MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS 173.195

RELATOR :MIN. RICARDO LEWANDOWSKI -  

DECISÃO:  

Vistos. Habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Josué Eraldo da Silva, apontando como autoridade coatora a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao agravo regimental no HC n° 497.856/SP. Os impetrantes sustentam, em síntese, a presença de constrangimento ilegal, porque a fundamentação, para fixar a medida cautelar, seria genérica e aplicável “a qualquer situação em que o patrimônio da pessoa sentenciada possuísse patrimônio de tal monta que lhe permitisse realizar viagens para o exterior, o que demonstra o tom absolutamente genérico da afirmativa.” (grifos do autor) Asseveram, ainda, que o aresto questionado tentou “suprir a ausência de motivos concretos das instâncias ordinárias, [o que] constitui indevida reformatio in pejus, pois, como se trata de recurso exclusivo da defesa, à instância superior cabe apenas o afastamento da ilegalidade configurada.”(grifos dos autores) Esclarece a defesa, ainda, que “[a] simples revogação das demais medidas demonstra que o paciente não tumultuou a instrução processual e compareceu a todos os atos processuais, conforme compromisso assumido após a substituição de sua prisão preventiva pelas cautelares diversas.” (grifos dos autores) A reforçar a demonstração de que o paciente  não se furtará à aplicação da Lei Penal argumentam os impetrantes que ele “é empresário e desenvolve sua atividade profissional, há mais de uma década, na cidade de Indaiatuba. As sedes de suas empresas também estão localizadas na cidade, entre elas a empresa Jacitara Holding (situada em prédio próprio e em local central – apenas quatro quadras de distância do Fórum da Comarca) e até mesmo um shopping center, denominado J Malls, em referência ao seu nome, Josué.” (grifos dos autores) Consignam ainda que o paciente possui “fortes laços afetivos e familiares na cidade de Indaiatuba/SP, pois é casado, possui residência fixa no mesmo endereço, avô de um menino, pai de três filhos, um deles ainda pequeno (de apenas oito anos de idade), com escola fixa na mesma cidade.” (grifos dos autores) Requerem o deferimento da liminar para “suspender os efeitos da sentença proferida no processo n. 0004306-88.2016.8.26.0248, no ponto em que manteve as cautelares de retenção do passaporte e de proibição de se ausentar do País; ou, subsidiariamente, para autorizar o paciente que tenha acesso ao seu documento de passaporte e que possa ausentar-se temporariamente do país, durante o período aproximado em que deve ocorrer o parto de seu neto, durante a última semana de julho – a contar do dia 27/07/2019 e as duas primeiras semanas do mês de agosto – até o dia 16/08/2019; No mérito, pleiteiam a concessão da ordem para revogar medida cautelar remanescente. Examinados os autos, decido. Narram os impetrantes que o paciente “foi denunciado, pela suposta prática dos crimes previstos nos arts. 1º, I, do Decreto-Lei 201/1967, 1º, caput, e § 4º, da Lei 9.613/1998 e 2º, § 4º, II, da Lei 12.850/2013. Ao receber a denúncia, o Juízo de primeiro grau decretou a prisão preventiva do acusado. Contra essa decisão, foi impetrado habeas corpus perante o Tribunal estadual, que denegou a ordem. O acórdão foi impugnado no Superior Tribunal de Justiça, por meio do HC n. 367.531/SP, no qual foi concedida a ordem para substituir a segregação provisória do paciente por cautelares diversas da prisão. Em decorrência desse decisum, o paciente compareceu ao MM. Juízo de primeiro grau e assinou o ‘Termo de Comparecimento’, ‘comprometendo-se a comparecer em Juízo, ou fora dele, sempre que intimado’. Encerrada a instrução, o réu foi condenado à pena de 17 anos e 2 meses de reclusão, em regime inicial fechado, como incurso nos arts. 1º, I, do Decreto-Lei 201/1967, 1º, caput, e § 4º, da Lei 9.613/1998 e 2º, § 4º, II, da Lei 12.850/2013. Na oportunidade, o Magistrado sentenciante revogou parte das cautelares anteriormente impostas, mas manteve a retenção do passaporte do réu e a proibição de ausentar-se do país. Foi impetrado novo writ no Tribunal de origem (HC 2183077-51.2018.8.26.0000). Mais uma vez, a ordem foi denegada. Contra esse decisum, foi impetrado o HC n. 497.856/SP, perante o STJ, que não conheceu da impetração por considerar que não havia flagrante ilegalidade na hipótese (DOC. 01).” (grifos dos autores) Eis o teor do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. ART. 1º, I, DO DECRETO-LEI N. 201/1967, ART. 1º, CAPUT, E § 4º, DA LEI N. 9.613/1998 E ART. 2º, CAPUT, E § 4º, DA LEI N. 12.850/2003. CONDENAÇÃO DE 17 ANOS E 2 MESES. MEDIDA CAUTELAR DE RETENÇÃO DE PASSAPORTE. ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício. 2. Para a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão, exigese fundamentação específica que demonstre a necessidade e adequação de cada medida imposta no caso concreto (HC 480.001/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 12/02/2019, DJe 07/03/2019). 3. Na espécie, o Magistrado, ao proferir sentença, revogou as medidas cautelares outrora aplicadas, mas manteve a retenção do passaporte do réu e a proibição de se ausentar do país, como forma de assegurar a permanência do réu ao alcance da lei nacional, porquanto teve resguardado o direito de recorrer em liberdade e dispõe de recursos financeiros para deixar o país a qualquer momento. Ademais, se a necessidade de deixar o país não é nova, como declara a própria defesa, mostra-se ainda mais necessária e adequada a manutenção das medidas cautelares diante de uma condenação com pena elevada (17 anos e 2 meses de reclusão). Precedentes. 