ACR – 14872/RN – 0000480-24.2011.4.05.8404

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO -  

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DAS DEFESAS. PLEITO DE QUE TODOS OS RÉUS FOSSEM CONDENADOS. AUSÊNCIA DE PROVA SUFICIENTE. IN DUBIO PRO REO. REQUERIMENTO DE AUMENTO DAS PENAS. DOSIMETRIA. READEQUAÇÃO. PENAS FIXADAS EM PATAMAR INFERIOR A 04 ANOS. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. 1. Trata-se de apelações interpostas pela defesa de GERBERT, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pela defesa de FRANCISCO, pela defesa JOSÉ JACKSON, pela defesa de JOSÉ AROLDO, pela defesa de ANTÔNIO, todas em face de sentença proferida pelo juízo da 12ª Vara Federal do Rio Grande do Norte. 2. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu denúncia contra BENVENUTO, MARIA DAS GRAÇAS, MARIA SONIA, ANTÔNIO, GERBERT, THATIANA, BRENNA, JOSÉ AROLDO, JOSÉ JACKSON e FRANCISCO, imputando-lhes a prática dos crimes definidos no art. 1º, I, do Decreto-lei 201/67, no art. 89 da Lei 8.666/93 e no art. 299, c/c 29 e 61, II, b, esses últimos do CPB, com esteio nos fatos e fundamentos que elenca na exordial (fls. 03/19). 3. Para tanto, aduziu, o MPF, resumidamente, que: 1) Nos exercícios financeiros de 2002 e 2003, durante a gestão do ex-prefeito GENILDO, o Município de Severiano Melo-RN teria desviado e aplicado indevidamente verbas públicas federais (art. 1º, I, do Decreto-lei n. 201/67) decorrentes do Contrato de Repasse 0150604-58 e dos Convênios 1332/2002 e 668/2002, celebrados com o Ministério das Cidades, por intermédio da Caixa Econômica Federal, com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e com o Ministério da Integração Nacional, respectivamente. 2) Segundo o órgão acusador, para legitimar o desvio da verba pública federal, a edilidade teria montado os processos licitatórios Cartas Convite 017/2003, 020/2003 e 022/2003 com a chancela da Comissão Permanente de Licitação, conferindo aparência de legalidade à fraude perpetrada (art. 89 da Lei 8.666/93). 3) Sustentou, ainda, que o tesoureiro FRANCISCO, mediante uso de documentação ideologicamente falsa (art. 299 do CPB), desviara recursos públicos federais em favor de JOSÉ AROLDO, JOSÉ JACKSON e GERBERT. 4. Assim, diante do panorama descortinado, o MPF ofertou peça acusatória imputando aos denunciados a prática dos delitos previstos no art. 1º, I, do Decreto-lei 201/67, no art. 89 da Lei 8.666/93 e no art. 299, c/c 29 e 61, II, b, estes últimos do CPB. 5. Após a merecida instrução processual penal, o juízo, mediante sentença, arrematou no sentido de: 1) ABSOLVER os acusados BENVENUTO MELO HOLANDA NETO, MARIA DAS GRAÇAS MELO FREITAS, MARIA SONIA GOMES HOLANDA MELO, ANTÔNIO CARNEIRO FILHO, GERBERT RODRIGUES SOARES, THATIANA MONIQUE OLIVEIRA QUEIROGA DE MORAIS, BRENNA MICHELLE OLIVEIRA QUEIROGA DE MORAIS, JOSÉ AROLDO QUEIROGA DE MORAIS, JOSÉ JACKSON QUEIROGA DE MORAIS e FRANCISCO XAVIER FERREIRA, no tocante ao crime do art. 299 do Código Penal, por não constituir a conduta imputada infração penal autônoma (em face de considerar crime-meio em relação ao crime-fim, qual seja, o previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei m. 201/67); 2) ABSOLVER os réus BENVENUTO MELO HOLANDA NETO, MARIA DAS GRAÇAS MELO FREITAS, MARIA SONIA GOMES HOLANDA MELO, ANTÔNIO CARNEIRO FILHO, GERBERT RODRIGUES SOARES, THATIANA MONIQUE OLIVEIRA QUEIROGA DE MORAIS, BRENNA MICHELLE OLIVEIRA QUEIROGA DE MORAIS, JOSÉ AROLDO QUEIROGA DE MORAIS, JOSÉ JACKSON QUEIROGA DE MORAIS e FRANCISCO XAVIER FERREIRA pela prática do crime previsto no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67 no que concerne ao Contrato de Repasse 0150604-58. 3) ABSOLVER os réus BENVENUTO MELO HOLANDA NETO, MARIA DAS GRAÇAS MELO FREITAS, MARIA SONIA GOMES HOLANDA MELO, ANTÔNIO CARNEIRO FILHO, THATIANA MONIQUE OLIVEIRA QUEIROGA DE MORAIS e BRENNA MICHELLE OLIVEIRA QUEIROGA DE MORAIS pela prática do crime previsto no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67 no que concerne ao Convênio 1332/2002. 