ACR – 14000/SE – 0001913-27.2015.4.05.8500

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO -  

PENAL. CRIME DE ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. SAQUE DOS VALORES DO BENEFÍCIO APÓS O FALECIMENTO DA SUA TITULAR. EXCLUDENTES DE ILICITUDE E CULPABILIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS HÁBEIS A COMPROVAR A PRESENÇA DAS EXCLUDENTES. AÇÃO PERPETRADA MEDIANTE INTENSA FRAUDE QUANTO AO FALECIMENTO DA TITULAR, OBTENDO PROCURAÇÃO PÚBLICA COMO SE OUTORGADA PELA FALECIDA GENITORA, APÓS A SUSPENSÃO DO PAGAMENTO, E COMPARECENDO À AGÊNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL PARA POSTERIOR RECADASTRAMENTO E RETORNO DO PAGAMENTO. DOSIMETRIA. PENA AO FINAL E POR CONCRETA FIXADA EM QUANTUM CORRESPONDENTE AO PATAMAR MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE  DE MINORAR AQUÉM DO ESTABELECIDO NA SEGUNDA FASE. VEDAÇÃO DA SÚMULA Nº 231/STJ. CONTINUIDADE DELITIVA. INAPLICAÇÃO DIANTE DA NATUREZA DE CRIME PERMANENTE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Cuida-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente a pretensão punitiva estatal para condenar Maria Auxiliadora Carvalho, pelo capitulado no art. 171, § 3º, c/c art. 71, ambos do Código Penal, às penas de 2 (dois) anos de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente aberto, e de 10 (dez) dias-multa, cada qual valorado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, substituída a primeira por duas restritivas de direitos, noticiando a denúncia que, em 1º de agosto de 2011, foi suspenso o pagamento do Benefício nº 41/063.851.120-8, titularizado por Maria Aliete Carvalho, por detectado seu falecimento ocorrido desde 25 de outubro de 2004, havendo a acusada, filha da beneficiária, continuado a sacar os valores através do uso da senha do cartão magnético, o que veio a totalizar a vantagem indevida no montante de R$ 41.337,19 (quarenta e um mil, trezentos e trinta e sete reais e dezenove reais) em prejuízo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). 2. Em suas razões recursais, por intermédio da Defensoria Pública da União, aduz a ré a presença da excludente de ilicitude pelo estado de necessidade, por destinado os valores à subsistência sua e do seu núcleo familiar, e da excludente de culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa. No que diz respeito à dosimetria da pena, pretende ver aplicada a pena-base no seu mínimo legal, a incidência da atenuante genérica do art. 66 do Código Penal e, por fim, afastada a continuidade delitiva, por se tratar de crime permanente. 3. Não há como acolher o alegado, eis que não se apresenta a inexigibilidade de conduta diversa, não só por não trazer aos autos qualquer indicativo hábil a comprovar incapacidade laborativa, sua ou de seus filhos, ou, apontando privações financeiras, haver buscado outras alternativas, inclusive a suplementar a declarada renda mensal, à época, de R$ 460,00 (quatrocentos e sessenta reais), a exemplo de benefício assistencial. 4. Colhe-se dos autos que a ora apelante usou de fraude quando, já em 20 de setembro de 2011, quando já suspenso o pagamento do benefício, fez-se passar por sua falecida genitora para ver lavrada procuração pública outorgando-lhes poderes de representação junto ao INSS e ao Banco do Brasil S/A, inclusive para fins de recadastramento, sacar valores, receber cartões magnéticos e senhas (fls. 26 do IPL em apenso), como também, no dia seguinte (21 de setembro de 2011), compareceu ela perante uma Agência de Previdência Social, ali não declarando o falecimento da beneficiária mas, ao contrário, que "esteve levando sua genitora a um Caixa Eletrônico para retirada do dinheiro e não havia saldo; comparecendo ao Banco do Brasil foi informada da suspensão do pagamento; vindo até essa Agência cadastrar a procuração, foi encaminhada a outro servidor" (Termo de Comparecimento à APS - fls. 24 do IPL em apenso), pelo que se depreende, então, um agir livre e consciente em obter vantagem indevida, buscando utilizar ardis para fraudar a situação de falecimento de sua genitora, que já perdurava quase 7 (sete) anos, o que afasta, inclusive, a possibilidade de entender presente um arrependimento, declarado tão somente quando passada a situação da esfera administrativa, no âmbito do INSS, para a penal. 5. No que diz respeito as alegações que dizem respeito à dosimetria da pena, onde pretende a fixação da pena-base no seu mínimo legal, no caso em 1 (um) ano, observa-se haver sido sopesada em desfavor da acusada a culpabilidade, exasperando-se a pena-base em 3 (três) meses além do patamar mínimo, situação essa que não se apercebe desarrazoada diante da conduta já narrada, sendo oportuno lembrar não apenas os ardis por ela perpetrados (procuração pública outorgada após o falecimento da beneficiária e quando já suspenso o seu pagamento e, ainda, seu comparecimento à APS como se ainda viva sua genitora) e o valor do prejuízo causado aos cofres da previdência social, superior a R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), bem como se acrescentar que na segunda fase da dosimetria da pena, por reconhecida a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, "d", do Código Penal), foi ela reduzida em exatos 3 (três) meses, a conduzir ao patamar mínimo, inclusive em atenção à Súmula nº 231/STJ, que veda, nesta fase, pena aquém daquela, restando inclusive prejudicados os reclamos de fixação da pena-base no mínimo legal, por atingido tal patamar na segunda fase da dosimetria e, ainda, de ver incidir a atenuante do art. 66 do Código Penal, por vedação a partir da Súmula nº 231/STJ. 6. Sendo denominado estelionato previdenciário (pela percepção de benefício indevido pelo agente) um crime de natureza permanente, não se vislumbra a prática de mais de um crime da mesma espécie, pelo que é de se afastar a continuidade delitiva e, assim, tão somente neste ponto reformar a sentença para que a pena seja, ao final e por concreta, fixada em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, mantidos os demais termos da sentença. 7. Apelação parcialmente provida.

Para ler o documento na íntegra, clique aqui!

Comments are closed.