ACR – 13573/PE – 0004823-45.2015.4.05.8300

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI -  

PENAL E PROCESSUAL PENAL. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DIREITO DE DEFESA, EM RAZÃO DE OMISSÃO NO JULGADO DE ORIGEM. INOCORRÊNCIA INCONSTITUCIONALIDADE DA PROVA. ART. 6º, DA LEI Nº 8.137/90. INOCORRÊNCIA. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES FALSAS AO FISCO ACERCA DA REAL MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA DA EMPRESA. SUPRESSÃO DE TRIBUTOS. AUSÊNCIA DE CONTRADIÇÃO ENTRE AS INFORMAÇÕES CONSTANTES DOS AUTOS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DOLO COMPROVADO. DOSIMETRIA. AMPLA DEVOLUTIVIDADE. MANUTENÇÃO. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Cuida-se de Apelação Criminal manejada por C.R.A., em face da sentença que o condenou pela prática do crime previsto no art. 1º, I, c/c art. 12, I, ambos da Lei nº 8.137/90, em continuidade delitiva (art. 71 do CP), à pena de 03 (três) anos e 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias  de reclusão, em regime aberto, além de 108 (cento e oito) dias-multa, cada um deles no valor de 1/20 (um vigésimo) do salário mínimo, sendo a pena privativa de liberdade substituída por duas sanções restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços a entidade pública e em uma pena pecuniária correspondente ao depósito mensal, em conta corrente aberta para este fim, no valor de R$ 120,00 (cento e vinte reais), durante todo o período de duração da pena substituída. 2. Segundo a narrativa constante da denúncia, o apelante, na qualidade de administrador da empresa C.R.A. - ME, teria omitido o pagamento de IRPJ relativo ao ano-calendário de 2005, ao apresentar Declaração Simplificada da Pessoa Jurídica - SIMPLES, informando faturamento inferior à real movimentação financeira da empresa. Ainda de acordo com o narrado, o crédito tributário, em outubro de 2008, resultaria no valor de R$ 21.526.716,68 (vinte e um milhões, quinhentos e vinte e seis mil, setecentos e dezesseis reais e sessenta e oito centavos), havendo sido constatada divergência dos valores de receita bruta mensal apresentados nas Declarações Anuais Simplificadas - DAS, relativas aos anos-calendários 2001 a 2004 e informados à Secretaria da Fazenda do Estado de Pernambuco - SEFAZ/PE. Segundo o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, teria sido observado o intuito do réu de suprimir o pagamento de tributos federais, resultando nos créditos tributários no montante (em valores referentes a abril de 2007), de R$ 7.546.373,44 (sete milhões, quinhentos e quarenta e seis mil, trezentos e setenta e três reais e quarenta e quatro centavos), concernentes ao auto de infração nº 19647.004801/2007-51, e de R$ 931.616,80 (novecentos e trinta e um mil, seiscentos e dezesseis reais e oitenta centavos), alusivos ao auto de infração resultante do processo administrativo nº 19647.004799/2007-11, sendo que tais créditos tributários foram definitivamente constituídos, não tendo sido pagos ou incluídos em regime de parcelamento. 3. Em suas razões recursais, sustenta o ora apelante que, em relação à Representação Fiscal para Fins Penais nº 19647.019073/2008-63 - cujo crédito tributário foi obtido mediante informações de movimentação bancária - a requisição direta dos elementos bancários pelo Auditor Fiscal, sem ordem judicial, tornaria a prova obtida em violação às normas constitucionais, isso porque, mesmo julgadas inconstitucionais as ações diretas de inconstitucionalidades relativas ao conteúdo do art. 6º da LC 105/2001, na fundamentação das referidas ações, o STF teria reconhecido, a título de fundamentação, que a obtenção de informações