ACR – 14400/SE – 0005242-52.2012.4.05.8500

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO -  

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES DA LEI DE LICITAÇÕES. DISPENSA FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS. DIRECIONAMENTO E SUPERFATURAMENTO DE PREÇOS. FRACIONAMENTO DE CERTAMES PARA BURLAR A MODALIDADE ADEQUADA. FAVORECIMENTO. PAGAMENTO ANTECIPADO DE SERVIÇOS. MALVERSAÇÃO DE VERBAS FEDERAIS. CONVÊNIOS. SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. OSCIP'S.  DELITOS PREVISTOS NOS ARTS. 89, 90 E 92, DA LEI Nº 8.666/93. IMPUTAÇÃO DO DELITO DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (ANTIGO CRIME DE QUADRILHA OU BANDO). ART. 288 DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA E MATERIALIDADE. IRREGULARIDADES APONTADAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO E CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. PROVAS NÃO CORROBORADAS EM SEDE JUDICIAL A SUSTENTAR UMA CONDENAÇÃO. CONJUNTO PROBATÓRIO. INEXISTÊNCIA DE PROVA HÁBIL E SUFICIENTE. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. ART. 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. 1. Cuida-se de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Seção Judiciária de Sergipe que, na ação penal nº 0005242-52.2012.4.05.8500, julgou improcedente os pedidos deduzidos, nos termos do art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal, absolvendo os acusados LINDBERGH GONDIM DE LUCENA, EVANDRO BARBOSA DIAS, JOSEFA MESQUITA DE SANTANA MATOS, PAULO CÉSAR REIS, GRACIANA RAMALHO DE CARVALHO, MARCÍRIO MARTINS PEREIRA, JORGE ADÃO TEIXEIRA, WINDERSON DA SILVA ARAÚJO, CARLA VALÉRIA DA SILVA RAMOS, DANIEL PIGATTO PEREIRA, WEDJA MARIA DA SILVA, JOSÉ LUIZ RODRIGUES BARROS e IRINEU MIGUEL MARIN RIGHI, das imputações de fraudes decorrentes da Concorrência nº 05/2006 (Convênio nº 203/2000FNDE/PROMED), extinguindo a punibilidade em relação ao coacusado GINALDO DOMINGOS MARTINS SANTOS, diante de seu falecimento, conforme certidão de óbito, fls. 1.106/1.107, e a previsão do art. 107, inc. I, do Código Penal. 2. Em suas razões recursais, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL argumenta que: a) os conteúdos do Procedimento Investigatório Criminal nº 1.35.000.000813/2012-71, bem como da deliberação contida no Acórdão nº 65/2014-TCUPlenário; se mostrariam suficientes a superar o fundamento, apresentado pelo douto magistrado a quo, de que não haveria provas além das relacionadas à apuração procedida pelo Tribunal de Contas da União, inclusive desprezando o entendimento de que o acórdão daquela corte de controle em tomada de contas especial teria valor probante; b) no caso, haveria evidências suficientes do que denominou "promiscuidade entres as OSCIPS, situação dolosamente desconsiderada pelos agentes públicos envolvidos nos processos licitatórios examinados"; c) seria destacada a responsabilidade de LINDBERG GONDIM DE LUCENA em chancelar os simulacros, na medida em que, mesmo diante de orçamentos superfaturados propostos sempre pelas mesmas entidades licitantes, estas eram continuamente convidadas a participar dos certames, tendo o mencionado réu sido o responsável por homologar e adjudicar os objetos contratados, em contrariedade à legislação vigente; c) a presente persecução penal seria resultante de intensas investigações empreendidas no âmbito do Ministério Público Federal, Controladoria Geral da União e Tribunal de Contas da União, estando delineada o que denominou de complexa empreitada que atuava na Secretaria de Educação do Estado de Sergipe; d) seria necessária a condenação dos acusados, num total de quinze pessoas, no crime de quadrilha, art. 288, do Código Penal (redação anterior a Lei nº 12.850/2013 - fatos ocorridos no ano de 2005), eis que todos tinham conhecimento das respectivas contribuições à prática criminosa. 3. Consoante descrito na denúncia, os acusados teriam cometido crimes relacionados a fraudes licitatórias, com escopo de se locupletarem de verbas públicas federais destinadas à educação, atos ilícitos supostamente coordenados por LINDBERGH GONDIM DE LUCENA, então Secretário de Estado da Educação no período entre os anos de 2005 e 2006, sendo tais crimes tipificados nos arts. 89, 90 e 92, caput, da Lei nº 8.666/1993, e no art. 288, do Código Penal. Ainda segundo a inicial, o grupo teria favorecido, de forma indevida, diversas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP's), mediante: a) direcionamento e superfaturamento de preços; b) fracionamento de certames para burlar a modalidade adequada; c) dispensa de licitação fora das hipóteses legais; d) pagamento antecipado de serviços, dentre outros ilícitos; sendo que, as diversas OSCIP's envolvidas nas supostas fraudes (ATNE, CGCP, ICADIS, CAPACITAR, IDS e COOPERINF), compartilhavam os mesmos representantes legais, ora compondo a direção da entidade, ora como responsáveis técnicos, ora como prestadores de serviços, ou mediante laços de parentesco, revezando-se na participação das licitações investigadas, com a anuência dos agentes públicos envolvidos, agindo em conluio. 