APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0039206-68.2007.4.04.7100/RS

RELATORA : Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE -  

PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. FATOS OCORRIDOS NO ESTRANGEIRO. PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE. ARTIGO 36 DA CONVENÇÃO ÚNICA SOBRE ENTORPECENTES. APLICABILIDADE DA LEI BRASILEIRA. EXTRATERRITORIALIDADE DA CONDUTA. INOCORRÊNCIA. CRIME DE CONTEÚDO VARIADO. EXTRATERRITORIALIDADE DA LEI PENAL. NÃO OCORRÊNCIA. ELEMENTOS EM LÍNGUA ESTRANGEIRA NA INICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. FALTA DE LAUDO PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE JUSTA. NÃO OCORRÊNCIA. NÃO OBSERVÂNCIA DO RITO PREVISTO NO DECRETO Nº 3.810/01. ILICITUDE DAS PROVAS. NÃO OCORRÊNCIA. OITIVA ANTECIPADA DE TESTEMUNHAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL EM E-MAILS E SITES. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL NOS MEDIDAMENTOS APREENDIDOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSENTE INTERESSE RECURSAL. APLICABILIDADE DA LEI 11.343/06. INOBSERVÂNCIA DE LIMITES IMPOSTOS PELA SENTENÇA DE EXTRADIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. MATERIALIDADE DO DELITO. AUSÊNCIA DE LAUDO DEFINITIVO. ABSOLVIÇÃO. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. AUSÊNCIA DE PROVAS DA FINALIDADE DE TRAFICÂNCIA. ABSOLVIÇÃO. ALTERAÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃO DA ABSOLVIÇÃO. REJEIÇÃO DO PLEITO. 1. A prova dos fatos ocorridos no exterior (tráfico de drogas) rege-se pela lei do país em que eles ocorreram. Logo, não infirma a persecutio criminis a circunstância de, com relação a tais fatos, não ter sido produzido laudo toxicológico, que é previsto na lei brasileira. 2. Além disso, em circunstâncias excepcionais - como ocorre no presente caso admite-se a caracterização do delito de drogas, mesmo sem a elaboração do referido laudo, desde que as demais provas sejam suficientes para tal fim. 3. A excepcionalidade do presente caso reside na circunstância de que, mediante a utilização de estrutura de apoio no Brasil, o réu promoveu, nos Estados Unidos da América, a comercialização, no varejo, por meio da rede mundial de computadores, de medicamentos que continham, em suas formuladas, substâncias que se inserem na categoria de drogas. 4. A caracterização do delito de associação para o tráfico de drogas não reclama a produção de laudo toxicológico ou prova pericial. Não se exige, como prova com relação aos tráficos de drogas ocorridos no exterior do país, a ausência dos laudos toxicológicos, provisório e definitivo, não infirma a persecutio criminis. O combate ao tráfico de entorpecentes orienta-se pelo princípio da universalidade buscando a cooperação dos Estados signatários para assegurar a punição do criminoso que se encontra em seu território, independentemente da nacionalidade do agente ou do lugar da prática do crime. 2. Em hipóteses como a dos autos, onde o agente é de nacionalidade brasileira, não sendo possível sua extradição, resta evidente que o artigo 36 da Convenção Única Sobre Entorpecentes não tem o condão de afastar a jurisdição nacional, porquanto estaria consagrando hipótese de impunidade, em clara dissonância com as interpretações lógica e teleológica do sistema. 3. A conduta delituosa imputada ao réu teve seu início em território brasileiro com a exposição à venda de drogas através da disseminação de spams -, e resultado nos Estados Unidos da América, restando clara a aplicabilidade da legislação penal nacional ao caso, diante da conjugação do disposto nos artigos 5º e 6º do Código Penal. 4. O crime de tráfico de drogas é delito de ação múltipla ou conteúdo variado, consumando-se com a prática de quaisquer das condutas previstas no tipo penal e, assim, uma vez realizada a exposição à venda, a posterior efetivação do comércio não caracteriza novo ato de traficância, mas desdobramento do mesmo delito. 