4) CONDENAR os réus GERBERT RODRIGUES SOARES, JOSÉ AROLDO QUEIROGA DE MORAIS, JOSÉ JACKSON QUEIROGA DE MORAIS e FRANCISCO XAVIER FERREIRA pela prática do crime previsto no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67 no que concerne ao Convênio 1332/2002.  5) ABSOLVER os réus BENVENUTO MELO HOLANDA NETO, MARIA DAS GRAÇAS MELO FREITAS, MARIA SONIA GOMES HOLANDA MELO, GERBERT RODRIGUES SOARES, THATIANA MONIQUE OLIVEIRA QUEIROGA DE MORAIS, BRENNA MICHELLE OLIVEIRA QUEIROGA DE MORAIS, réus JOSÉ AROLDO QUEIROGA DE MORAIS e JOSÉ JACKSON QUEIROGA DE MORAIS   pela prática do crime previsto no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67 no que concerne ao Convênio nº 668/2002.  6) CONDENAR os réus ANTÔNIO CARNEIRO FILHO e FRANCISCO XAVIER FERREIRA pela prática do crime previsto no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67 no que concerne ao Convênio 668/2002. 6. Em suma, portanto, foram condenados: 1) GERBERT (04 anos e 08 meses), JOSÉ AROLDO (03 anos e 10 meses), JOSÉ JACKSON (05 anos) e FRANCISCO (03 anos) pela prática do crime previsto no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67 no que concerne ao Convênio 1332/2002. 2) ANTÔNIO e FRANCISCO (03 anos e 10 meses) pela prática do crime previsto no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67 no que concerne ao Convênio 668/2002. 7. Irresignada, a defesa de GERBERT apresentou apelação. Na ocasião, sustentou, em resumo, que: 1) a sentença deveria ser anulada em face da ausência de fundamentação para condenar o apelante pelo crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei 201/67; 2) o apelante não poderia ter sido condenado pelo aludido crime em virtude de não exercer cargo de prefeito ou vereador; 3) em caso de manutenção da condenação, a pena deveria ser reduzida em virtude da inexistência de agravante, causa de aumento de pena e em face de o apelante não possuir maus antecedentes; 4) o valor dano ocasionado deveria ser reduzido para o valor de R$ 11.264,00, montante do cheque recebido por ele; 5) fosse acatada a prescrição retroativa; 6) fosse concedida o benefício da gratuidade da Justiça. 8. Também insatisfeita com o decreto, o MPF apresentou apelo. Na oportunidade, sustentou que: 1) todos os réus deveriam ser condenados pelo cometimento do crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei 201/67; 2) a dosimetria fosse reavaliada, especificamente no que toca às circunstâncias judiciais, isto levando em conta o complexo esquema criminoso engendrado para o cometimento dos delitos para elevar as penas dos réus originariamente condenados. 9. No compasso, a defesa de FRANCISCO também intentou recurso, mediante o qual aduziu, em resumo, que: 1) a denúncia teria sido genérica, deixando de descrever com exatidão a conduta imputada ao apelante, logo, seria também inepta; 2) inexistiriam provas suficientes de participação do apelante no delito a si imputado, devendo, pois, ser absolvido em face do in dubio pro reo; e 3) não teria havido comprovação de dano decorrente do cometimento do art. 89 da Lei de Licitações, o que impediria a condenação. 10. Também contrariada, a defesa de JOSÉ JACKSON apresentou apelo. Na aludida peça, articulou que: 1) a Justiça Federal seria absolutamente incompetente para processar a julgar o feito, na medida em que a verba pública oriunda da União havia sido transferida e incorporada ao patrimônio municipal; 2) não haveria provas de que o apelante teria praticado o delito a si imputado, motivo pelo qual deveria ser absolvido em face da máxima in dubio pro reo; 3) no caso de manutenção da condenação, pugnou pela redução da pena para o mínimo legal em razão da ausência de fundamentação para o juízo ter aplicado 05 anos. 11. Por fim, a defesa de ANTÔNIO também interpôs apelação, a qual, entretanto, conforme se infere da certidão de fls. 1384, fora intempestiva. Na peça, sustentou, resumidamente, que: 1) inexistiriam provas suficientes para a condenação; 2) a pena deveria ser fixada no mínimo. 