ACR – 14179/PB – 0001898-19.2014.4.05.8201

RELATOR: DESEMBARGADOR MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT -  

PENAL E PROCESSO PENAL. AÇÃO PENAL. DENÚNCIA. INÉPCIA. AUSÊNCIA. ILEGITMIDADE PASSIVA. CONFUSÃO COM O MÉRITO DA LIDE PENAL. PRESCRIÇÃO RETROATIVA DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. NÃO OCORRÊNCIA.  CONDENAÇÃO CRIMINAL. PROVA INDICIÁRIA ROBUSTA E COERENTE. APLICAÇÃO DE REGRAS DE EXPERIÊNCIA. CONDENAÇÃO. POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DO STF.  CRIME LICITATÓRIO. ART. 90 DA LEI N.º 8.666/93. PREJUÍZO AO ERÁRIO. DESNECESSIDADE. APELAÇÕES DAS DEFESAS. NÃO PROVIMENTO. 1. Da leitura atenta da inicial acusatória, verifica-se que ela descreve de forma suficiente e individualizada a tese acusatória de utilização pelos Apelantes de empresas de fachada para frustar o caráter competitivo do procedimento licitatório sob a modalidade de Carta Convite n.º 18/2007 promovido pelo Município de Esperança para execução do Convênio FUNASA n.º 1.494/2006, razão pela qual não merece acolhida a preliminar processual de inépcia da denúncia deduzida pelos Apelantes Carlos Alberto Matias e Laerte Matias de Araújo. 2. A preliminar processual de ilegitimidade passiva deduzida pelos Apelantes, também, não merece acolhida, pois confunde-se com o próprio mérito da lide penal, vinculando-se ao exame da efetiva demonstração de autoria delituosa por parte dos Apelantes, impondo-se sua apreciação quando do exame do mérito da tese defensiva recursal e, portanto, a rejeição da preliminar processual. 3. Tendo em vista que a homologação do resultado do procedimento licitatório ocorreu  07.05.2007 (fl. 160 do volume 1 do Apenso destes autos), a denúncia foi recebida em 19.11.2014 (fls. 27/28 destes autos) e a sentença condenatória foi prolatada em 15.12.2015 (fls. 314/335 destes autos), com condenação dos Apelantes a penas privativas de liberdade de 2 anos e 6 meses detenção, sem recurso da Acusação, rege-se o prazo prescricional da pretensão punitiva retroativa pelo disposto no art. 109, inciso IV, do CP, não tendo, assim, havido seu transcurso entre o primeiro e segundo marco prescricional acima indicados nem entre o segundo e o terceiro, vez que o recebimento da denúncia é causa interruptiva da prescrição (art. 117, inciso I, do CP), razão pela qual rejeito a prejudicial do mérito de prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal deduzida pelos Apelantes. 4. A Carta Convite n.º 18/2007, realizada pelo Município de Esperança/PB, para construção de unidades sanitárias com recursos públicos oriundos da FUNASA através do Convênio n.º 1.494/2006, teve como participantes do procedimento licitatório as empresas CM Construções Miranda Ltda., Construtora Mouriah Ltda., FC Projetos e Construções Ltda. e Imperial Projetos Construções e Serviços Ltda., tendo sido sagrada vencedora a empresa Construtora Mouriah Ltda. 5. Em relação às empresas FC Projetos e Construções Ltda. e Imperial Projetos Construções e Serviços Ltda., a análise da prova produzida nos autos leva à constatação de que: I - como confirmado pelo próprio Réu Jurandir Ronaldo da Silva em seu interrogatório judicial, a empresa Imperial Projetos Construções e Serviços Ltda. pertencia a sua esposa e irmão; II - embora o Réu Jurandir Ronaldo da Silva tenha, em seu interrogatório judicial, negado que fosse sócio e/ou proprietário de fato da empresa FC Projetos e Construções Ltda., os depoimentos das testemunhas de acusação Jurandir Ronaldo da Silva e Joaldo Cassiano dos Santos encontram-se em sentido contrário, afirmando que esse Réu era o administrador de fato dessas empresas, sendo responsável pela parte burocrática das atividades da empresa em licitações e pela a decisão de participação nestas; ademais, o próprio Réu Jurandir Ronaldo da Silva, em seu interrogatório judicial, informou que tinha procuração dos sócios da FC Projetos e Construções Ltda. e que partilhava com estes o