5. Uma vez estabelecido que as condutas ora perseguidas ocorreram, ao menos em parte, no território brasileiro, não caracterizando, portanto, hipótese de extraterritorialidade da legislação nacional, desnecessária a comprovação do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 7º, § 2º, do Código Penal. 6. Em que pese a existência de informações em língua estrangeira na exordial, estas não tiveram o condão de limitar o exercício do direito de defesa, concretizado em toda sua amplitude. 7. Em que pese o laudo de constatação preliminar seja elemento suficiente ao estabelecimento da materialidade do delito de tráfico de drogas para fins de recebimento da denúncia (artigo 50, § 1º, da Lei 11.343/06), não se exclui a possibilidade desta ser firmada, neste momento inicial, através de outros meios. 8. A requisição de assistência judiciária diferencia-se do fornecimento espontâneo de provas entre as autoridades responsáveis pelo combate ao tráfico de entorpecentes, sendo o Decreto nº 3.810/01 aplicável tão somente à primeira hipótese e, ainda assim, sem exclusividade, haja vista a expressa previsão no sentido da possibilidade de aplicação de qualquer outro acordo, ajuste ou prática bilateral cabível. 9. A colheita antecipada do depoimento dos agentes da Drug Enforcement Administration - DEA se deu com observância da legislação processual pátria, uma vez que o artigo 225 do Código de Processo Penal admite a inversão da ordem dos atos processuais nas hipóteses em que devam as testemunhas se ausentar. 10. Tendo a acusação logrado trazer ao processo faustosa prova referente à autoria das condutas delitivas, desincumbindo-se de seu ônus, a infirmação dos elementos trazidos aos autos é incumbência da defesa, devendo ser observada a regra insculpida no artigo 156 do Código de Processo Penal. 11. No caso, no que se refere à titularidade dos sites utilizados na empreitada delituosa, a prova requerida pela defesa poderia ter sido produzida às próprias expensas, não dependendo de conhecimentos técnicos especializados, não havendo prejuízo no indeferimento da perícia. 12. A comprovação da materialidade do delito é ônus da acusação, ao passo que a ausência de prova referente a tal elemento deve ser interpretada em benefício da defesa, inexistindo interesse da defesa na realização de perícia sobre os medicamentos apreendidos e não havendo, por conseguinte, cerceamento de sua atuação em virtude do indeferimento da medida. 13. A denúncia narra a prática de atos de traficância e associação para o tráfico de drogas que teriam se perpetrado até o ano de julho de 2008, sendo aplicável ao caso o entendimento sedimentado pelo STF na Súmula 711, para determinar a incidência ao caso da Lei 11.343/06. 14. A sentença estrangeira reconheceu a jurisdição brasileira como competente para o processamento e julgamento de todos os fatos constantes do pedido de extradição, não havendo exclusão daqueles ocorridos durante a vigência da Lei 6.368/76. 15. A ausência nos autos do laudo toxicológico definitivo impõe a absolvição pela prática do crime de tráfico ilícito de drogas, considerando que não restou devidamente comprovada a materialidade do delito. 16. Em que pese o crime previsto no artigo 35 da Lei 11.343/06 consubstancie delito autônomo em relação ao tráfico de entorpecentes, imprescindível para sua concretização que os sujeitos associados tenham por finalidade o exercício da traficância, sendo essencial a comprovação de seu vínculo com o objeto material da traficância, qual seja, a droga, o que não ocorreu no caso dos autos. 17. Apesar de não existir prova suficiente à condenação do réu, há indícios que apontam para sua autoria, não tendo sido comprovado que o réu não teria concorrido para a infração penal e devendo, por conseguinte, ser mantida a absolvição com fundamento no artigo 386, inciso VII, do CPP.

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