5. Conquanto tenham sido constatadas, pelo Tribunal de Contas da União e pela Controladoria Geral da União, após análise de procedimentos licitatórios, contratos e termos de parceria, notadamente no que se refere à Concorrência nº 05/2006 (decorrente do Convênio nº 203/02-FNDE/PROJETO ALVORADA), cujo objeto era a contratação de empresa especializada para a realização de capacitação em "Prestação de Contas"; irregularidades que teriam acarretado um prejuízo de R$ 217.625,00 (duzentos e dezessete mil, seiscentos e vinte e cinco reais) - valor histórico de 27 de agosto de 2012, fls. 18 e 21 - mostrou-se correta a sentença ao concluir pela existência de dúvida quanto ao elemento subjetivo dos acusados, notadamente diante do fato de que o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL não se desincumbiu de corroborar em juízo os elementos indiciários originados dos relatórios do Tribunal de Contas da União. 6. Em verdade, quanto à primeira imputação - violação ao disposto no art. 89 da Lei 8.666/93 - sequer houve a descrição de conduta tendente a perfazer o tipo (instauração de procedimento que, de forma indevida, dispense ou reconheça a inexigibilidade de licitação). Correta, pois, a absolvição de todos os réus quanto ao ponto. 7. No que se refere à conduta relacionada ao art. 90 da Lei 8.666/93, mister se faz destacar que, para além da demonstração da fraude ou frustração de procedimento licitatório, por meio de ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, necessária a comprovação do dolo específico, consistente no intuito de obtenção, para si ou para outrem, de vantagem decorrente da adjudicação do contrato. No caso ora sob exame, além de não demonstrado o alegado conluio, não foi apresentado, durante a instrução probatória, indício mínimo de perfazimento do dolo específico, relativamente ao delito, por quaisquer dos réus. Neste tocante, cabe salientar que, como bem destacado pelo douto magistrado a quo, o Ministério Público não pugnou pela confecção de qualquer outro meio de prova na fase judicial, tendo se limitado a apresentar, como prova de suas alegações, as conclusões constantes de acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU), bem como de Relatório da Controladoria Geral da União (CGU). Dessa forma, também se mostrou acertada a absolvição dos réus neste tocante. 8. Quanto à imputação de violação à norma contida no caput do art. 92 da Lei 8.666/93, mister se faz salientar que tal tipo pressupõe esteja evidenciado o dolo (genérico), não se admitindo culpa ou dolo eventual, sendo ele dirigido ao administrador (ou ao particular, no caso da segunda figura típica) desonesto, não ao inábil. Neste contexto, se mostrou absolutamente precisa a análise realizada pelo ilustre magistrado a quo, por ocasião da sentença, ocasião em que foi afastada (tanto em relação aos agentes públicos, como no que se refere aos agentes privados) qualquer evidência de dolo, seja no que se refere ao conluio, ou à intenção de favorecer o adjudicatário. Também quanto a este ponto, merece destaque a fragilidade da denúncia (alegações genéricas) e das provas apresentadas (essencialmente acórdão do TCU e Relatório da CGU), seja no tocante às condutas atribuídas ao ex-Secretário de Educação, ao ex-Chefe da Assessoria de Planejamento da Secretaria de Educação, aos membros da Comissão de Licitação (foram unânimes em afirmar que sequer conheciam os representantes das empresas que participavam dos certames), ou ainda aos particulares. Dessa forma, cabe absolver os réus, também, desta imputação. 9. No concernente ao delito tipificado no art. 288 do Código Penal, considerada a absolvição dos réus em relação às imputações constantes dos arts. 89, 90 e 92 da Lei 8.666/93, bem como, sobretudo, não restando demonstrada a estabilidade e permanência do grupo, com o propósito de cometer crimes, impossível a condenação, também, quanto a esta figura típica. 10. À falta, nos autos, de meios probatórios hábeis a atestar terem os réus agido com consciência e vontade de praticar os atos ilícitos previsto nos arts. 89, 90 e 92 da Lei nº 8.666/1993 e art. 288 do Código Penal, forçoso concluir pela manutenção da absolvição, nos termos do disposto no inciso VII do art. 386 do CPP. 11. Apelação do Ministério Público Federal desprovida.

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