ACR – 14325/RN – 0005751-55.2013.4.05.8400

RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO -  

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE CORRUPÇÃO DE PREFEITO (ART. 1º, I, DO DECRETO-LEI Nº 201/67). VERBAS DO FNDE. REFORMA DE CRECHES INEXISTENTES. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO. COMPROVAÇÃO. CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INEXISTÊNCIA. DOSIMETRIA DA PENA. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. IMPROVIMENTO. 01. Apelações interpostas por ICAF e JOF contra sentença que, julgando procedente o pedido formulado na denúncia, condenou os réus à pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, pela prática do crime tipificado no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67. 02. De início, impende ressaltar que restou comprovado nos autos o recebimento, por parte da prefeitura de Serra de São Bento/RN, de verba oriunda do Fundo Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, em decorrência do Termo de Responsabilidade nº 866 MPAS/SEAS/2002 (cf. DOU nº 129 de 08/07/2002), assinado pelo réu ICAF (então prefeito daquela cidade - fls. 79/81do IPL), no valor total de R$ 78.399,95 (setenta e oito mil trezentos e noventa e nove reais e noventa e cinco centavos), repassado através da ordem bancária nº 2003OB2980, em parcela única, de 31/12/2003 (cf. fls. 149/150 do Apenso I, vol. 1). Após o recebimento dos recursos federais, também restou demonstrada a emissão, pela Prefeitura daquele município (conta corrente nº 10635-6, agência nº 2703-0, do Banco do Brasil), do cheque nº 85001, assinado pelo ex-prefeito (fl. 176 do IPL), em favor da empresa Juacema Construções LTDA, o qual foi descontado no caixa nº 19.752, da agência nº 2703-0, do Banco do Brasil, pelo réu JOF, representante jurídico da empresa Juacema Construções LTDA., a qual seria, supostamente, responsável pela consecução do objeto do convênio. 03. Segundo parecer técnico da SEAS/MPAS, o projeto básico de engenharia previsto no Termo de Responsabilidade consistia na reforma geral de cinco creches, a saber: 1) São Bento, no valor de R$ 15.109,53; 2) Miriam de Souza, no valor de R$ 18.476,90; 3) Dom Matias, no valor R$ 18.491,69; 4) Sítio Pamelas, no valor R$ 15.346,53; 5) Sítio Mariane, no valor R$ 12.575,29 (fls. 78 do apenso I, vol. I do IPL). Todavia, após visita in loco realizada pela Polícia Federal, os investigadores obtiveram a informação de que não havia notícia, entre os habitantes daquele local, da existência de creches naquela cidade. Por sua vez, o Sr. Welton Rodrigues Santana, ocupante do cargo de secretário de finanças da prefeitura de Serra de São Bento nas gestões posteriores, teria afirmado, categoricamente, "não haver creche municipal em Serra de São Bento e que jamais existiu naquele município estabelecimento destinado à prestação de serviço dessa natureza" (Informação nº 244/2010-NO/DREX - fl. 36 do vol. 1 do IPL em apenso), versão essa confirmada pela mesma testemunha em depoimento judicial (fl. 208 do IPL). 04. Insurgiram-se os réus, alegando que o serviço de creche era, efetivamente, fornecido pela prefeitura, porém não em sedes autônomas, mas dentro das escolas, as quais foram devidamente reformadas com os recursos recebidos. Todavia, embora a qualificação das escolas como creches, no convênio firmado com o FNDE, seja uma evidente irregularidade, não é esse o único elemento presente nos autos para comprovar a ocorrência do crime imputado. 05. Ainda na fase investigativa, o Juízo originário deferiu o afastamento do sigilo bancário da conta corrente nº 10.6356, de titularidade da empresa contratada para a execução das obras (Pedido de Quebra de Sigilo Bancário nº 000419581.2014). Conforme as informações enviadas pelo Banco do Brasil, o réu JOF, no mesmo dia da compensação do cheque emitido pelo prefeito (07/05/2004), realizou os seguintes depósitos e transferências (Ofício nº 0014.0002433/2014-I do Banco do Brasil, fls. 10/11): a) - R$ 1.000,00 (mil reais) depositados na conta corrente nº 8.136-1 da agência nº 2703-0, de titularidade de Evandro Dantas de Araújo, CPF nº 553.291.794-91; b) - R$ 1.999,94 (mil novecentos e noventa e nove reais e noventa e quatro centavos) depositados na conta corrente nº 10.921-5 da agência nº 2703-0, de titularidade de Ricardo de Santana Araújo, CPF nº 100.160.664-72; c) - R$ 2.000,00 (dois mil reais) depositados na conta corrente nº 9.662-8 da agência nº 2703-0, de titularidade de Juliana Bernardino de Sena, CPF nº 057.828.534-76; d) - R$ 30.000,00 (trinta mil reais) depositados na conta corrente nº 144.979-6 da agência nº 2878-9, de titularidade de Josefa Balbino Soares, CPF nº 230.286.294-57; e) - R$ 5.000,00 (cinco mil reais) depositados na conta corrente nº 36.355-3 da agência nº 2703-0, de titularidade de José Roberto Toscano da Silva, CPF nº 789.583.854-72; f) - 40.000,00 (quarenta mil reais) sacados em espécie pelo portador do cheque. Noutro incidente de quebra de sigilo, o Banco do Brasil informou, através do ofício nº 0014.000196-0/2015 (fls. 03/04 do Proc. nº 2014.0014.001603-9, em apenso), que a Sra. Josefa Balbino Soares, destinatária do valor de R$ 30.0000,00 (trinta mil reais - item 3), sacou integralmente, no mesmo dia (07/05/2004), da conta corrente nº 144.979-6, agência nº 2878-9, de sua titularidade, também "na boca do caixa", o valor a ela repassado. 