RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.055.941

RELATOR :MIN. DIAS TOFFOLI -  

DECISÃO. 

Vistos. Por intermédio de petição protocolada nos autos (Petição/STF nº 41.615/19), a defesa de Flávio Nantes Bolsonaro, pleiteia seu ingresso no feito (CPC, art. 1.038, I). Aponta, para tanto, a existência de procedimento investigatório criminal deflagrado contra o requerente, a partir da quebra ilegal dos sigilos bancário e fiscal por parte do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Segundo sua manifestação incidental, “o D. MPRJ utilizou-se do COAF para criar ‘atalho’ e se furtar ao controle do Poder Judiciário. Sem autorização do Judiciário, foi realizada devassa, DE MAIS DE UMA DECADA, nas movimentações bancárias e financeiras do Requerente em flagrante burla às regras constitucionais garantidoras do sigilo bancário e fiscal. Houve extrapolação da autorização de compartilhamento de informações entre MPRJ e o COAF, e até mesmo quanto ao tipo e a forma de obtenção de dados pelo próprio COAF.” Para o requerente, o procedimento investigatório criminal instaurado pelo Parquet estadual seria nulo desde o início, uma vez que “decorrente de quebra do sigilo bancário e fiscal (…) em afronta ao hialino comando da Constituição no seu art. 5º, incisos X, XII, e LVI. Aliás, a referida violação ao sigilo bancário do Requerente foi admitida pelo próprio Ministério Público, em e-mail no qual consta a afirmação de que o COAF não deteria a informação desejada e que, por isso, ‘O COAF ENTRARÁ EM CONTATO COM O BANCO’ (doc. 2).” Prossegue argumentando que o COAF, ao entrar em contato com as instituições financeiras para obter  informações solicitadas pelo Ministério Público estadual, “foi muito além do mero compartilhamento ou envio de movimentações consideradas atípicas, tendo passado a fornecer informações que amparam a elaboração de seu relatório.” Aduz que o Parquet estadual já seria detentor das informações bancárias e fiscal fornecidas pelo COAF, cuja quebra do sigilo foi posteriormente autorizada judicialmente, em uma tentativa de “salvar as provas ilegalmente obtidas (...)”. Sustenta o seu interesse objetivo na causa, “com a possibilidade de contribuição com novos elementos hábeis a ampliar e qualificar o debate do tema, apresentando, aspectos concretos acerca do formato, conteúdo e procedimento de envio ao Ministério Público, para fins penais, de dados bancários e fiscais do contribuinte obtidos pela Receita Federal, sem autorização prévia do Poder Judiciário.” Afirma a “inequívoca similitude [com] o Tema 990 de Repercussão Geral (...)”, motivo pelo qual defende a suspensão da tramitação do procedimento investigativo e seus desdobramentos judiciais até que a Corte julgue o mérito da repercussão geral em referência. Em abono a esses argumentos, invoca precedentes da Corte a respeito da suspensão do processamento dos feitos em andamento que versem sobre a matéria. É o relatório. Decido. Consoante preconizado pelo § 5º do art. 1.035 do CPC, “ reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.” Não se desconhece a existência de decisões monocráticas nas quais os respectivos relatores, entendendo que o art. 1.035, § 5º do CPC tem aplicação automática, ante o reconhecimento da repercussão geral, determinaram a paralisação do trâmite de todos os feitos, em todas as instâncias e fases, que versassem sobre questões semelhantes àquelas em discussão. Meu posicionamento, contudo, vai na linha de que o reconhecimento da repercussão geral não implica, necessariamente, em paralisação instantânea e inevitável de todas as ações a versarem sobre a mesma temática do processo piloto. De fato, a situação prevista art. 1.030, inciso III, do CPC, é distinta daquela delineada no art. 1.035, § 5º, do mesmo Codex,  posto que, nessa segunda hipótese, inexiste sobrestamento imediato decorrente automaticamente da lei. A redação do dispositivo - “o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento” - sem sombra de dúvida faz transparecer uma forte recomendação; mas, ainda assim, uma recomendação, não uma obrigação. Caso se desejasse o contrário, bastaria à lei enunciar que o reconhecimento da repercussão geral levaria à paralisação do trâmite de todos os processos pendentes relativos à questão em todo o território nacional, ou, então, dispor que o Relator, obrigatoriamente, determinará a suspensão. Não o fez, contudo. E ao assim proceder, conferiu a esse último, em verdade, a competência para analisar a conveniência e a oportunidade de se implementar tal medida. Ao que parece, o Tribunal inclina-se a adotar tal orientação, vez que no julgamento da QO no RE nº 966.177/RS-RG, entendeu que “a suspensão de processamento prevista no §5º do art. 1.035 