ACR – 14611/PE – 0009061-10.2015.4.05.8300

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO -  

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA, ART. 168-A, DO CÓDIGO PENAL. CRIME DE SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS, ART. 337-A, DO CÓDIGO PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, ART. 1º, INC. I, DA LEI 8.137/90, C/C ART. 71, DO CÓDIGO PENAL - CONTINUIDADE DELITIVA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS.  CONCURSO FORMAL PRÓPRIO SOMADO À CONTINUIDADE DELITIVA, ARTS. 70 E 71 DO CÓDIGO PENAL, ART. 337-A, INC. III, DO CÓDIGO PENAL E DO ART. 1º, INC. I, DA LEI 8.137/90. IMPOSSIBILIDADE. APLICÁVEL APENAS A MAJORAÇÃO REFERENTE À CONTINUIDADE DELITIVA. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. NÃO ACOLHIMENTO. DOLO CONFIGURADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. LIGEIRA READEQUAÇÃO DA PENA-BASE. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL FAVORÁVEL AOS RÉUS. ACUSADOS COM MAIS DE SETENTA ANOS À ÉPOCA DA SENTENÇA. RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA. ART. 115, C/C ART. 109, INC. IV, ART. 110, 1º §, DO CÓDIGO PENAL. DESPROVIMENTO DOS APELOS DOS RÉUS E DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 1. Cuida-se de apelações interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pelos réus LUIZ GODOI DE ACCIOLY, PAULO SARMENTO BARROCA e PAULO JOSÉ RODRIGUES DE LIMA, em face de sentença que, julgando parcialmente procedente o pedido formulado na denúncia, condenou: a) PAULO SARMENTO BARROCA e LUIZ GODOUY DE ACCIOLY à pena privativa de liberdade de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, além de 100 (cem) dias multa no valor de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática dos crimes previstos no art. 168-A, caput, e art. 337-A, III, ambos do CP, bem como no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, todos c/c o art. 71 do CP; b) PAULO JOSÉ RODRIGUES DE LIMA à pena privativa de liberdade de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial aberto, além de 70 (setenta) dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática dos crimes previstos no art. 168-A, caput, e art. 337-A, III, ambos do CP, bem como no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, todos c/c o art. 71 do CP, ficando estabelecido aos condenados, ainda, a título de reparação pelos danos causados, o pagamento da quantia mínima correspondente aos débitos fiscais inscritos contra o Hospital Geral de Paudalho LTDA em favor da UNIÃO, devidamente atualizados até a data do pagamento, valor este a ser fixado pelo juízo da execução; e absolveu o réu LUIZ MARCELO PARANHOS FERREIRA da acusação formulada pelo MPF. 2. Em suas razões recursais, o MPF pleiteia que os réus sejam condenados pelos crimes tipificados no art. 337-A c/c art. 71, ambos do CP, em concurso formal próprio com o crime previsto no art. 1º, I, da Lei 8.137/90 c/c art. 71 do CP; bem como pelos crime previsto no art. 168-A c/c art. 71, ambos do CP, em concurso material com todos os delitos anteriormente referidos. 3. Por sua vez, LUIZ GODOY DE ACCIOLY e PAULO SARMENTO BARROCA sustentam em suas razões de apelação: a) omissão na sentença, haja vista não ter sido analisada a questão relativa à suposta venda, por si, das quotaspartes da sociedade pelo valor de R$ 1,00 (um real), em razão dos passivos tributários e previdenciários do Hospital Geral de Paudalho LTDA; b) ausência de responsabilidade dos ex-sócios, pelo decurso do prazo legal, nos termos do disposto nos arts. 1.003, 1.032 e 1.146 do Código Civil; c) necessidade de extinção da culpabilidade, sob o fundamento de que o Hospital estava passando por extrema dificuldade financeira à época dos fatos; d) ausência de dolo em suas condutas; e) sobrestamento do feito para que os tributos devidos pelo Hospital Geral de Paudalho sejam garantidos e pagos na execução fiscal nº 0004520-31.2015.4.05.8300 (11ª Vara da SJPE), já que existiriam ativos suficientes para a quitação do débito; f) subsidiariamente, que lhes sejam reconhecidas atenuantes de modo que seja a pena aplicada no mínimo legal, notadamente por se tratarem de pessoas idosas e sem antecedentes. 4. Quanto a PAULO JOSÉ RODRIGUES DE LIMA, este defendeu em seu apelo: a) tempestividade do recurso interposto; b) ausência de individualização da conduta a si atribuída; c) inexistência de prova suficiente da autoria, haja vista que a mera condição de administrador ou de sucessor na administração não poderia gerar, por si só, responsabilidade penal; d) ausência de dolo ou de culpa em sua conduta; e) configuração de causa supralegal de exclusão de ilicitude; e) ausência de suporte probatório apto à edição de sentença condenatória em seu desfavor; f) subsidiariamente, a fixação da pena-base no mínimo legal. 