12. APELAÇÃO DO MPF 13. Da tese de que todos os réus deveriam ser condenados pelo cometimento do crime previsto no art. 1º, I, do Decretolei 201/67. 14. Após a análise de cada um dos certames e respectivos repasses, o juízo entendeu insuficientes provas para condenar todos os acusados, nos termos acima justificados, fazendo valer a máxima in dubio pro reo. 15. Do argumento de que a dosimetria deveria ser reavaliada, especificamente no que toca às circunstâncias judiciais, isto levando em conta o complexo esquema criminoso engendrado para o cometimento dos delitos para elevar as penas dos réus originariamente condenados. 16. O MPF requer, de maneira genérica e sem fundamentação, que as penas cominadas aos acusados que foram condenados seja majorada.O pedido, entretanto, não procede. 17. Sobre a dosimetria, as merecidas linhas serão analisadas ao final, mas desde logo se infere que as penas não serão aumentadas, senão reduzidas pelos fundamentos adiante expostos. 18. Portanto e por ora, tem-se que as penas a serem consideradas como definitivas são as de: 1) GERBERT: 04 anos e 08 meses de reclusão. 2) JOSÉ AROLDO: 03 anos e 10 meses de reclusão. 3) JOSÉ JACKSON: 05 anos de reclusão. 4) FRANCISCO: 03 anos de reclusão. 19. DA PRESCRIÇÃO 20. Por ser matéria de ordem pública, imperioso registrar que, partindo das penalidades definitivas - que não podem mais sofrer aumento em face de o recurso da acusação já ter sido considerado improvido -, ocorreu a prescrição em relação a algumas condenações, senão vejamos: 1) As condutas delituosas remontam aos idos de 2003. 2) A denúncia foi recebida em 21/11/2013. 3) Entre o termo inicial e o final de contagem da prescrição, transcorreu lapso de 10 anos. 4) Prescreveram, portanto, todas as penas que não excederam a 04 anos (art. 109, IV, do CPB), quais sejam: a de JOSÉ AROLDO (03 anos e 10 meses de reclusão) e a de FRANCISCO (03 anos de reclusão). 21. Desse modo, doravante, teremos como objeto de análise apenas os recursos dos réus que não tiveram extintas as penalidades:1)  GERBERT: 04 anos e 08 meses de reclusão. 2) JOSÉ JACKSON: 05 anos de reclusão. 22. Quanto aos demais apelos - apresentados por JOSÉ AROLDO e FRANCISCO -, em face da declaração da extinção da puninilidade em virtude do advento da prescrição, é fato que perderam uma das condições da ação, qual seja, o interesse de agir, especificamente no que toca ao binômio interesse-necessidade. 23. DO APELO APRESENTADO PELA DEFESA DE GERBERT 24. Da tese de que a sentença deveria ser anulada em face da ausência de fundamentação para condenar o apelante pelo crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei 201/67. 25. Sem maiores delongas, para afastar a tese, basta voltar os olhos a trechos da sentença (transcritos no voto) onde, de maneira fundamentada e alinhavada nas provas, o juízo demonstra a contundência da materialidade e autoria delitivas em relação a GERBERT - e também em relação a JOSÉ JACKSON, o que registramos desde logo para, quando da análise do recurso deste (JOSÉ JACKSON), não incidirmos em enfadonha repetição. Como se infere do panorama jurídico e factual, bem como das provas citada e que serviram de fundamento à condenação, ocorreu o seguinte: 1) Em relação ao Convênio 1332/2002, houve a demonstração de que os valores direcionados pela União para a execução de seu objeto foram desviados, isto no montante de R$ 82.244,23, de forma que apenas 26% foram empregados da maneira merecida, o que torna evidente a materialidade delitiva do crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei n. 201/67. 