do CPC não é consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral realizada com fulcro no caput do mesmo dispositivo, sendo da discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma determiná-la ou modulá-la.” (julg. 7/6/2017 – grifos nossos) Dessa maneira, o responsável pela relatoria do paradigma determinará, sim, o sobrestamento; não o fará, contudo, por obrigação decorrente de lei, mas  de acordo com o seu juízo de necessidade e de adequação, observando os argumentos apresentados pelas partes do feito, tudo no contexto de sua competência jurisdicional. Posto isso, a suspensão, nos moldes do art. 1.035, § 5º, do CPC, de todos os processos atinentes à discussão sob exame neste recurso extraordinário requer o reconhecimento da repercussão geral e a existência de relevantes fundamentos para tal. Orientação semelhante, registre-se, foi adotada, respectivamente, pelo Ministro Roberto Barroso no RE nº 888.815/ RS (DJe de 25/11/16) e pelo Ministro Marco Aurélio no RE nº  566.622/RS (DJe de 4/7/16). No caso dos presentes autos, discute-se, tendo presentes os postulados constitucionais da intimidade e do sigilo de dados (art. 5º, incisos X e XII, da CF), a possibilidade ou não de os dados bancários e fiscais do contribuinte, obtidos pelo Fisco, serem compartilhados com o Ministério Público para fins penais e tudo feito, sem a intermediação do Poder Judiciário. O assunto corresponde ao tema 990 da Gestão por Temas da Repercussão, que se encontra assim ementado: “CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. COMPARTILHAMENTO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO, PARA FINS PENAIS, DOS DADOS BANCÁRIOS E FISCAIS DO CONTRIBUINTE, OBTIDOS PELO FISCO NO LEGÍTIMO EXERCÍCIO DE SEU DEVER DE FISCALIZAR, SEM A INTERMEDIAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. TRANSFERÊNCIA DE INFORMAÇÕES EM FACE DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA INTIMIDADE E DO SIGILO DE DADOS. ART. 5º, INCISOS X E XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. QUESTÃO EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL. MATÉRIA PASSÍVEL DE REPETIÇÃO EM INÚMEROS PROCESSOS, A REPERCUTIR NA ESFERA DO INTERESSE PÚBLICO. TEMA COM REPERCUSSÃO GERAL.” Feito esse registro, anoto que as razões escritas trazidas ao processo pelo requerente agitam relevantes fundamentos, que chamam a atenção para situação que se repete nas demandas múltiplas que veiculam  matéria atinente ao Tema 990 da Repercussão Geral, qual seja, as balizas objetivas que os órgãos administrativos de fiscalização e controle, como o Fisco, o COAF e o BACEN, deverão observar ao transferir automaticamente para o Ministério Público, para fins penais, informações sobre movimentação bancária e fiscal dos contribuintes em geral, sem comprometer a higidez constitucional da intimidade e do sigilo de dados (art. 5º, incisos X e XII, da CF). Isso porque, o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade pelo Plenário no qual se reconheceu a constitucionalidade LC nº 105/2001 (ADI’s nsº 2.386 2.390 2.397 e 2.859, todas de   minha relatoria  , julg. 24/2/16, DJe 21/10/16), foi enfático no sentido de que o acesso às operações bancárias se limita à identificação dos titulares das operações e dos montantes globais mensalmente movimentados, ou seja, dados genéricos e cadastrais dos correntistas, vedada a inclusão de qualquer elemento que permita identificar sua origem ou [a] natureza dos gastos a partir deles efetuados, como prevê a própria LC nº 105/2001. Portanto, a depender do que se decidir no paradigma da controvérsia, o risco de persecuções penais fundadas no compartilhamento de dados bancários e fiscais dos órgãos administrativos de fiscalização e controle com o Ministério Público, sem o adequado balizamento dos limites de informações transferidas, podem redundar em futuros julgamentos inquinados de nulidade por ofensa às matrizes constitucionais da intimidade e do sigilo de dados (art. 5º, incisos X e XII, da CF). Não convém, por conseguinte, manter a atuação cíclica da máquina judiciária no tocante a tais demandas que veiculam matéria semelhante, até que a Corte se pronuncie em definitivo sobre a questão, que, registro, já tem data definida para o seu julgamento pelo Plenário no calendário da Corte, a dizer, 21/11/19. Esses argumentos levam-me a concluir pela necessidade de se aplicar, o disposto no art. 1.035, § 5º, do CPC, de modo a suspender o processamento de todos os processos judiciais em andamento, que tramitem no território nacional e versem sobre o assunto discutido nestes autos. Penso que, dessa maneira, impede-se que a multiplicação de decisões divergentes ao apreciar o mesmo assunto. A providência também é salutar à segurança jurídica. De