.496,58 (dois milhões, trezentos e noventa mil, quatrocentos e noventa e seis reais e cinquenta e oito centavos)’. [...] Nesse cenário, tem-se uma situação limítrofe, em que os elementos informativos colhidos, embora significativos, não têm aptidão para configurar má-fé do sentenciado e justificar o indeferimento do benefício. No mais, os esclarecimentos apresentados pela defesa, acompanhados dos documentos de suporte, satisfazem os questionamentos apontados no parecer do livramento condicional. Assim, entendo não ter havido deliberado descumprimento da obrigação de pagamento da multa penal.” 14. Quanto ao requisito objetivo, o atestado de pena emitido em 28.12.2017 (doc. 225) indica o cumprimento de 04 anos, 01 mês e 13 dias de pena, aos quais se somam 845 dias remidos, correspondentes a 02 anos, 03 meses e 25 dias de pena. Logo, computados os dias remidos, o sentenciado cumpriu tempo superior a um quinto da pena privativa de liberdade, além de encontrar-se em livramento condicional. 15. Por outro lado, embora os autos não tenham sido instruídos com parecer emitido pelo Conselho Penitenciário (art. 70, I, da LEP), ainda assim considero preenchido o requisito subjetivo necessário à concessão do indulto, na linha da manifestação da Procuradoria-Geral da República. Seja porque os atestados fornecidos pelo Juízo delegatário desta execução penal dão conta de que o sentenciado é portador de bom comportamento e não praticou infração disciplinar de natureza grave (docs. 225, 226 e 227), seja porque a exigência legal tem sido dispensada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Vejam-se, nessa linha, os seguintes precedentes: “HABEAS CORPUS – DEPOIMENTO FALSO – INDULTO COLETIVO – POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO SEM OITIVA DO CONSELHO PENITENCIÁRIO – DESCONHECIMENTO DE MATÉRIA NÃO ABORDADA NO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL ESTADUAL – ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E NESTA EXTENSÃO CONCEDIDA. 1 – Não se conhece de matéria não examinada no acórdão do Tribunal a quo, porquanto implicaria em supressão de instância. 2 – É dispensável o parecer do Conselho Penitenciário quando se tratar de indulto coletivo. 3. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, concedida” (HC 65.308, Rel. Min. Jane Silva) “[...] 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, é dispensável o parecer do Conselho Penitenciário quando se tratar de indulto coletivo, sob pena de manifesta afronta ao princípio da legalidade, na medida em que impõe requisito não estabelecido no Decreto Presidencial, cuja elaboração é da competência discricionária e exclusiva do Presidente da República, consoante o disposto no art. 84, XII, da Constituição Federal. 3. No caso, o paciente foi beneficiado com o indulto coletivo previsto no Decreto n. 7.873/2012, emitido pela Presidenta da República, no exercício da competência privativa que lhe confere o art. 84 da Bíblia Política, que não prevê a manifestação prévia do Conselho Penitenciário para a concessão dos benefícios. Precedentes. 3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para restabelecer a decisão proferida pelo Juiz das Execuções que concedeu o benefício de indulto com base no Decreto Presidencial n. 7.873/2012” (HC 287.535, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze) 16. Passo a examinar a questão do inadimplemento da multa. Em matéria de criminalidade econômica, a pena de multa é componente essencial e proeminente. Mais até do que a pena de prisão – que, nas condições atuais, é relativamente breve e não é capaz de promover a ressocialização –, cabe à multa o papel retributivo e preventivo geral da pena, desestimulando, no próprio infrator ou em infratores potenciais, a conduta estigmatizada pela legislação penal. Por essa razão, sustentei no julgamento da Ação Penal 470 que a multa deveria ser fixada com seriedade, em parâmetros razoáveis, e que seu pagamento fosse efetivamente exigido. 17. A partir dessas premissas, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da EP nº 12-AgR, de minha relatoria, fixou o entendimento de que o inadimplemento deliberado da multa cumulativamente aplicada ao sentenciado impede a progressão no regime prisional. Na mesma linha, o Plenário desta Corte, no julgamento da EP nº 24-AgR, também de minha relatoria, entendeu que o inadimplemento deliberado da pena de multa obstava a concessão do indulto. 18. No caso, contudo, o sentenciado apresenta documentação no sentido de sua impossibilidade econômica de arcar com o valor da multa. A Procuradora-Geral da República concorda com o deferimento do indulto, afirmando que entende “não ter havido deliberado descumprimento da obrigação de pagamento da multa penal”. 