2) Para realizar a aludida conduta, houve fraude na licitação, de sorte a "direcionarem" o certame para que a empresa "vencedora" fosse a RIO POTENGI CONSTRUÇÕES LTDA., que tinha por procurador justamente GERBERT. 3) Na cadência, GERBERT emitiu vários documentos falsos (recibos, notas fiscais, etc.) para encobrir o desvio dos valores, restando constatado que parte deles foram pagos, em verdade, a JOSÉ JACKSON, que era o responsável técnico e engenheiro de outra empresa envolvida no conluio, qual seja, a QUEIROGA DE MORAIS LTDA. 4) Além disso, outra parte dos valores foram pagos ao próprio GERBERT, demonstrando, de forma evidente, que tanto ele quanto JACKSON, mediante fraudes e uso de documentos falsos, desviaram, em proveito próprio, verbas da União. Logo, não há que se falar em ausência de provas, quiçá de fundamentação apta à condenação. 26. Do argumento de que o apelante não poderia ter sido condenado pelo aludido crime em virtude de não exercer cargo de prefeito ou vereador. 27. Quanto ao argumento, já restou suficientemente afastado pela sentença, inclusive por trecho acima negritado. Em suma, como se sabe, os crimes funcionais podem ser atribuídos a terceiros estranhos à Administração Pública, desde que estes atuem em conluio com funcionários públicos, tendo pleno conhecimento de tal condição, como fora exatamente o caso dos autos, desmerecendo a tese maior consideração. 28. Do pleito de que, em caso de manutenção da condenação, a pena seja reduzida em virtude da inexistência de agravante, causa de aumento de pena e em face de o apelante não possuir maus antecedentes. 29. Sobre a dosimetria, de fato, cabível algumas considerações. Antes, todavia, vejamos como o magistrado originariamente pontuou: III.1 - PENA DE GERBERT RODRIGUES SOARES. Em relação ao CRIME DO ART. 1º, INCISO I, DO DECRETO-LEI 201/67: a) a culpabilidade do réu consubstancia reprovabilidade social grave, tendo em vista que o crime praticado reflete o menoscabo com a coisa pública, ao agir de forma decisiva para o desvio da quase totalidade dos recursos do convênio, através da emissão de diversos documentos falsos em nome da empresa RIO POTENGI CONSTRUÇÕES LTDA (faturas, recibos, etc.), inclusive medição final de serviços não executados, o que demonstra que a concretização do desvio envolveu a falsificação de vários documentos que pode ser utilizada como circunstância judicial negativa. Com efeito, embora não constitua infração penal autônoma, os crimes de fraude à licitação mediante conluio com demais réus servem como critério de majoração de pena do imputado; b) Quanto aos antecedentes, não há nos autos registro de anterior condenação definitiva por fato delituoso que venha desfavorecer essa circunstância; c) poucos elementos foram coletados a respeito da conduta social, razão pela qual deixo de valorá-la; d) não existem nos autos elementos suficientes à aferição da personalidade do agente, portanto deixo de valorá-la; e) O motivo do crime é ínsito ao tipo penal; f) as circunstâncias do crime são inerentes à espécie; g) as consequências do delito são graves, tendo em vista que dos R$ 106.000,00 (cento e seis mil) recebidos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, pelo Município de Severiano Melo/RN, apenas cerca de 26,08% foi empregado na obra da construção do centro de múltiplo uso, privando a população local do uso de uma importante obra para a comunidade, dano que não foi reparado pelos réus; h) o comportamento da vítima em nada contribui para a prática delitiva, mesmo porque se trata de crime que afronta interesses difusos, razão pela qual tal circunstância judicial é neutra, não servindo para prejudicar ou favorecer o réu. Com lastro nas circunstâncias judiciais analisadas, fixo a pena-base do crime previsto no art. 1º, inciso I, do Decreto-lei 201/67 em 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, enquanto necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Na ausência de atenuantes e agravantes, bem como de causas de aumento e de diminuição de pena, torno CONCRETA E DEFINITIVA a pena de 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Código Penal, e em observância às circunstâncias judiciais definidas no art. 59, caput, do Estatuto Repressivo, e em estabelecimento penal a ser definido pelo Juízo das Execuções Penais. 