4. Agravo regimental desprovido.” (anexo 4) Pois bem, o deferimento de liminar em habeas corpus constitui medida de caráter excepcional, justificada apenas se a decisão impugnada estiver eivada de ilegalidade flagrante, demonstrada de plano, ou os autos demonstrarem flagrante constrangimento ilegal, o que ocorre na espécie. Consoante se infere dos autos, o paciente ao ser condenado em primeiro grau pelos delitos dos arts. 1º, I, do Decreto-Lei 201/1967, 1º, caput, e § 4º, da Lei 9.613/1998 e 2º, § 4º, II, da Lei 12.850/2013, viu revogadas, pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Indaiatuba/SP, parte das medidas cautelares que lhe foram anteriormente impostas. Contudo, o juízo em questão manteve a cautelar de retenção do passaporte do réu e a proibição de se ausentar do país. Os fundamentos, para tanto, foram os seguintes: “(...) Revogo as medidas cautelares referentes aos itens I, III, IV e V, do Código de Processo Penal, tendo cm vista a prolação da sentença condenatória. Mantenho o recolhimento dos passaportes e a proibição de ausentar-se do país, para todos os condenados, tendo em vista a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal, pois os condenados têm recursos financeiros e podem sair do país a qualquer momento.” (anexo 4 – grifos conforme o original). Esses fundamentos, todavia, não podem subsistir, por se tratar de mera presunção por parte do julgador em relação ao paciente, na medida em que não indicou elementos concretos nesse sentido. Não se nega a reprovabilidade da conduta perpetrada. Contudo, como se sabe, a jurisprudência consolidada da Corte assentou que a idoneidade do decreto de custódia preventiva ou de  medidas cautelares diversas reclama fundamentação com lastro em elementos concretos para justificá-lo. Nesse sentido: HC nº 98.673/SP, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 29/10/09; HC nº 99.043/PE, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 9/9/10; e HC nº 100.184/MG, Primeira Turma, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 1º/10/10, entre outros. Relembro o princípio da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII) que, como norma de tratamento, significa que, diante do estado de inocência que lhe é assegurado, o imputado, no curso da persecução penal, não pode ser tratado como culpado nem ser a esse equiparado. Como já advertiu o eminente Ministro Celso de Mello no HC nº 105.556/SP, “a prisão cautelar (‘carcer ad custodiam’) - que não se confunde com a prisão penal (‘carcer ad poenam’) - não objetiva infligir punição à pessoa que sofre a sua decretação. Não traduz, a prisão cautelar, em face da estrita finalidade a que se destina, qualquer idéia de sanção. Constitui, ao contrário, instrumento destinado a atuar ‘em benefício da atividade desenvolvida no processo penal’ (BASILEU GARCIA, ‘Comentários ao Código de Processo Penal’, vol. III/7, item n. 1, 1945, Forense). (…) Isso significa, portanto, que o instituto da prisão cautelar - considerada a função exclusivamente processual que lhe é inerente - não pode ser utilizado com o objetivo de promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse lícito entender, subverterse-ia a finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave comprometimento ao princípio da liberdade (RTJ 202/256-258, Rel. Min. CELSO DE MELLO).” (Segunda Turma, DJe de 30/8/13 - grifos do autor) No mesmo sentido: “Inadmissível que a finalidade da custódia cautelar seja desvirtuada a ponto de configurar antecipação de pena.” (HC nº 90.464/RS, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 4/5/07) “[A]pelos similares à garantia da ordem pública desvelam frequentemente a tendência de antecipar a punição do réu – em contrariedade manifesta às garantias constitucionais do devido processo e da presunção de não culpabilidade (v.g., HC 71594, Pertence , JSTF, Lex, 201/345; Hc 79204, Pertence , 01.06.99) e, de outro lado, mal dissimulam a nostalgia da tão execrada prisão preventiva obrigatória (v.g. HC 79200, Pertence , 22.06.99).” (HC nº 80.717/SP, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJe de 5/3/04) Tem-se, portanto, que a imposição de qualquer medida cautelar pessoal reclama a indicação dos pressupostos fáticos que autorizem a conclusão de que o imputado poderá se furtar à lei penal, o que, neste juízo de estrita delibação, não ocorreu na espécie. Consoante a nossa jurisprudência a mera presunção de fuga não justifica a restrição da liberdade do paciente (v.g. HC nº 127.754/MG, Segunda Turma, Relator o Ministro Teori Zavacki, DJe de 13/10/15). Assim, até eventual reexame por parte do eminente Relator, defiro a liminar para revogar a medida cautelar imposta, tão somente, para  permitir ao paciente se ausentar temporariamente do país, no período compreendido entre o dia 27/7/19 e 16/8/19. Deverá o paciente cientificar o Juízo de origem do endereço onde permanecerá no período indicado, bem como comparecer de imediato àquele juízo quando do seu retorno para certificação. Comuniquem-se solicitando informações. Findo o recesso, remetam-se aos autos ao ilustre Ministro Relator para a sua competente reapreciação. Publique-se. Brasília, 5 de julho de 2019. Ministro DIAS TOFFOLI Presidente

 

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