07. Salta aos olhos a excentricidade do percurso percorrido pelo dinheiro público, desde o repasse do FNDE até os destinatários finais. Nesse sentido, basta observar que a Sra. Josefa Balbino Soares era, então, a candidata apoiada pelo réu à sucessão na chefia do Poder Executivo daquela edilidade, sendo que o destinatário do segundo depósito, no valor de R$ 1.999,94 (item 2), o Sr. Evandro Dantas de Araújo, era irmão do prefeito. Não bastasse, inexiste nos autos qualquer indicação de que esses valores tenham sido destinados à sua finalidade legal. 08. Ademais, como ressaltou a douta magistrada a quo, inúmeros outros elementos somam-se para corroborar a materialidade e autoria delitivas, a saber: a) não consta dos autos qualquer documentação relativa a realização de procedimento licitatório para a celebração do contrato administrativo, o que denota, muito provavelmente, a inexistência do certame; b) não há notícia de notas fiscais ou quaisquer comprovativos do gasto com material de qualquer das obras supostamente realizadas; c) nenhum dos secretários municipais da gestão do réu ICAF, ouvidos em juízo, souberam informar das obras, "nem sobre o construtor, funcionários, pagamentos, vistorias, enfim sobre qualquer dado que demonstrasse a concretização do objeto conveniado" (fl. 728); d) apesar de ter afirmado que cumpriu com todo o objeto do contrato, o réu  JOF, proprietário e administrador de fato da empresa Juacema Construções LTDA, constituída em nome de "laranjas" (conforme fartamente demonstrado no Relatório Fiscal da Delegacia da Receita Federal em Natal/RN, Ofício nº 331/DRF/NAT SAFIS, fls. 82/93), sequer sabia informar o nome das creches reformadas, em que local elas se encontravam, não possuía qualquer documentação (recibos ou talonários de notas fiscais) relativa a essas obras, nem aparentava possuir qualquer conhecimento técnico de engenharia (mídia digital de fl. 404). 09. Portanto, seja em razão do percurso dos valores repassados à Prefeitura, seja pela completa ausência de indícios de realização de quaisquer das obras conveniadas com recursos federais, resta evidente a ocorrência de apropriação de verbas públicas in casu, devendo-se concluir que nenhuma parcela do dinheiro público foi destinada ao benefício das crianças da cidade de Serra de São Bento, sendo, na verdade, apropriadas pelos réus, para finalidades alheias ao interesse público. 10. A autoria e o dolo também restaram devidamente comprovados nos autos. Com efeito, vê-se que o réu ICAF assinou o Termo de Responsabilidade nº 866 MPAS/SEAS/2002 (fls. 79/81do IPL), bem como o cheque nominal à empresa Juacema Construções LTDA (fl. 176 do IPL), empresa constituída, como anteriormente afirmado, em nome de "laranjas", sem a devida licitação, carecendo de verossimilhança a tese de que não tinha amplo conhecimento e controle do destino dado ao dinheiro público, mormente considerando a simplicidade do objeto conveniado, evidente conhecimento do corréu e seus supostos fornecedores e as pequenas dimensões territorial e populacional da cidade de Serra de São Bento/RN. Precedente do Pleno deste TRF5: APN 325, Rel. Des. Federal Edílson Nobre, TRF5 - Pleno, DJE: 13/06/2018. 11. Quanto ao réu JOF, é translúcido que o acusado agiu em comunhão de desígnios com o ex-prefeito, com plena consciência e livre vontade de colaborar com a apropriação da verba pública federal. Observe-se, nesse sentido, que foi ele o responsável pela transferência dos recursos para os fins de interesse do primeiro acusado, tendo constituído, para tanto, empresa em nome de terceiros, sem qualquer conhecimento técnico para a realização da obra objeto do contrato. Ademais, deve-se lembrar que, nos termos do art. 30 do CP, as circunstâncias de caráter pessoal, no concurso de pessoas, comunicam-se aos demais agentes quando elementares do crime, como no caso dos autos, tendo em vista que se trata de crime próprio, exclusivo dos prefeitos municipais (art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67), sendo possível, portanto, a subsunção da sua conduta também a esse tipo penal. 12. Destarte, comprovadas a materialidade, a autoria e demonstrado o dolo na conduta dos agentes, deve-se manter a condenação dos apelantes pela prática do crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67. 13. No tocante à dosimetria da pena, tampouco assiste razão aos recorrentes quanto à suposta nulidade da sentença por carência de fundamentação (art. 93, IX, da CF/88). Da mera leitura da sentença, percebe-se que o Juízo a quo respeitou perfeitamente o princípio da individualização da pena, fundamentando de modo suficiente a pena-base aplicada, não havendo que se falar em nulidade nesse ponto. Além disso, as sanções aplicadas obedeceram aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo estimadas em patamar necessário e suficiente para a censura de crimes desse gênero, que alcançaram dimensão sistêmica no país, satisfazendo, portanto, a finalidade preventiva geral e especial da pena. 14. Apelações improvidas.

Para ler o documento na íntegra, clique aqui!

 

Comments are closed.