5. Conquanto, do ponto de vista formal, os recursos tenham sido interpostos a destempo, haja vista que os acusados respondem em liberdade e os seus defensores constituídos foram intimados por publicação no Diário Oficial, cabe reconhecer a dúvida criada no processamento do feito, perante o douto juízo a quo.  É que houve, concomitantemente, a intimação via imprensa oficial e a expedição de mandado de intimação da sentença. Diante deste contexto, deve a dúvida quanto ao correto prazo para interposição do recurso ser interpretada em favor dos ora recorrentes, propiciando o recebimento e o processamento do apelo perante este Egrégio Tribunal Regional Federal, em homenagem ao princípio constitucional da ampla defesa. 6. No que se refere à materialidade delitiva, não pairam dúvidas sobre a configuração do fato típico, em face da constituição definitiva do crédito tributário, como se deflui da Representação Fiscal para Fins Penais nº 10480.727582/2011-34 (fl. 36-41, do apenso 1), em que se apurou que os acusados, responsáveis tributários pela sociedade HOSPITAL GERAL DE PAUDALHO, CNPJ 10.648.327/0001-28, deixaram de recolher contribuições previdenciárias descontadas dos empregados e a cargo da empresa (patronal e SAT), bem como não enviaram as GFIPs, reduzindo o pagamento de contribuições sociais para o INCRA, SESC, SENAC, SEBRAE e FNDE, no período de janeiro a dezembro de 2009 (competências 01/2009 a 13/2009), acarretando um prejuízo de cerca de R$ 463.751,67 (quatrocentos e sessenta e três mil, setecentos e cinquenta e um reais e sessenta e sete centavos), relativos a valores históricos de 13 de setembro de 2011. 7. Relativamente à irresignação apresentada pelo Ministério Público Federal em seu apelo, não se acolhe a pretensão de recrudescer o quantum fixado na dosimetria da pena imposta aos acusados, sob o fundamento de que não reconhecido o concurso formal entre os delitos dos arts. 337-A, III do CP e 1º, I, da Lei 8.137/90 e o concurso material entre a cadeia delitiva dos delitos de sonegação (sonegação de contribuição previdenciária em concurso formal com o delito de sonegação de contribuição social) e o crime de apropriação indébita previdenciária. Quanto ao ponto, se mostra pacífico, no âmbito desta Colenda Primeira Turma, que, aos crimes previstos no art. 337-A, inc. III, do Código Penal (sonegação de contribuições previdenciárias) e no art. 1º, inc. I, da Lei 8.137/90 (omissão informação, ou declaração falsa às autoridades fazendárias), incide apenas a majoração referente à continuidade delitiva (ACR 14522, Rel. Des. Fed. ROBERTO MACHADO, julgado em 31/01/2019, publicado no DJe em 13/02/2019). Apelo do MPF desprovido. 8. No concernente à versão dos réus de que o não recolhimento das contribuições previdenciárias no período teria se dado em face de dificuldades financeiras enfrentadas pela sociedade à época dos fatos, cabe mencionar que, além da configuração de fraude, consubstanciada na omissão de dados fiscais obrigatórios ou prestação de informações inverídicas, situação jurídica que, em princípio, afasta a tese da inexigibilidade de conduta diversa fundada em dificuldades financeiras, relativamente aos delitos de sonegação fiscal e sonegação de contribuições previdenciárias, cabe salientar que, no caso, a alegação de penúria financeira a obstar o recolhimento das obrigações tributárias ficou apenas no plano da argumentação, não tendo sido demonstrado qualquer elemento material apto a sustentar a alegação, a exemplo de demonstrativos financeiros, protestos, pedidos de falência, entre outros. 9. No que tange à alegação de inexistência de dolo e de culpabilidade nas condutas, sob o fundamente de que, o simples fato de figurarem como administradores da sociedade, não seria suficiente para imputar aos réus, automaticamente, a responsabilidade penal, mister se faz salientar que, ainda que se considere, em casos similares ao de que ora se cuida, que nem sempre quem figura nos estatutos formais da pessoa jurídica deve ser penalmente responsabilizado (a não ser que tenha contribuído efetivamente para o crime), cabe mencionar que, na espécie, restou demonstrada a efetiva e real atuação dos acusados na perpetração das condutas, não se sustentando a argumentação de ausência de dolo. 10. Com relação ao argumento dos acusados LUIZ GODOY ACCIOLY e PAULO SARMENTO BARROCA (fls. 698701), no sentido da negativa de autoria, haja vista o fato de que teriam transferido suas cotas-partes na administração da pessoa jurídica, pelo preço simbólico de R$ 1,00 (um real), em razão dos passivos tributários e trabalhistas e, também, em razão da manutenção da assistência hospitalar naquela edilidade (o que denotaria boa-fé), o fato é que, a questão relativa à transferência de patrimônio da empresa para outra sociedade, CMEP - Consultórios Médicos Especializados de Pernambuco Ltda., conforme alteração no contrato social e registro na Junta Comercial de Pernambuco, não foi apreciada pelo juízo de primeiro grau, diante do não conhecimento dos embargos de declaração opostos pelos ora apelantes. No entanto, quanto ao