ACR – 12218/PE – 0000196-02.2014.4.05.8310

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE -  

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE PREFEITO. DL 201/67, ART. 1º. I. MODULAÇÃO DA PENA, PARA O MÍNIMO LEGAL, À MÍNGUA DE ELEMENTOS PARA DEFINÍ-LA EM QUANTIDADE SUPERIOR. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO RECURSO. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. I - Apelação única do RÉU, fulcrada nos seguintes pontos: i) incompetência da Justiça Federal, à míngua de interesse da UNIÃO, pois a verba já estava incorporada ao patrimônio do MUNICÍPIO DE ITAÍBA; ii) ausência de demonstração de liame causal entre o RECORRENTE e o fato dito criminoso; iii) ofensa ao princípio da indivisibilidade da ação penal, já no processo há menção a outra pessoa (JOAQUIM DA SILVA RIBEIRO), que "seria responsável solidário", mas não foi denunciado; iv) cerceamento de defesa, pois indeferida foi a produção de prova pericial incidente sobre as unidades sanitárias dita melhoradas; v) falta de demonstração do dolo do agente, no corpo da peça inaugural; vi) de mérito, o RECORENTE deveria ter sido absolvido, pois a inspeção realizada pelos Auxiliares de Saneamento da FUNASA não foi reduzida a ata com a assinatura do representante da municipalidade; vii) a supradita equipe de vistoria só esteve em duas casas, mas o MUNICÍPIO realizou as obras em sessenta e seis unidades, ultimando os termos do convênio com a FUNASA de forma satisfatória; viii) a pena foi aplicada em exagero, pois mesmo se crime houvesse, não seria adequada uma sanção de nove anos de reclusão, quando o DL 201/67 prevê, para o crime do art. 1º, I, balizamento entre dois e doze anos, razão pela qual é requerida a sua redução, caso ultrapassadas as objeções de preâmbulo. II -  A verba apontada como malversada tem origem na FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, dirigida ao MUNICÍPIO DE ITAÍBA/PE, para fins da realização, por esse ente federativo, de melhorias sanitárias , em número de sessenta e três, sendo o RÉU/APELANTE o Prefeito da época. Verba federal. Logo, incidência da regra competencial desenhada no art. 109, I, determinando que o julgamento toca à Justiça Federal. Aplicação da Súmula 208 do STJ: "Compete a Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante orgão federal". III - Sendo o RÉU/APELANTE o Prefeito do MUNCÍPIO DE ITAÍBA à época dos fatos tratados na denúncia, sendo também ordenador da despesa questionada, obviamente contra ele haveria que ser desenvolvida a acusação; o assim ocorreu. Pelo menos em tese há liame entre os fatos (o pagamento de serviços e obras que não foram realizadas) e o resultado (o prejuízo aos cofres oficiais). Denúncia suficientemente clara e acusação deduzida com razoabilidade. IV - Quanto à alegação de imprestabilidade da propositura da ação, por não contemplar todas as pessoas envolvidas no crime em apreço, estando assim o processo eivado de mácula ao princípio da indivisibilidade da ação penal, vê-se que essa alegação recursal é impossível de ser acatada, pois o APELANTE não dedicou a esse aspecto qualquer fundamento de fato ou de direito, conforme pode ser lido na folha 535, final. Nos termos postos no apelo, não há demonstração de qualquer prejuízo suportado pelo ora RECORRENTE, razão pela qual não pode vingar a alegação preambular. V - Insiste o APELANTE na inservibilidade da condenação, pois faltou ser realizada a prova pericial que requereu para incidir sobre as unidades residenciais onde foram realizadas as melhorias sanitárias. Com efeito, não pode ser acatado este tópico do recurso. Em casos como o presente a prova pericial é para esclarecer detalhes técnicos, quiçá a adequação dos termos referenciais dos projetos que deram azo ao convênio entre o MUNICÍPIO e a FUNASA. Errônea é a afirmação de que existindo aspectos materiais em jogo, inexorável é a prova pericial. Com efeito, se o APELANTE desejava mesmo comprovar que realizou as obras bastava juntar documentos (notas fiscais, ordens de serviço, relatórios de inspeção etc.), acolitados por testemunhos, por exemplo. Mas, na espécie até mesmo a prova testemunhal que havia sido requerida pelo RÉU/RECORRENTE foi dispensada a seu pedido (fl. 241). VI - Ainda que de forma pouco usual, o RECORRENTE reclama que a exordial não conduziu elementos suficientes a provar, de logo, que o APELANTE laborou com dolo. Com efeito, a denúncia é peça de deflagração do jus persequendi. Constitui, portanto, uma