bancárias dependeria da sujeição do pedido de acesso a um superior hierárquico do requerente, o que, conforme o ora apelante, não teria ocorrido no caso. Ainda segundo o ora recorrente, em relação à Representação Fiscal para Fins Penais nº 19647.004807/2007-29, haveria uma contradição entre as informações constantes do OFÍCIO Nº 2598/2013/GAB/SERAP/DIDAU/PRFN - 5ª Região, datado de 08.10.2013 (fl. 125 do IPL), e aquela apresentada na própria Representação da Receita Federal, datada de 23.05.2007 (fl. 3, apenso 2, vol. II, do IPL 610/2011-4), visto que, naquela, o valor do crédito tributário seria de R$ 4.354.449,78; enquanto, nesta, o valor do crédito informado seria de R$ 7.546.373,44, situação que, conforme o ora apelante, o teria prejudicado, visto que, o segundo valor, que seria maior que o primeiro, teria sido o considerado para fins de majoração da pena. Por fim, alega ser impertinente a inclusão do auto de infração 19647.004799/2007-11 na Representação Fiscal para Fins Penais nº 19647.004807/2007-29, visto que tal auto de infração teria resultado da exclusão da Pessoa Jurídica do SIMPLES, em razão de ela ter ultrapassado o limite do benefício fiscal, e não por ter cometido fraude fiscal. Assim, como a própria lei do SIMPES estabeleceria a exclusão do benefício fiscal com a cobrança dos respectivos tributos, não estaria configurada a tipicidade do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, pois o simples atraso no recolhimento dos tributos não configuraria crime contra a ordem tributária, não havendo materialidade nem dolo no cometimento do crime. Neste ponto, segundo o apelante, a sentença teria sido omissa ao afirmar que o debate era incabível em razão da independência entre as instâncias administrativa, civil/tributária e penal, constituindo cerceamento de defesa. 4. Relativamente à preliminar de cerceamento de defesa, a essência dos fundamentos apresentados pelo ora apelante se relacionam ao fato de que, o julgado ora recorrido, não teria apreciado suas alegações relativas à impertinência da inclusão, do auto de infração nº 19647.004799/2007-11, na Representação Fiscal para Fins Penais nº 19647.004807/2007-29, uma vez que tal auto de infração teria resultado da exclusão da Pessoa Jurídica do SIMPLES, em razão dela ter ultrapassado o limite do benefício fiscal, e não por ter cometido fraude fiscal, sendo indevida a aplicação art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90. No entanto, além de não merecer acolhimento a tese de que teria havido omissão - na medida em que a tese defensiva foi devidamente apreciada e afastada na sentença (tanto que sequer apresentados embargos declaratórios em face do édito condenatório) - mister se faz destacar não haver qualquer incompatibilidade entre a origem do processo administrativo de exclusão da pessoa jurídica CLEIDSON ROBERTO DE ARAÚJO - ME do SIMPLES e a Representação Fiscal para Fins Penais em que se apurava a configuração da conduta tipificada no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90. Isso porque, conforme consta da mencionada Representação Fiscal (apenso III, Volume 1, do IPL 610/2011), a exclusão se deu com base nas informações constantes da base de dados da Secretaria da Fazenda do Estado de Pernambuco, na qual se constatou que a empresa teria auferido receita bruta decorrente de vendas de mercadorias em valor não só acima do limite estabelecido para ingressar no Simples, como também acima dos valores que foram declarados à Receita Federal, conduta esta, em tese, tipificada no art. 1º, I, da Lei n.º 8.137/90 (sonegação fiscal). Preliminar afastada. 