lucro das obras ao final destas, circunstâncias que infirma a sua alegação de ser simples empregado dessa empresa, inclusive, porque não tinha CTPS assinada por esta; ademais, o Réu Jurandir Ronaldo da Silva, informou em seu interrogatório judicial, que não pode figurar como sócio da FC Projetos e Construções Ltda. em face de restrições de seu nome na Receita Federal; III - ademais, embora o Réu Jurandir Ronaldo da Silva negue, em seu interrogatório judicial, que tivesse administrado ao mesmo tempo as empresas FC Projetos e Construções Ltda. e a empresa Imperial Projetos Construções e Serviços Ltda., a testemunha de acusação Joaldo Cassiano dos Santos informou que ambas funcionaram, em um primeiro momento, no mesmo endereço em João Pessoa, só depois tendo sido sua sede transferida para Campina Grande; por outro lado, o Réu Jurandir Ronaldo da Silva confirmou a versão apresentada anteriormente por sua esposa e irmão de que eles teriam sido convidados pelo referido Réu para abrirem essa empresa em função de restrições cadastrais ao nome dele, tendo, no entanto, afirmado que, em relação às licitações, quando estava à frente da FC Projetos e Construções, não interferia nem sabia das atividades da Imperial Projetos Construções e Serviços Ltda.; IV - essa última afirmação do Réu Jurandir Ronaldo da Silva não se mostra crível, indo contra as regras de experiência aplicáveis a situações da espécie, pois tendo sido a empresa Imperial Projetos Construções e Serviços Ltda. constituída por sua esposa e irmão a pedido dele, esse fato demonstra que ele era, de fato, o administrador dessa empresa, não havendo qualquer elemento de prova nos autos que demonstre que ele o fosse para as atividades apenas que não envolvessem licitações, como pretende ele fazer crer em seu interrogatório judicial. 6. A conjugação dos elementos de prova acima analisados evidencia, de forma robusta e coerente, que o Réu Jurandir Ronaldo da Silva era o proprietário e administrador de fato das empresas FC Projetos e Construções Ltda. e Imperial Projetos Construções e Serviços Ltda. que participaram da Carta Convite n.º 18/2007, realizada pelo Município de Esperança/PB, para construção de unidades sanitárias com recursos públicos oriundos da FUNASA através do Convênio n.º 1.494/2006. 7. Em relação às empresas CM Construções Miranda Ltda. e Construtora Mouriah Ltda., a análise da prova produzida nos autos leva à constatação de que: I - a Construtora Mouriah Ltda., desde sua constituição, era de propriedade do Réu Laerte Matias de Araújo, conforme referido às fls. 06/07 da denúncia; II - a CM Construções Miranda Ltda., teve como testemunha das primeira, segunda e terceira alterações contratuais, o Réu Laerte Matias de Araújo, conforme referido às fls. 06/07 da denúncia, assim como ocorreu em relação a duas outras empresas (Status Construções Ltda. e Diagonal Construções Ltda.) alegadas pelo MPF como, de fato, administradas por este Réu e pelo Réu Carlos Alberto Matias de Araújo (fls. 06/08 da denúncia); III - a testemunha de defesa Antônio Erasmo de Lacerda, em seu depoimento judicial, não soube explicar o porquê de o Réu Laerte Matias de Araújo, a quem ele afirmou ser seu concorrente nas atividades de construção e em licitações, ter sido testemunha de alterações contratuais da empresa CM Construções Miranda Ltda., nem o porquê de o Réu Carlos Alberto Matias, irmão daquele outro acusado, ser engenheiro dessa empresa, quando o próprio depoente referia-se ao irmão dele como seu concorrente; além disso, informou que o Réu Carlos Alberto Matias tinha procuração da empresa e elaborava as propostas de licitação por ter os conhecimentos da parte técnica; IV - essa testemunha, ainda em seu depoimento, não conseguiu explicar as razões de ter adquirido outra empresa (Status Construções Ltda.), que fora de propriedade do Réu Carlos Alberto Matias e tivera o Réu Laerte Matias de Araújo como testemunha de quatro alterações contratuais suas (fls. 07/08 da denúncia), bem como não demonstrou ter conhecimentos da parte técnica das atividades da empresa CM Construções Miranda Ltda, inclusive quanto à participação em licitações; V - e, conforme se verifica de fls. 117/126 do IPL n.