ponto, cabe salientar que, a mudança no quadro societário, só foi levada a efeito no órgão competente em período posterior à perpetração dos delitos, remanescendo a responsabilidade dos apelantes quanto aos crimes tributários perseguidos. Assim é que, em que pese a alegação de que "atendendo a legislação em vigor, o referido instrumento de alteração do quadro societário do Hospital Geral de Paudalho foi regularmente registrado perante a JUCEPE em 28 de janeiro de 2010, fl. 699", mister se faz salientar que, a transferência do estabelecimento, em 28 de janeiro de 2010, ainda que por valor irrisório, não os exime de responsabilidade pelos crimes cometidos, sobretudo em se considerando que tal fato se deu em momento posterior aos fatos ocorridos entre janeiro e dezembro de 2009. Ademais, não se pode deixar de mencionar que, no plano tributário, as convenções particulares, como o aludido contrato de transferência de cotas sociais à nova sociedade, não sujeitam o Fisco, conforme a dicção do art. 123 do Código Tributário Nacional. 11. No que diz respeito ao pedido de sobrestamento da execução fiscal 0004520-31.2015.4.05.8300, este se trata de questão afeta ao juízo onde é ela processada. 12. Quanto à dosimetria da pena, inviável considerar, para efeito de fixação da pena-base, em desfavor do réu, a circunstância judicial relativa ao comportamento da vítima. No tocante a este tema, deve ser mantida, tão somente, a circunstância judicial relacionada às consequências do crime, de modo a ser a pena-base fixada em 2 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão, não em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. No que se refere à segunda fase, inexistindo circunstâncias atenuantes ou agravantes, cabe a manutenção da incidência da causa de aumento no patamar de 2/3 (dois terços) para os acusados PAULO SARMENTO BARROCA e LUIZ GODOY DE ACCIOLY (competências de 01/2009 a 10/2009), chegando-se a uma pena final de 3 (três) anos e 9 (nove) meses; e de 1/4 (um quarto) para o réu PAULO JOSÉ RODRIGUES DE LIMA (competências de 10/2009 a 13/2009), resultando em uma pena final de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão, com fixação do regime aberto para todos os acusados, nos termos do disposto no art. 33, § 2º, alíneas "a" e "b", do Código Penal. 13. Não sendo PAULO SARMENTO BARROCA e LUIZ GODOY DE ACCIOLY reincidentes em crime doloso, cabe, também em relação a eles, a substituição da pena privativa de liberdade aplicada por duas restritivas de direito (art. 44, § 2º do CP), mediante atribuição de tarefas gratuitas, as quais respeitem as suas aptidões, e que serão cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação (art. 46, § 3º do CP), nos termos do que vier a ser fixado pelo juízo da execução, de modo que a pena restritiva de direitos tenha a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída (art. 55 do CP), sendo a segunda pena substitutiva, de prestação pecuniária, idêntica à aplicada ao réu PAULO JOSÉ RODRIGUES DE LIMA, consistente na obrigação mensal de depositar em conta aberta pela 36ª Vara Federal, o valor mensal de R$ 100,00 (cem reais), durante todo o período de duração da pena substituída, sem prejuízo do pagamento da pena principal de multa. 14. Por fim, considerando que os réus LUIZ GODOY ACCIOLY, nascido em 20 de maio de 1938 e PAULO SARMENTO BARROCA, em 14 de outubro de 1939, à data da sentença, em 12 de agosto de 2016 (f. 476), contavam com 78 e 77 anos de idade, respectivamente, deve ser aplicada, em face deles, a extinção da punibilidade pelo reconhecimento da prescrição retroativa, nos termos do art. 15, c/c art. 109, inc. IV, art. 110, 1º §, do Código Penal, haja vista o desprovimento do apelo do Órgão Ministerial. 15. Neste concernente, cabe destacar que os fatos discutidos, ocorridos entre janeiro e dezembro de 2009, são anteriores à Lei 12.234/10, de modo que, contado do mencionado termo, até a data do recebimento da denúncia, em 19 de outubro de 2015 (fl. 09v), transcorreram 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses. Enquanto isso, foi-lhes aplicada a pena (não considerado o aumento decorrente da continuidade delitiva) de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão, de modo que se tem como superado o prazo prescricional previsto no art. 109, inc. IV, do Código Penal (de 8 - oito - anos) reduzido pela metade (4 - quatro - anos), restando configurada, em relação aos mencionados réus, a prescrição retroativa (art. 115 CP) da pena de reclusão e da pena de multa, nos termos do art. 114, inc. II, do Código Penal. 16. Apelações desprovidas. Concessão de habeas corpus, de ofício, para se reconhecer a extinção da punibilidade, pela prescrição retroativa, em relação aos acusados LUIZ GODOY ACCIOLY e PAULO SARMENTO BARROCA, mantendo-se a parte dispositiva da sentença em relação às penas aplicadas a PAULO JOSÉ RODRIGUES DE LIMA.

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