APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001781-93.2013.4.03.6107/SP

RELATOR: DESEMBARGADOR FAUSTO DE SANCTIS -  

PENAL E PROCESSO PENAL. MOEDA FALSA. ART. 289, CAPUT E/OU PARÁGRAFO 1º, DO CP. CORRUPÇÃO DE MENORES. ART. 244-B, CAPUT, DA LEI N.º 8.069/1990. INOCORRÊNCIA DE FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA. HIPÓTESE DE CRIME IMPOSSÍVEL AFASTADA. MATERIALIDADE E AUTORIA RELACIONADAS A AMBOS OS DELITOS DEMONSTRADAS. MANUTENÇÃO DA APLICAÇÃO DA REGRA DO CONCURSO FORMAL PERFEITO, SOB PENA DE HAVER REFORMATIO IN PEJUS. MODIFICAÇÃO, DE OFÍCIO, DO VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA FIXADO NA R. SENTENÇA.1- O tipo penal previsto no art. 289, §1º, do CP, é misto alternativo (ou de ação múltipla), que possui, no seu bojo, vários verbos nucleares, de modo que, praticada quaisquer das condutas descritas, estará consumado o crime. Inclusive, a prática, em um mesmo contexto, de dois ou mais dos comportamentos previstos, enseja, em princípio, a responsabilização por uma única infração penal, não se havendo de falar em concurso de crimes.2- Trata-se de crime instantâneo no que diz respeito às condutas de "falsificar", "fabricar", "alterar", "importar", "exportar", "adquirir", "vender", "trocar", "ceder" e "introduzir" e permanente na modalidade "guardar", já que, nesta hipótese, a consumação se protrai no tempo. A doutrina classifica-o como formal e de perigo abstrato, uma vez que a consumação independe da ocorrência de resultado lesivo, ou seja, é desnecessário que o agente obtenha vantagem ou cause prejuízo a terceiros para que o delito se consume, assim como não se exige que a moeda falsa seja efetivamente posta em circulação, bastando a mera execução de quaisquer das condutas previstas no tipo penal para se presumir, absolutamente, o perigo ao bem jurídico tutelado, este consistente na fé pública relacionada à confiança coletiva na autenticidade da moeda nacional.3- Em se tratando das condutas descritas no artigo 289 do Código Penal e seus parágrafos, não se há de falar em mínima ofensividade nem em desinteresse estatal em reprimi-las, já que, independentemente do valor das cédulas falsas ou da quantidade apreendida, tais condutas atingem, necessariamente, a credibilidade da moeda e a segurança de sua circulação, de modo que não deve ser admitida a aplicação do princípio da insignificância.4- Além disso, para que se possa atribuir a um sujeito a autoria do delito de moeda falsa, é indispensável a presença do dolo, isto é, da vontade livre e consciente de se praticar quaisquer das modalidades referenciadas. Em outras palavras, é preciso haver ciência inequívoca, por parte do agente, acerca da falsidade da moeda. Destaque-se que, nas hipóteses em que o agente alega desconhecimento acerca da contrafação, deve o intérprete apurar a existência de dolo a partir dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos criminosos. Se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível identificar a presença do elemento anímico analisando-se fatores externos, tais como, a reação do agente diante da descoberta da falsidade, o local em que as cédulas falsas foram encontradas, as alegações relacionadas à origem das cédulas espúrias, ou, ainda, a coerência da versão apresentada pelo agente e eventuais mentiras desveladas pelas provas, por exemplo.5- Outra questão importante diz respeito à qualidade da falsificação. Para que o delito de moeda falsa se configure, é necessário que se evidencie a chamada imitativo veri (imitação da verdade), ou seja, é preciso que a(s) cédula(s) falsa(s) seja(m) parecida(s) com a(s ) verdadeira(s) a ponto de ser(em) apta(s) a enganar homem médio. Em se constatando a ocorrência de falsificação grosseira, isto é, de falsificação perceptível a olho nu pela maioria das pessoas, deverá haver, em princípio, o reconhecimento da hipótese de crime impossível por absoluta impropriedade do objeto (inteligência do art. 17 do CP), ou, caso o agente tenha conseguido enganar uma pessoa específica, a desclassificação para o delito de estelionato, nos termos da Súmula n.º 73 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.6- O tipo penal previsto no art. 244-B da Lei n.º 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) é, também, misto alternativo (ou de ação múltipla), pois possui, no seu bojo, dois verbos nucleares, quais sejam, "corromper" (perverter, estragar) e "facilitar" (tornar mais fácil tal perversão), e deve ser interpretado sob a luz do princípio da proteção integral à infância e juventude (inteligência do art. 1º da Lei n.