º 2009.82.01.001613-3, cuja cópia digitalizada está encartada no DVD constante da fl. 12 do PIC apenso a esta ação penal, no auto circunstanciado de busca e apreensão cumprido na residência do Réu Laerte Matias de Araújo, foram encontrados diversos documentos relativos às empresas indicadas pelo MPF às fls. 06/08 da denúncia, entre as quais a CM Construções Miranda Ltda. e a Status Construções Ltda., sendo, de igual modo, na residência do Réu Carlos Alberto Matias, também, encontrados documentos das empresas CM Construções Miranda Ltda., Status Construções Ltda. e Diagonal Construções Ltda., no caso, balanços patrimoniais, cartões magnéticos e blocos de recibos em branco, incluindo estes, também, a empresa Construtora Mouriah Ltda., conforme auto de apreensão de fls. 154/158 do IPL n.º 2009.82.01.001613-3, cuja cópia digitalizada está encartada no DVD constante da fl. 12 do PIC apenso a esta ação penal,  o que reforça a demonstração do vínculo de fato dos Réus Laerte Matias de Araújo e Carlos Alberto Matias com essas empresas como seus proprietários de fato. 8. O vínculo de parentesco entre os Réus Carlos Alberto Matias e Laerte Matias de Araújo, a imbricação da participação deles, seja como procuradores, seja como administradores, das empresas CM Construções Miranda Ltda. e Construtora Mouriah Ltda., a estranha coincidência da atuação do Réu Laerte Matias de Araújo como testemunha em alterações contratuais das empresas CM Construções Miranda Ltda. e Status Construções Ltda., os documentos apreendidos nas residências de ambos acima referidos referentes a essas empresas e outras apontadas pelo MPF como componentes do bloco de empresas das quais seriam proprietários de fato, e os elementos indicativos da ausência de qualificação técnica e de atuação prática nas principais atividades dessas duas empresas de seu proprietário de direito (a testemunha de defesa Antônio Erasmo de Lacerda), constituem-se em elementos de prova indiciária robusta e coerente do condição de ambos de proprietários de fato das empresas CM Construções Miranda Ltda. e Construtora Mouriah Ltda. 9. O conjunto probatório acima examinado em relação à condição dos Réus Jurandir Ronaldo da Silva como proprietário de fato das empresas FC Projetos e Construções Ltda. e Imperial Projetos Construções e Serviços Ltda. e dos Réus Carlos Alberto Matias e Laerte Matias de Araújo como proprietários de fato das empresas CM Construções Miranda Ltda. e Construtora Mouriah Ltda., demonstra que a prova indiciária acima descrita e acolhida pela sentença apelada é robusta e coerente no sentido, com base nas regras de experiência aplicáveis ao tipo de delito objeto da ação penal (crime licitatório praticado no âmbito de município interiorano para fraudar o caráter competitivo de procedimento licitatório na modalidade convite), de demonstrar a materialidade das práticas delituosas do art. 90 da Lei n.º 8.666/93 pelas quais condenados os Apelantes, bem como a autoria deles em relação aos delitos pelas circunstâncias da prática delituosa encetada e pelo papel de cada um deles, não havendo margem para qualquer dúvida, no contexto probatório descrito, quanto à responsabilidade penal dos Apelantes. 10 .Ressalte-se que a jurisprudência do STF admite a condenação penal com base em prova indiciária robusta e coerente e na aplicação de regras de experiência: (HC 103118, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 20/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-073 DIVULG 13-04-2012 PUBLIC 16-04-2012 RT v. 101, n. 922, 2012, p. 574-583); (HC 97781, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 26/11/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-051 DIVULG 14-03-2014 PUBLIC 17-032014). 