19. Com efeito, por ocasião de seu pedido de progressão para o regime semiaberto, o apenado esclareceu que o valor da multa alcançava o montante de R$ 2.390.496,58. Sustentou que não dispunha de capacidade financeira para arcar com o seu valor, sendo alvo de duas ordens judiciais de bloqueio que alcançariam R$ 17.767.258,47. Por fim, alegou não auferir renda e ter como único bem o apartamento onde vivem seus familiares, indisponibilizado por referidas ordens de bloqueio (doc. 134). A fim de comprovar essas alegações, trouxe aos autos (i) extratos de ordens judiciais de bloqueio de valor (doc. 154); e (ii) declarações de rendimentos, com o fim de demonstrar que seu patrimônio era insuficiente para a liquidação desse montante (doc. 155). Em atendimento à determinação desta Relatoria, apresentou, adicionalmente, documentação relativa à empresa Filadelfia Comunicação Ltda. (docs. 164 a 166). 20. Também por ocasião de seu pedido de livramento condicional, o sentenciado voltou a sustentar a impossibilidade financeira de liquidar o valor devido à título de multa penal. Alegou não ter havido alteração em sua situação patrimonial (doc. 180). À ocasião, juntou sua declaração de rendimentos referente ao ano de 2017, com o objetivo de demonstrar que seu patrimônio não sofreu qualquer variação (doc. 181). 21. Determinei, por ocasião da análise do pedido de livramento condicional, em atendimento ao requerimento da Procuradoria-Geral da República, que a defesa se manifestasse sobre (i) transferência patrimonial a título de doação recebida; e (ii) escrituras públicas lavradas pelo 10º Tabelionato de Notas de Belo Horizonte e pelo 2º Ofício Notarial de Itabirito/MG. Esses esclarecimentos tiveram por finalidade melhor aquilatar a possibilidade de pagamento parcelado da pena de multa. 22. Em atendimento a essa determinação, a defesa esclareceu que: (i) não houve o recebimento de qualquer valor a título de doação, tratando-se de perdão de dívida anteriormente contraída; e (ii) ambas as escrituras se referem à venda de um mesmo terreno, cuja operação teve o valor de R$ 40.000,00 (doc. 193). A fim de comprovar suas alegações, trouxe aos autos: (i) documentos fiscais relativos à referida doação (docs. 194 a 197); e (ii) cópias das escrituras públicas mencionadas (docs. 199 e 200). 23. O resultado das diligências instrutórias apontou para a manutenção da situação patrimonial do sentenciado existente quando do deferimento da progressão do regime fechado para o semiaberto. Além disso, as peças que instruem o processo não evidenciaram o deliberado intuito do sentenciado em frustrar o pagamento da multa. Dessa forma, diante do parecer favorável da Procuradoria-Geral da República, o requerimento de livramento condicional foi deferido (doc. 202). 24. Vieram aos autos, adicionalmente, (i) escritura pública de compra e venda de 15.02.2012, em que figura como vendedor o sentenciado, relativa ao imóvel localizado no município de Ouro Preto/MG, na qual foi indicado o valor de venda de R$ 50.000,00 (doc. 213); (ii) escritura pública de compra e venda, celebrada em 12 de agosto de 2013, em que figura como vendedor o sentenciado, relativa ao imóvel localizado no município de Ouro Preto/MG, na qual foi indicado o valor de venda de R$ 40.000,00 (doc. 214); (iii) escrituras públicas de inventário e sobrepartilha lavradas em 05.11.2011 e 25.01.2012, em que o sentenciado figura como herdeiro (doc. 214); e (iv) informação prestada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional de que a multa, inscrita em dívida ativa, tinha o valor de R$ 7.891.995,74 em novembro de 2018 (doc. 221). 25. Analisando esses elementos, a Procuradoria-Geral da República se manifestou favoravelmente à concessão do indulto, como já exposto, considerando satisfatórios os esclarecimentos trazidos pela defesa, que apontam para a ausência de “deliberado descumprimento da obrigação de pagamento da multa penal”. Com efeito, analisando-se os elementos trazidos, compartilho do entendimento do Ministério Público, no sentido de que os elementos reunidos não são conclusivos quanto à configuração de eventual má-fé do sentenciado ou mesmo do deliberado descumprimento da obrigação de pagar a pena de multa. 26. Em conclusão, a ausência do pagamento da pena de multa, no caso concreto, não obsta a concessão do indulto, relativamente à pena privativa de liberdade. 27. Nada obstante, o apenado não tem direito ao indulto da pena de multa. Isso porque a parte final do art. 10 do Decreto nº 9.246/2017 limita o valor da pena de multa passível de indulto, que não pode ultrapassar o mínimo para inscrição em dívida ativa da União, estabelecido em ato do Ministro do Estado da Fazenda. 