5. Em relação aos anos-calendários de 2001 a 2004 - de que trata a Representação Fiscal Para Fins Penais nº 19647.004807/2007-29 - a pessoa jurídica CLEIDSON ROBERTO DE ARAÚJO - ME apresentou Declarações Anuais Simplificadas - DAS (fls. 28/42v, do apenso II, volume 02), informando valores referentes à receita bruta mensal divergentes daqueles informados à Secretaria da Fazenda do Estado - SEFAZ-PE, motivo pelo qual o contribuinte foi excluído do sistema SIMPLES a partir do ano-calendário de 2002, conforme o processo administrativo nº 19647.001603/2007-36 (apenso III). Assim, para o ano calendário 2001, após a fiscalização no procedimento administrativo nº 19647.004799/2007-1113, foram lavrados autos de infração relativos a IRPJ-SIMPLES14, PIS/Pasep-SIMPLES15, CSLL-SIMPLES16, COFINS-SIMPLES17 e Contribuição para Seguridade Social-INSS-SIMPLES18; enquanto para os anos 2002 a 2004, objeto do processo administrativo nº 19647.004801/2007-5119, considerando a exclusão do SIMPES a partir de 2002, foram lavrados autos de infração relativos a IRPJ20, PIS/Pasep21, COFINS22, CSLL23. Como resultado, foram constituídos créditos tributários no montante de R$ 931.616,80 (para o ano-calendário de 2001), e de R$ 7.546.373,44 (para os anos-calendário 2002 a 2004), sendo que a constituição definitiva remonta a 21.10.2013, conforme o relatado no Ofício da Receita Federal à fl. 113. 6. Por sua vez, no que se refere ao ano-calendário de 2005 - de que trata a Representação Fiscal Para Fins Penais nº 19647.019073/2008-63 - tem-se que a referida empresa apresentou Declaração Simplificada da Pessoa Jurídica - SIMPLES, informando faturamento inferior à real movimentação financeira em suas contas, tendo sido lavrado auto de infração24 no valor de R$ 21.526.716,68 (IRPJ, PIS, CSLL, COFINS). Quanto a este, tem-se que o crédito tributário foi devidamente constituído em 09.12.2008. 7. No concernente à tese de inconstitucionalidade da prova constante da Representação Fiscal para Fins Penais nº 19647.019073/2008-63, cujo crédito tributário foi obtido mediante informações de movimentação bancária requisitada diretamente aos bancos pela autoridade fiscal, mister se faz destacar que, acerca desse tema, o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento das ADIs nºs 2.386, 2.397 e 2.859, decidiu, por 9 votos a 2, pela constitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar n º 105/2001, que permite aos órgãos da administração tributária quebrar o sigilo fiscal de contribuintes sem autorização judicial. Na oportunidade, sagrou-se vencedora a tese de que a norma não configura quebra de sigilo bancário, mas sim transferência de informações entre bancos e o Fisco, ambos protegidos contra o acesso de terceiros. 8. No caso, a forma de obtenção dos dados bancários não contrariou a tese sufragada pelo STF acerca do tema, inclusive porque, na hipótese, o pedido de acesso às informações bancárias foi condicionado à atuação de um superior hierárquico do servidor então requerente, na medida em que tais informações foram requisitadas pelo Delegado-Adjunto da DRF Recife (superior hierárquico do Auditor-fiscal responsável pela fiscalização, tudo nos termos do Decreto nº 3724/2001 - apenso I, vol. I, do IP 610/2011-4). 9. No tocante à alegação de contradição entre as informações constantes do OFÍCIO Nº 2598/2013/GAB/SERAP/DIDAU/PRFN - 5ª Região, datado de 08.10.2013 (fl. 125 do IPL), e aquela apresentada na própria Representação da Receita Federal, datada de 23.05.2007 (fl. 3, apenso 2, vol. II, do IPL 610/2011-4), tem-se que, em verdade, a divergência nos valores de crédito tributário informados se deve ao fato de que, enquanto no primeiro o valor de R$ 4.354.449,78 se refere apenas ao IRPJ; na segunda, o valor de R$ 7.546.373,44 diz respeito ao IRPJ e reflexos de PIS, COFINS E CSLL. Tanto é assim que, nos próprios anexos do Ofício nº 2598/2013/GAB/SERAP/DIDAU/PRFN-5ª Região, no qual consta o valor de R$ 4.354.449,78, relativo IRPJ, a Procuradoria também encaminhou os valores de dívida ativa relativos a CSLL (R$ 2.142.106,66), CONFINS (R$ 5.967.751,05) e PIS (R$ 1.293.011,85). 