30. Com a devida vênia, verificamos que, quando da análise atinente à culpabilidade, esta deve mesmo ser sopesada negativamente. Todavia, não em grau tão intenso quanto o pavimentado pelo magistrado e justifico: 1) Em primeiro passo, o juízo considerou o "menoscabo" causado pela conduta à coisa pública o que, a nosso ver, é evento inerente ao  tipo. 2) Em segundo passo, sopeso a falsificação de documentos para "dosar" o grau da culpabilidade, fato que, m nosso entender, deve ser considerado como circunstâncias do crime. 3) Em terceiro e derradeiro passo - e ai sim, concordamos -, sopesou o montante elevado que fora objeto do desvio, fato este que, no nosso entender, deve ser abarcado para considerar a culpabilidade, de fato, negativa. 31. Na cadência, entendemos que as consequências do crime não mereceram destaque, já que, embora tenha havido, de certa forma, prejuízo social com a não construção do que era proposto, fato é que a ausência não se compara, por exemplo, ao não fornecimento de merenda, de vacinas, de medicamentos, sendo estes sim imprescindíveis, inclusive ao manejo social, à dignidade e à vida da população desfalcada. 32. Por fim, como já sinalado, entendemos que as circunstâncias do cometimento do delito devem ser consideradas negativas em virtude de o esquema ter se utilizado de crime-meio (falsificação documental) para atingir o crime-fim (desvio de verbas públicas). 33. Feitas essas pontuações e levando em conta os graus de juízo negativo ora fundamentado - este em relação à culpabilidade e circunstâncias do ilícito -, entendemos como justa, proporcional e razoável, aplicar a GERBERT pela de 03 anos de reclusão. 34. Tendo em conta a nova penalidade - 03 anos -, trazemos à baila as considerações e cálculos já feitos quando da análise da prescrição, inferindo que, nesta toada, deve ser declarada extinta a punibilidade também em relação a tal apelante. 35. DO APELO APRESENTADO PELA DEFESA DE JOSÉ JACKSON 36. Da tese de que Justiça Federal seria absolutamente incompetente para processar a julgar o feito, na medida em que a verba pública oriunda da União havia sido transferida e incorporada ao patrimônio municipal. 37. Imperioso enfrentar, antes dos demais pilares do recurso, a questão atinente à competência do juízo federal no processo e julgamento do presente caso. 38. Sustenta, o apelante, que os recursos públicos recebidos pelo município, no momento em que passaram a integrar as contas da municipalidade, não mais justificariam a competência da Justiça Federal por não se revelar interesse da União. 39. De fato, há entendimento esposado pelo STF (HC n.º 90.147-3/GO) no sentido de que, no caso de convênio celebrado entre a União e Município, caso os recursos ingressem nos cofres deste, o fato de existir controle por parte de órgãos da União e do TCU, por si só, não atrai a competência para a Justiça Federal. 40. Dito isso, diga-se mais: sobre a competência da Justiça Federal em relação a convênio celebrado entre a União e Municípios, tem-se visto duas situações bastante distintas, cuja compreensão é imprescindível para a correta fixação da competência. 41. Num primeiro caso, vislumbra-se determinado convênio celebrado entre a União e o Município, de modo que ambos, cada qual com sua parcela de recursos e contrapartidas mútuas, somem engenhos e valores para atingir a finalidade. 42. Nessa hipótese, sendo evidente que a União contribui com verbas de natureza federal - as quais não perdem, em momento algum, tal atributo, qual seja, de recursos federais e não municipais -  clara é a competência da Justiça Federal, por ser evidente o interesse da aludida pessoa jurídica de direito público no deslinde da demanda. 