28. Com efeito, a limitação do valor da multa, para fins de obtenção do indulto, já era previsto em decretos presidenciais anteriores, do que são exemplos os Decretos nº 8.380/2014 e 8.615/2015. O art. 1º, X, do Decreto nº 8.380/2014 concedia o indulto da pena de multa, ainda que não quitada e independentemente da fase executória, “desde que não supere o valor mínimo para inscrição de débitos na Dívida Ativa da União, estabelecido em ato do Ministro de Estado da Fazenda, e que não tenha capacidade econômica de quitá-la”. Idêntica redação consta do art. 1º, inciso XI, do Decreto nº 8.615/2015. 29. O art. 10 do Decreto nº 9.246/2017, ainda que com redação ligeiramente diversa e menos clara, estabeleceu o mesmo requisito, ao dispor que “o indulto ou a comutação de pena alcançam a pena de multa aplicada cumulativamente, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos na Dívida Ativa da União, observados os valores estabelecidos em ato do Ministro de Estado da Fazenda”. 30. Dessa forma, a questão central consiste em saber o sentido da expressão “observados os valores estabelecidos em ato do Ministro de Estado da Fazenda”, contida no caput do art. 10 do Decreto nº 9.246/2017. A leitura dessa expressão não pode ser outra, que a de limitar o valor da multa, para fins de concessão do indulto, a exemplo do que fizeram os anteriores decretos que previram igual benefício. E essa limitação é, nos termos expostos, encontrada nos valores estabelecidos em ato do Ministro de Estado da Fazenda, qual seja, atualmente o inciso I do art. 1º da Portaria MF nº 75/2012, que fixa em R$ 1.000,00 o valor mínimo para inscrição em dívida ativa da União. 31. A própria interpretação sistemática do art. 10 do Decreto nº 9.246/2017 evidencia que o indulto da pena de multa está sujeito à limitação quanto ao seu valor. Se fosse pretensão de seu caput indultar a pena de multa, independentemente de seu valor, e não apenas aquelas multas cujo valor não ultrapassasse o estabelecido em ato do Ministro de Estado da Fazenda, não haveria sentido na previsão do inciso I do parágrafo único do mesmo dispositivo. 32. Com efeito, o inciso I do parágrafo único dispõe que o “indulto será concedido independentemente do pagamento do valor da multa, aplicada de forma isolada ou cumulativamente”. Ora, se a multa fosse sempre indultada, nos termos do caput do art. 10, não haveria razão para a regra prevista no inciso I do parágrafo único. Esta regra ganha significado, justamente, porque nos casos em que a multa não for alcançada pelo indulto, em razão de seu valor ultrapassar o fixado em ato do Ministro de Estado da Fazenda, não poderá o inadimplemento servir de fundamento à negativa do indulto da pena privativa de liberdade. Naturalmente, aplica-se nesse caso a jurisprudência já sedimentada nesta Corte de que o inadimplemento deliberado da pena de multa obsta a concessão do indulto da pena privativa de liberdade. 33. Ressalte-se que essa leitura não contraria o decidido pelo Plenário desta Corte na ADI nº 5.874, sob minha relatoria, em julgamento no qual restei vencido. Isso porque, nada obstante a constitucionalidade do art. 10 do Decreto nº 9.246/2017, não houve discussão acerca do sentido da expressão “observados os valores estabelecidos em ato do Ministro de Estado da Fazenda”. Essa discussão, com efeito, não se refere propriamente à constitucionalidade do dispositivo, mas à sua interpretação, em um plano infraconstitucional. É a mesma discussão já travada por esta Corte, diante do art. 7º, caput e parágrafo único, dos Decretos nº 8.380/2014 e 8.615/2015, em que o direito ao indulto não foi reconhecido, em razão do inadimplemento deliberado da multa. 34. Diante do exposto, acolhendo o parecer da Procuradora-Geral da República, e na linha da orientação do Plenário do STF, declaro extinta a pena privativa de liberdade imposta ao sentenciado Cristiano de Mello Paz, com apoio no art. 107, inciso II, parte final, do Código Penal, e nos termos do Decreto nº 9.246/2017. Por outro lado, indefiro o indulto da pena de multa imposta cumulativamente à pena privativa de liberdade. 35. Determino à Secretaria a imediata expedição do alvará de soltura em favor do requerente. 36. Oficie-se, ainda, ao Juízo da Vara de Execuções Penais de Nova Lima/MG para que adote as medidas necessárias ao fiel cumprimento desta deliberação, observado o procedimento geral utilizado para os demais condenados que cumprem pena na Comarca de Nova Lima/MG, encaminhando a esta Corte, no prazo de 60 (sessenta) dias, cópia de tudo quanto providenciado. Publique-se. Intime-se. Brasília, 28 de junho de 2019. Ministro Luís Roberto Barroso Relator

 

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