º 8.069/1990), já que o bem jurídico protegido é a boa formação moral da criança ou adolescente.7- Nos termos da Súmula n.º 500 do Superior Tribunal de Justiça, trata-se de um crime de natureza formal, que se consuma independentemente da realização do resultado, de modo que, para a caracterização do delito de corrupção de menores, basta a comprovação da participação do inimputável em prática criminosa (na companhia ou induzido por maior de 18 anos), sendo desnecessária a demonstração de que o menor tenha sido efetivamente corrompido no momento dos fatos imputados.8- Além disso, é irrelevante saber se o menor já estava previamente corrompido, ou seja, o crime se caracteriza independentemente de o menor ser primário ou já ter cumprido medida socioeducativa, já que o que se quer evitar é tanto a inserção quanto a permanência do menor na criminalidade, até porque, a cada nova prática criminosa, maior será a degradação daquela criança ou adolescente. Inclusive, em precedente do Superior Tribunal de Justiça relatado pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze, destacou-se que "ainda que o adolescente possua outros antecedentes infracionais, resta configurado o crime ora em análise, porquanto o bem jurídico tutelado pela norma visa, sobretudo, a impedir que o maior imputável induza ou facilite a inserção ou a manutenção do menor na esfera criminal" (STJ, 3ª Seção, RESP n.º 1.127.954 - DF 2009/0119618-7, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Julg. 14.12.2011).9- Em suma, a simples participação de um menor (na companhia ou induzido por maior de dezoito anos) no cometimento de um delito é suficiente para que essa criança ou adolescente tenha seu amadurecimento moral violado. Em outras palavras, basta que um agente imputável induza ou facilite a inserção ou a manutenção de um menor na esfera criminal para que se verifique a subsunção de sua conduta ao tipo penal previsto no art. 244-B da Lei n.º 8.069/1990.10- No caso em questão, o réu foi condenado à pena de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa pela prática, em concurso formal perfeito, dos delitos de moeda falsa e corrupção de menores, uma vez que teria fabricado e guardado 03 (três) cédulas falsas de R$ 50,00 (cinquenta reais), 03 (três) de R$ 10,00 (dez reais) e 02 (duas) de R$ 5,00 (cinco reais), bem como teria induzido o menor C. V. M. a tentar introduzir em circulação uma das cédulas de R$ 10,00 (dez reais).11- Deve ser afastada a alegação de que estaria configurada a hipótese de crime impossível, uma vez que o perito responsável pela elaboração do laudo afastou a hipótese de falsificação grosseira. O fato de constar do laudo pericial que a falsificação pôde ser percebida a olho nu, "prescindindo-se de instrumento ótico", não exclui a possibilidade de, ainda assim, as cédulas possuírem "prerrogativas suficientes para serem inseridas no meio circulante" e enganarem o homem médio, de quem não se espera a mesma expertise de um perito.12- É certo que, em um primeiro momento, a informação de que as notas teriam sido fabricadas na residência do acusado, por meio da utilização de papel sulfite e de impressora HP Deskjet F2050, gera, naturalmente, a suspeita de que a falsificação seria, em tese, grosseira. Todavia, embora tenha sido empregado método de falsificação tão pouco sofisticado, o que se observa, na prática, é que o agente falsificador obteve um resultado surpreendentemente satisfatório. O simples manuseamento das cédulas apreendidas é suficiente para se verificar que estas são bastante semelhantes às notas verdadeiras e, portanto, poderiam iludir pessoa com discernimento médio.13- O fato de a falsidade da nota ter sido identificada de imediato pela pessoa que estava no caixa da padaria não leva, necessariamente, à conclusão de que se tratava de falsificação grosseira, já que é esperado que, em razão de seu ofício, aqueles que atuam no comércio detenham experiência e capacidade de avaliação acima do comum em relação à média da população.14- Materialidade e autoria delitivas (relacionada a ambos os delitos) restaram devidamente comprovadas pelos elementos probatórios acostados aos autos, de modo que a manutenção da condenação é medida que se impõe. A análise dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos criminosos não deixa dúvida de que o agente agiu com dolo, vale dizer, tinha pleno conhecimento acerca da falsidade das notas que guardava consigo, no interior de seu veículo e em sua residência. Inclusive, durante seu interrogatório judicial, o acusado confessou ter fabricado as notas utilizando a impressora que havia em sua casa. Além disso, restou comprovado que o acusado induziu o menor C. V. M. a tentar introduzir uma cédula falsa de R$10,00 (dez reais) em circulação, quedando-se à distância do local do crime, com o intuito de assegurar a sua impunidade.15- Não se ignora que, recentemente, ao analisar outro feito relacionado ao cometimento dos crimes de moeda falsa e corrupção de menores (autos n.