11. No caso em exame, pela robustez e coerência do conjunto probatório indiciário acolhido na sentença apelada, não há que se falar em condenação com base em meras presunções ou os indícios isolados, nem em desrespeito ao princípio do "in dubio pro reo", bem como não há necessidade de utilização dos depoimentos prestados pelos Acusados Carlos Alberto Matias e Laerte Matias de Araújo em sede policial e não ratificados em Juízo, vez que preferiram exercer seu direito ao silêncio por ocasião da oportunidade de interrogatório judicial para fins de embasamento da condenação judicial a eles imposta. 12. Por outro lado, o fato de não terem sido encontrados elementos de prova que levassem o MPF a denunciar os membros da comissão de licitação, também, não aproveita aos Apelantes, pois suas condenações judiciais estão baseadas em conjunto probatório robusto e coerente, como acima examinada, não sendo a falta de prova quanto à, em tese, potenciais outros envolvidos nas condutas delituosas elemento suficiente para embasar sua postulação absolutória. 13. Por fim, o crime do art. 90 da Lei n.º 8.666/93 não demanda a demonstração de resultado de prejuízo econômico ao ente público, como pacificamente fixado pela jurisprudência do STJ: (AgRg no REsp 1728967/RN, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 07/05/2019) 14. Assim, irrelevante para a tipicidade penal das condutas dos Apelantes a sua alegação de que os serviços objeto da contratação foram prestados de forma devida, pois os crimes pelos quais condenados se consuma pela simples quebra do caráter competitivo do certame fraudado. 15. Apenas duas circunstâncias judiciais do art. 59 do CP foram valoradas negativamente em relação aos Apelantes: a culpabilidade e as consequências do crime. 16. Em relação às consequências, foi essa circunstância valorada negativamente pela sentença apelada por entender que os Apelantes, através da prática delitiva, impediram a contratação da proposta mais vantajosa pela Administração pública, contudo, como essa circunstância é elementar do próprio tipo penal, não é possível sua valoração negativa sob pena de "bis in idem" na quantificação da pena imposta aos Apelantes, razão pela qual deve essa circunstância ser considerada neutra para fins de dosimetria penal. 17. Quanto à culpabilidade, foi essa circunstância valorada negativamente pela sentença apelada por entender que a reprovabilidade social da conduta dos Apelantes extrapola os contornos naturais do tipo penal, vez que tinham empresas por eles controladas para acorrer às licitações dando aparência de competição aparente e, assim, viabilizando o acesso fácil aos recursos liberados. 18. Nesse aspecto, restou demonstrado nos autos que os Apelantes detinham o controle de fato das empresas participantes da licitação objeto da denúncia e que as utilizavam para participarem de diversos procedimentos licitatórios como se, realmente, competissem entre si, o que demonstra, realmente, uma conduta anterior à prática do crime pelo qual condenados neste feito que denota uma maior reprovabilidade social de suas atuações, a justificar, assim, a consideração de sua culpabilidade de forma negativa. 19. Havendo, no caso, apenas uma circunstância judicial negativa na primeira fase da dosimetria penal, impõe-se a redução das penas privativas de liberdade aplicadas aos Apelantes para 2 (dois) anos e 3 (três) meses de detenção, em regime aberto, consolidada como pena definitiva em face da ausência de circunstâncias agravantes/atenuantes e/ou causas de aumento/diminuição da pena, sem, contudo, alteração da pena de multa a eles imposta, vez que já fixada em intervalo compatível e em valor adequado às suas circunstâncias financeiras. 20. Provimento, em parte, das apelações, apenas, para reduzir as penas privativas de liberdade impostas aos Apelantes na forma acima discriminada.

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