43. Antevendo justamente essa primeira hipótese de convênio, o STJ insculpiu a súmula n.º 208, com a seguinte redação: Competência - Processo e Julgamento - Prefeito - Desvio de Verba - Prestação de Contas Perante Órgão Federal. Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal. 44. Situação diversa, todavia, observa-se quando existe convênio celebrado entre a União e o Município onde não há comunhão de esforços e contrapartidas, mas tão somente a entrega de valores por parte da União à municipalidade para que esta dê o destino devido. 45. Nesse segundo caso, no momento em que as verbas oriundas da União ingressam nos cofres do Município, é certo que perdem a natureza de recursos federais, daí porque falece a Justiça Federal de competência para o feito, sendo esta da Justiça Estadual. 46. E foi justamente diante dessa segunda hipótese de convênio que o STJ editou a súmula n.º 209, nos seguintes termos: Competência - Processo e Julgamento - Prefeito - Desvio de Verba Transferida e Incorporada ao Patrimônio Municipal Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal. 47. Traçadas as distinções entre os dois tipos de convênios, voltemos ao caso dos autos para vislumbrar, sem maiores dificuldades, que estamos diante do primeiro exemplo: no caso, a União e o Município, com recursos próprios e contrapartidas mútuas, assumiram a execução do encargo, conforme se infere dos documentos relativos ao convênio e ao contrato (fls. 05, volume 1, apenso I; e fls. 219/225, volume 3, apenso III; respectivamente). 48. Dessa constatação, chega-se a outra: os recursos oriundos da União não perderam a natureza de verbas federais, donde se infere o evidente interesse daquela na causa, fixando a competência da Justiça Federal. 49. Resumidamente, as verbas oriundas da União não ingressaram nos cofres da Municipalidade, como defendeu o apelante. Ao reverso, somaram-se às verbas municipais, evento que justifica a competência da Justiça Federal sobre o feito. 50. Da tese de que não haveria provas de que o apelante teria praticado o delito a si imputado, motivo pelo qual deveria ser absolvido em face da máxima in dubio pro reo. 51. Sobre as provas em relação a JOSÉ JACKSON, a questão já foi tratada e afastada no item acima, especificamente quando da análise das provas de materialidade e autoria delitivas em relação a GERBERT, sendo desnecessária a repetição dos trechos e fundamentos da sentença já repisados e reforçados neste ato. 52. Do argumento de que, no caso de manutenção da condenação, a pena deveria ser reduzida para o mínimo legal em razão da ausência de fundamentação para o juízo ter aplicado 05 anos de reclusão. Novamente registramos: sobre a dosimetria, cabível algumas considerações. Vejamos como o magistrado originariamente pontuou: (...) III.3 - PENA DE JOSÉ JACKSON QUEIROGA DE MORAIS.            Em relação ao CRIME DO ART. 1º, INCISO I, DO DECRETO-LEI 201/67: a) a culpabilidade do réu consubstancia reprovabilidade social grave, uma vez que, na qualidade de engenheiro da empresa QUEIROGA DE MORAIS LTDA, que não havia logrado êxito no certame supostamente realizado com tal finalidade, recebeu verba pública federal do Convênio nº 1332/2002 que deveria ser destinada à empresa RIO POTENGI CONSTRUÇÕES LTDA., se beneficiando diretamente do crime de desvio de verba pública quando do percebimento de verba pública, além da empresa ter participado de licitação fraudulenta, sendo esta usada como instrumento para encobrir o crime de desvio. Os elementos dos autos evidenciam que o réu teve participação ativa e consciente em pelo menos duas licitações fraudulentas e que esteve diretamente conluiado com os demais réus, o que envolveu falsificação de diversos documentos do certame; b) Quanto aos