delineação do que o MPF deseja que seja apurado e provado no curso do processo. E delineia esse intento debaixo das responsabilidades de quem detém o dominis litis, não podendo, portanto, ofertar acusações levianas. A essa altura do processo que pretende inaugurar deve atuar, o MPF, com atenção ao art. 41 do CPP, que assim diz: "A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.". Somente. E isso o Parquet fez. Insubsistente, também, este outro ponto do recurso. VII - Não existe, na descrição típica do art. 1º, I, do DL 201/67, a exigência dessa "ata" assinada por todos os envolvidos para que o crime de "apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio" seja consumado. VIII - Por outro lado, também não infirma o crime o fato de uma vistoria da FUNASA ter sido realizada em duas casas, quando o projeto previa a realização de melhoria em sessenta e três habitações. Caberia ao gestor municipal, ao cabo do cumprimento do objeto do convênio celebrado com a FUNASA, apresentar os elementos comprobatórios da realização da obra, conforme dito em outra parte deste voto. As manifestações administrativas do próprio RECORRENTE são atabalhoadas e demonstram que o convênio não foi cumprido à risca, embora os pagamentos tenham sido efetuados. A título de exemplo, está na fl. 130 (numeração do MPF) do inquérito o termo de recebimento da obra, firmado pelo RECORRENTE, mas dando conta da realização de "21 privadas higiênicas", mas a nota fiscal correspondente (fl. 134v) não discrimina quantas dessas unidades foram efetivamente realizadas. A condenação do RECORRENTE pelo TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO bem atesta a ocorrência do crime do art. 1º, I, do DL 201/67, até porque não foi infirmada pela defesa técnica desenvolvida no processo que ora se julga em grau recursal. IX - Sobre a dosimetria da pena, razão assiste ao RECORRENTE. O art. 1º, § 1º, prevê para o crime do inciso I desse mesmo artigo pena de reclusão variando de dois a doze anos. Na dosimetria da reprimenda, salvo evidências que recomendem atuar diferentemente, o juiz deve estabelecer a pena-base no mínimo legal. A partir daí, na segunda fase, analisar circunstâncias agravantes e atenuantes e, no terceiro momento, impor causas especiais de aumento ou diminuição da pena. No caso em apreço, o digno magistrado escolheu nove anos para a base da pena. Com o maior respeito, os elementos dissecados nas fls. 312 a 313 dos autos não indicam uma elevação tão alentada, mormente porque algumas são ínsitas ao tipo penal destacado, a exemplo a de que "o réu promoveu o desvio de recursos públicos em desfavor dos cidadãos do município de Itaíba, especialmente os mais carentes". Por outro lado, em sede de um Direito Penal da culpabilidade, é difícil o acolhimento da argumentação subjetiva (pois desprovida de justificação) de que "observo que o réu possui predisposição para a prática de infrações de natureza semelhante". Com ser assim, imperioso é o redimensionamento da pena, para começar por dois anos de reclusão. E, como a própria sentença afirma, inexistem circunstâncias atenuantes ou agravantes, tampouco causas especiais de aumento ou diminuição da pena. Definida a condenação em dois anos de detenção, portanto. X - Acerca da reparação do dano, é mantido o capítulo sentencial que o fixou no valor indicado pela FUNASA, com a devida atualização monetária, sendo possível a compensação, caso a entidade federal obtenha esse reparo por outro meio. XI - Sobre o caso concreto operou-se a prescrição. Não houve recurso por parte do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, ocorrendo a coisa julgada para a acusação. Dispõe o Código Penal, art. 110, § 1º, que a prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação regula-se pela pena aplicada. Na espécie, a condenação agora fixada foi de dois anos, o que atrai a regra prescricional para quatro anos (CP, art. 109, V). Considerando que o fato ocorreu a 11 de novembro de 1998 (data do pagamento indevido da última parcela, já que não há prova que as obras foram realizadas a contento) e a denúncia foi recebida a 01 de julho de 2014, trespassados foram mais de três lustros, bem além do que prevê o art. 109, V, do Código Penal. Extinta está a punibilidade, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal. XII - Parcial provimento da apelação, porém com reconhecimento da prescrição. Extinção da punibilidade.

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