mais a mais, forte no poder geral de cautela, assinalo que essa decisão se estende aos inquéritos em trâmite no território nacional, que foram instaurados à míngua de supervisão do Poder Judiciário e de sua prévia autorização sobre os dados compartilhados pelos órgãos administrativos de fiscalização e controle que   vão além da identificação dos titulares das   operações bancárias e dos montantes globais,  consoante decidido pela Corte (v.g. ADI’s nsº 2.386, 2.390, 2.397 e 2.859, Plenário, todas de minha relatoria, julg. 24/2/16, DJe 21/10/16). Com base nos fundamentos suso mencionados, considerando que o Ministério Público vem promovendo procedimentos de investigação criminal (PIC), sem supervisão judicial, o que é de todo temerário do ponto de vista das garantias constitucionais que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, revela-se prudente ainda suspender esses procedimentos que tramitam no território nacional e versem sobre o mesmo tema, de modo a evitar eventual usurpação de competência do Poder Judiciário. Para além da suspensão dos processos judiciais (CPC, art. 1.035, § 5º), como determinado na espécie, rememoro que assim já procedi no paradigma que trata do Tema 808 da Repercussão Geral  (RE nº 855.091-RG, de minha relatoria). Naquela hipótese, as razões e os riscos aduzidos em manifestação incidental convenceram-me, em nome da prudência, a decidir, frente ao poder geral de cautela, pela suspensão “do processamento de todos os procedimentos administrativos tributários da Secretaria da Receita Federal do Brasil que tramitem no território nacional e versem sobre o mesmo tema.” (DJe de 29/8/19 – grifos nossos) Deve ficar consignado, contudo, que essa decisão não atinge as ações penais e/ou procedimentos investigativos (Inquéritos ou PIC’s), nos quais os dados compartilhados pelos órgãos administrativos de fiscalização e controle, que foram além da identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais, ocorreram com a devida supervisão do Poder Judiciário e com a sua prévia autorização. Ante o exposto e observada a ressalva acima destacada: 1) determino, nos termos do art. 1.035, § 5º, do CPC, a suspensão do processamento de todos os processos judiciais em andamento, que tramitem no território nacional e versem sobre o Tema 990 da Gestão por Temas da Repercussão Geral; 2) determino, com base no poder geral de cautela, a suspensão do processamento de todos os  inquéritos e procedimentos de investigação criminal (PIC’s), atinentes aos Ministérios Públicos Federal e estaduais, em trâmite no território nacional, que foram instaurados à míngua de supervisão do Poder Judiciário e de sua prévia autorização sobre os dados compartilhados pelos órgãos de fiscalização e controle (Fisco, COAF e BACEN), que vão além da identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais, consoante decidido pela Corte (v.g. ADI’s nsº 2.386, 2.390, 2.397 e 2.859, Plenário, todas de minha relatoria, julg. 24/2/16, DJe 21/10/16); Consigno que a contagem do prazo da prescrição nos aludidos processos judiciais e procedimentos ficará suspensa, consoante já decidido no RE nº 966.177-RG-QO, cuja ementa transcrevo, na parte que interessa: “1. A repercussão geral que implica o sobrestamento de ações penais, quando determinado este pelo relator com fundamento no art. 1.035, § 5º, do CPC, susta o curso da prescrição da pretensão punitiva dos crimes objeto dos processos suspensos, o que perdura até o julgamento definitivo do recurso extraordinário paradigma pelo Supremo Tribunal Federal.” (Tribunal Pleno, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 1º/2/19 – grifos nossos) À Secretaria, para que adote as providências cabíveis, mormente quanto à cientificação dos órgãos do sistema judicial pátrio e dos Ministérios Públicos Federal e estaduais. Oficiem-se, ainda, solicitando informações pormenorizadas a respeito do procedimento adotado em relação ao compartilhamento de dados e ao seu nível de detalhamento das informações aos seguintes órgãos: i) Procuradoria-Geral da República; ii) Tribunal de Contas da União; iii) Receita Federal do Brasil; iv) Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF); v) Procuradorias-Gerais de Justiça; e vi) Conselho Nacional do Ministério Público; Dê-se ciência desta decisão às seguintes instituições: i) Advocacia Geral da União; ii) Defensoria Pública da União e dos estados; e iii) Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Cópia da presente decisão deverá acompanhar as missivas. Após, voltem os autos conclusos para julgamento. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 15 de julho de 2019. Ministro DIAS TOFFOLI Relator

 

 

 

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