APELAÇÃO CRIMINAL N. 0004915-46.2013.4.01.3307/BA

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES -  

PENAL. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA AO ESCRAVO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. AUSÊNCIA DE PROVAS INEQUÍVOCAS PARA IMPOSIÇÃO DE UMA CONDENAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÕES PROVIDAS. 1. Apelações criminais interpostas pelos réus contra sentença proferida pelo Juízo Federal da Subseção Judiciária de Vitória da Conquista, que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal para condenar os apelantes como incursos nas penas do art. 149 do Código Penal (redução à condição análoga à de escravo). 2. A pena do réu Juarez Lima Cardoso foi fixada em 06 (seis) anos de reclusão e 60 (sessenta) dias-multa, na fração de 1/2 (um meio) do salário-mínimo vigente à época do fato. O regime estabelecido foi o semiaberto. Para o réu Valter Lopes dos Santos a pena fixada foi de 3 (três) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multas, no importe de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época do fato. O regime inicial foi o aberto. 3. Os acusados foram denunciados pelo Ministério Público Federal com incurso nos artigos 149, caput, 203, 207 e 297, §4º, na forma do art. 69, caput, c/c art. 29, todos do Código Penal, por haver, de forma livre e consciente, mantido 26 (vinte e seis) trabalhadores rurais laborando em condições análogas à de escravo, conforme Relatório de Fiscalização emitido pelo Grupo Especial de Auditores do Trabalho que diligenciaram na Fazenda Sítio Novo, Distrito de Limeira, Povoado de Lajedinho, zona rural de Vitória da Conquista/BA, na data de 30 de julho de 2013, averiguando a materialidade delitiva que culminou na referida denúncia. 4. Não procede a alegação de incompetência da Justiça Federal para processar e julgar a presente ação penal, eis que a jurisprudência dos Tribunais Superiores e desta Corte sedimentou o entendimento de que a competência para processar e julgar ações penais que apuram fatos relacionados à redução de trabalhadores à condição análoga à de escravo é da Justiça Federal. 5. No caso, a denúncia está embasada na fiscalização realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (Grupo de Fiscalização Móvel) no local dos fatos, onde foram colhidos elementos sobre a suposta ocorrência do delito em apreciação, inclusive fotos. A ocorrência dessa espécie de delito afere-se, além dos elementos colhidos pela fiscalização realizada, principalmente pelos depoimentos das vítimas e das testemunhas que presenciaram os fatos. 6. Durante a instrução probatória, em Juízo, foram ouvidos os auditores que fizeram a fiscalização na fazenda e apenas três das vítimas. Os auditores declararam que os empregados do réu trabalhavam em péssimas condições de trabalho, de alojamento e de higiene e sob várias violações a leis trabalhistas. As testemunhas, por sua vez, ratificaram essas informações, contudo, seus depoimentos não foram suficientes para comprovar de forma cabal a existência do trabalho escravo. 7. O acervo probatório demonstra que ocorreram inúmeras irregularidades e violações à legislação trabalhista (ausência dos registros na CTPS, alojamentos e refeitórios com precárias condições, ausência de fornecimento de equipamento de proteção individual, além de outras tantas); entretanto, tais irregularidades não são suficientes para caracterizar o crime capitulado no artigo 149 do Código Penal, pois não ficou comprovada a presença de uma da elementares do tipo em discussão, qual seja: a prestação de trabalhos forçados; ou a existência de jornada exaustiva; ou a restrição à liberdade de locomoção em razão de dívida com o patrão; ou condições degradantes de trabalho. 8. Sobre a configuração do delito do artigo 149 do Código Penal, manifestou-se o STF, no sentido de que “se até nas cidades brasileiras mais desenvolvidas não é difícil encontrar problemas de inadequação da estrutura de trabalho e de condições desfavoráveis de higiene e saúde pessoal para os empregados, que dirá nos rincões da nação. Conquanto seja desejável que os trabalhadores possam exercer a atividade dentro de padrões mínimos de cuidados, amparados pela legislação de rigor, é preciso atentar para a realidade vivida no interior do país” (Ministro Gilmar Mendes - RE 398.041/PA). 9. Sem provas inequívocas de que os empregados tenham sido forçados a trabalhar ou a cumprir jornadas extenuantes a contragosto, em condições degradantes de trabalho ou com imposição de restrição da liberdade de locomoção, não há como imputar ao réu a acusação de infringir o art. 149 do Código Penal. O direito penal funciona como última ratio dentro do Ordenamento Jurídico, somente sendo aplicado quando as demais áreas não sejam suficientes para punir os atos ilegais praticados. 10. O conjunto probatório constante dos autos não oferece elementos de prova hábeis a demonstrar, com a necessária segurança a fundamentar uma condenação, que o acusado teria praticado ou concorrido, consciente e voluntariamente, para a prática do delito em análise, não sendo, portanto, suficiente para ensejar a condenação. 11. Cumpre destacar que no processo penal vige a regra do juízo de certeza, ou seja, as provas devem ser produzidas de maneira clara e convincente, não deixando margem para meras suposições ou indícios. Para que se chegue ao decreto condenatório, é necessário que se tenha a certeza da responsabilidade penal do agente, pois o bem que está em discussão é a liberdade do indivíduo. Sendo assim, meros indícios e conjecturas não bastam para um decreto condenatório, uma vez que, na sistemática do Código de Processo Penal Brasileiro, a busca é pela verdade real. 12. Consoante o art. 99, §3º, do CPC, para se obter o benefício da assistência judiciária gratuita, basta a simples afirmação da parte de que não poderá arcar com as custas do processo e os honorários de advogado. Registro que, conforme o art. 98, §§ 2º e 3º, do CPC, o pagamento das as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficará sobrestado enquanto perdurar o estado de insuficiência de recursos do condenado, até o prazo máximo de 05 (cinco) anos, após o qual a obrigação estará prescrita, cabendo ao juízo da execução verificar a real situação financeira do acusado. 13. Apelação dos réus providas para absolvê-los da imputação da prática do delito do art. 149, caput, c/c o art. 70, ambos do CP, com fulcro no art. 386, VI, do CP.

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