10. Não havendo dúvida quanto à configuração da materialidade delitiva - a) Representação Fiscal para Fins Penais n.º 19647.019073/2008-63 (fls. 1/8, apenso 1, vol. I, do IPL 610/2011); b) Representação Fiscal para Fins Penais n.º 19647.004807/2007-29 (fls. 1/4, apenso 2, vol. II, do IPL 610/2011); c) declaração de firma individual e demais atos da empresa (fls. 65/82 do IPL 610/2011); d) depoimentos de ex-funcionários da empresa prestados na Polícia Federal (fls. 222/223 do IPL 610/2011) e em Juízo; e) declarações do acusado perante a autoridade policial (fls. 224/225 do IPL 610/2011) e em Juízo (fl. 75); f) despacho  à fl. 196, do apenso 2, vol. II do IPL 610/2011, além dos ofícios 1230/09 - GAB/DRF/REC (fl. 13 do IPL), nº 714/11 - GAB/DRF/REC (fl. 21 do IPL 610/2011) e nº 2598/20013/GAB/SERAP/DIDAU/PRFN - 5ª Região (fl. 125 do IPL) - tem-se por igualmente configurado o dolo do ora apelante - responsável pela empresa - na conduta consistente em omitir ao Fisco informações relevantes, relativas ao auferimento de receita da mencionada empresa, em face do que derivariam obrigações tributárias. Neste tocante, o próprio acusado admitiu, em Juízo, que era o único proprietário da empresa, cabendo-lhe, portanto, a sua gerência, tendo, inclusive, ficado na condição de real administrador daquela pessoa jurídica entre 1999 e 2005. 11. Ainda no tema autoria, a tese do ora apelante no sentido de atribuir ao contador da empresa a responsabilidade pela omissão das informações, se mostrou absolutamente frágil, não apenas diante da sua inequívoca condição de administrador da empresa, mas também pela circunstância de sequer ter sabido declinar o endereço do referido contador, tendo se limitado a informar que ele poderia ser encontrado no Município de Olinda/PE. Bem assim, refira-se que, da mencionada omissão de informações, derivou o não recolhimento de tributos, com o consequente prejuízo para o Fisco (sentido amplo da expressão) no montante de R$ 30.004.706,92 (trinta milhões, quatro mil e setecentos e seis reais e noventa e dois centavos), rendendo azo à inscrição na Dívida Ativa da União. 12. Relativamente à dosimetria da pena, considerado o postulado da ampla devolutividade da apelação, havendo a pena-base sido fixada no mínimo legal, bem como não tendo havido incidência de circunstâncias agravantes ou atenuantes, tem-se como correto o aumento na fração de 1/3 (um terço), ante a previsão constante do art. 12, I, da Lei n.º 8.137/90, tendo em conta o valor do crédito tributário relativo aos anos-calendário em análise, no total de R$ 30.004.706,92 (trinta milhões, quatro mil e setecentos e seis reais e noventa e dois centavos). Mostrou-se igualmente correta a incidência do aumento da pena em 1/3 (um terço), em face da caracterização de crime continuado (art. 71 do CP), tendo em vista que a conduta foi reiterada durante todas as competências dos anos-calendário de 2001 a 2005, com afastamento do aumento em decorrência do concurso formal. Quanto à pena de multa, fixada em apenas 5,4 (cinco vírgula quatro) salários mínimos, tem-se por adequada à situação econômica do réu. Ademais, a substituição da pena privativa de liberdade por duas sanções restritivas de direitos, se deu dentro dos parâmetros legais e de acordo com a proporcionalidade.  Apelação desprovida.

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