antecedentes, não há nos autos registro de anterior condenação definitiva por fato delituoso que venha desfavorecer essa circunstância, a despeito de existir nesse juízo inúmeras demandas criminais e de improbidade contra o réu; c) poucos elementos foram coletados a respeito da conduta social, razão pela qual deixo de valorá-la; d) não existem nos autos elementos suficientes à aferição da personalidade do agente, portanto deixo de valorá-la; e) O motivo do crime é ínsito ao tipo penal; f) as circunstâncias do crime são inerentes à espécie; g) as consequências do delito são graves, tendo em vista que dos R$ 106.000,00 (cento e seis mil) recebidos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, apenas 26,08% foi empregado na obra da construção do centro de múltiplo uso, tendo o réu, na qualidade engenheiro da empresa participante e não vencedora do suposto certame recebido a parcela significativa do valor desviado, o que restou devidamente demonstrado através da falsificação do cheque 850004 ; h) o comportamento da vítima em nada contribui para a prática delitiva, mesmo porque se trata de crime que afronta interesses difusos, razão pela qual tal circunstância judicial é neutra, não servindo para prejudicar ou favorecer o réu. Com lastro nas circunstâncias judiciais analisadas, fixo a pena-base do crime previsto no art. 1º, inciso I, do Decreto-lei 201/67 em 05 (cinco) anos de reclusão, enquanto necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Na ausência de atenuantes e agravantes, bem como de causas de aumento e de diminuição de pena, torno CONCRETA E DEFINITIVA a pena de 05 (cinco) anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Código Penal, e em observância às circunstâncias judiciais definidas no art. 59, caput, do Estatuto Repressivo, e em estabelecimento penal a ser definido pelo Juízo das Execuções Penais. 53. No mesmo alinhavar tecido em relação a GERBERT, novamente pedimos vênia para registrar que, quando da análise atinente à culpabilidade, esta deve mesmo ser sopesada negativamente. Todavia, não em grau tão intenso quanto o pavimentado pelo magistrado e justifico: 1) Em primeiro passo, o juízo considerou o cometimento, por parte do réu, de crime contra a licitação para chegar ao crime de desvio de verba pública, evento que, a nosso ver, deve ser considerado como circunstâncias de cometimento do ilícito. 2) No mais, entendemos mesmo que a culpabilidade do réu fora mais intensa, por exemplo, que a de GERBERT em virtude de ter atuado na condição de engenheiro, cujas condutas foram cruciais para o deslinde do esquema, nos demais moldes tratados pelo juízo. 54. Na cadência, entendemos que as consequências do crime não mereceram destaque, já que, embora tenha havido, de certa forma, prejuízo social com a não construção do que era proposto, fato é que a ausência não se compara, por exemplo, ao não fornecimento de merenda, de vacinas, de medicamentos, sendo estes sim imprescindíveis, inclusive ao manejo social, à dignidade e à vida da população desfalcada. 55. Por fim, como já sinalado, entendemos que as circunstâncias do cometimento do delito devem ser consideradas negativas em virtude de o esquema ter se utilizado de crime-meio (fraude licitatória) para atingir o crime-fim (desvio de verbas públicas). 56. Feitas essas pontuações e levando em conta os graus de juízo negativo ora fundamentado - este em relação à culpabilidade maior de JACKSON e circunstâncias do ilícito -, entendemos como justa, proporcional e razoável, aplicar a tal apelante pela de 03 anos e 06 meses que, da mesma forma que a aplicada a GERBERT, restou prescrita. 57. Em suma, as penas fixadas de GERBERT e JOSÉ JACKSON também foram fulminadas pela prescrição. 58. Apelação do MPF improvida. 59. Declaração de prescrição em relação a ANTÔNIO, JOSÉ AROLDO, GERBERT e JOSÉ JACKSON.

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