º 000848638.2012.4.03.6109), esta E. 11ª Turma adotou, por maioria, posicionamento no sentido de que deveria ser aplicada a regra do concurso formal próprio, sob o fundamento de que, naquele caso, não foram identificados desígnios autônomos, já que "a intenção única do acusado era praticar o delito de moeda falsa e, para tanto, corrompeu a menor para auxiliá-lo na empreitada criminosa" - vide Voto Condutor - (TRF3, Décima Primeira Turma, Apelação Criminal n.º 000848638.2012.4.03.6109, Relator para acórdão Desembargador Federal Nino Toldo, e-DJF3 Judicial 1 de 23.07.2018). Não obstante, reputa-se como mais adequado o entendimento, já adotado por esta E. Corte, no sentido de que, em hipóteses como a dos autos, deve ser reconhecida a ocorrência de concurso formal impróprio (ou imperfeito), já que, embora tenha sido praticada uma única conduta, estavam presentes dois desígnios autônomos, vale dizer, tanto a vontade de introduzir cédula falsa em circulação quanto a vontade livre e consciente de induzir o menor a praticar crime. De qualquer sorte, como, no caso em questão, estabeleceu-se em sentença a aplicação da regra do concurso formal perfeito (pena mais grave aumentada de um sexto, conforme o artigo 70, 1ª parte, do CP), tal determinação, embora contrarie o entendimento supramencionado, não poderia, neste momento, ser alterada, sob pena de haver reformatio in pejus. Deve ser mantida, portanto, a pena de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa fixada na r. sentença.16- Nos termos do art. 45, parágrafo 1º, do Código Penal, a pena substitutiva de prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes, ou a entidade pública ou privada com destinação social e tem seus limites estipulados em, no mínimo, 1 (um) salário mínimo e, no máximo, 360 (trezentos e sessenta) salários. Embora a lei seja omissa sobre critérios específicos para sua fixação, a prestação pecuniária deve ser, em razão de sua natureza, aproximada à extensão dos danos causados à vítima, atendendo à gravidade da infração e às suas consequências, porquanto visa à reparação civil. Eventualmente, a situação econômica do agente pode levar à flexibilização quanto ao montante a ser fixado diante dos reflexos inerentes no caso de seu descumprimento: conversão em prisão.17- In casu, embora a defesa não tenha se insurgido em relação a esse ponto, merece reforma a parte da r. sentença que fixou a prestação pecuniária em "50 (cinquenta) cestas básicas", patamar que se revelou excessivo, tendo em vista que, durante o seu interrogatório judicial, o acusado declarou que sua renda mensal, na época, era de R$2.830,00 (dois mil e oitocentos e trinta reais). Assim, a prestação pecuniária deve ser estabelecida em 05 (cinco) salários mínimos, patamar que atende ao propósito de reprimir o acusado pelo grave ilícito praticado e que, ao contrário do anteriormente estabelecido, não se mostra dissociado da situação econômico-financeira do réu.18- Quanto ao valor do dia-multa, observa-se que agiu bem o r. Juízo a quo ao fixá-lo em 1/5 (um quinto) do salário mínimo, patamar que, levando-se em conta a situação econômica do réu, em nada desborda da razoabilidade e que, portanto, deve ser mantido.19- Assim, a pena se torna definitiva em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa, cada qual fixado em 1/5 (um quinto) do salário mínimo (valor do salário mínimo vigente à época dos fatos e atualizado na forma da lei), ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas penas restritivas de direito, quais sejam, uma de prestação de serviços à comunidade, consistente na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado e conforme suas aptidões (a serem definidas pelo Juízo da Execução) à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, e uma de prestação pecuniária, consistente no pagamento de 05 (cinco) salários mínimos em favor de entidade pública ou privada com destinação social (a ser definida pelo Juízo da Execução).20- Apelação da defesa a que se nega provimento. Determinação, de ofício, de que a prestação pecuniária seja estabelecida em 05 (cinco) salários mínimos a serem pagos em favor de entidade pública ou privada com destinação social a ser definida pelo Juízo da Execução.

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