ACR – 15189/RN – 0004978-10.2013.4.05.8400

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO -  

DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS DO MPF E DOS RÉUS. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. APLICAÇÃO DE PENAS ATÉ 04 (QUATRO) ANOS DE RECLUSÃO. TRANSCURSO DE MAIS DE 08 (OITO) ANOS ENTRE A DATA DOS FATOS DELITUOSOS E A DATA DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DOS RÉUS QUANTO AO CRIME DE APROPRIAÇÃO E DESVIO DE BENS E RENDAS PÚBLICAS. ART. 1.º, I, DO DECRETO-LEI Nº 201/67. SUPRESSÃO DE DOCUMENTOS PÚBLICOS. ART. 305, DO CÓDIGO PENAL. CONVÊNIOS Nº 130/2002 e 164/2002, CELEBRADO ENTRE O MUNICÍPIO DE BENTO FERNANDES/RN E A UNIÃO, POR INTERMÉDIO DA SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEVIDAMENTE COMPROVADOS. REDUÇÃO DA PENA APLICADA AO ACUSADO EX-PREFEITO. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO QUANTO AO CRIME DE SUPRESSÃO DE DOCUMENTOS PÚBLICOS. 1. Cuida-se de apelações interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por JOSÉ ROBENILSON FERREIRA ex-prefeito do Município de Bento Fernandes/RN entre 2001 a 2004 e de 2005 a 2008, por JOSÉ LEONARDO PEREIRA DO NASCIMENTO, sócio da empresa NARD COMERCIAL e SERVIÇOS e por JAIME FERREIRA DE ANDRADE NETO, ex-tesoureiro municipal, em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na denúncia para o fim de: a) absolver JOSÉ LEONARDO PEREIRA DO NASCIMENTO e JAIME FERREIRA DE ANDRADE NETO da prática do crime previsto no art. 305, do Código Penal, nos termos do art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal; b) condenar todos pela prática do crime previsto no art. 1º, inciso I, do DecretoLei nº 201/67; c) condenar JOSÉ ROBENILSON FERREIRA, ainda, pela pratica do delito tipificado no art. 305,  do Código Penal (supressão de documentos), sendo-lhes aplicadas as seguintes penas: I - JOSÉ ROBENILSON FERREIRA: a) em relação ao crime do art. 1º, inc. I, do Decreto-Lei nº 201/67 (por duas vezes), 07 (sete) anos, 09 (nove) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e perda do cargo e inabilitação, pelo prazo de 05 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, de acordo com o art. 1º, § 2º, do Decreto-Lei nº 201/67; b) no tocante ao crime previsto no art. 305, do Código Penal, 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 141 (cento e quarenta e um) dias-multa, à razão de 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente à época dos fatos, totalizando a pena corporal, concreta e definitiva em 10 (dez) anos, 03 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, com aplicação do sistema do cúmulo material, art. 69 do Código Penal, em regime inicial fechado; II - JAIME FERREIRA DE ANDRADE NETO, em relação ao crime previsto no art. 1º, inc. I, do Decreto-Lei nº 201/67 (por duas vezes), 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão em regime inicialmente aberto e perda do cargo e inabilitação, pelo prazo de 05 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, de acordo com o art. 1º, § 2º, do Decreto-Lei nº 201/67, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito: a) prestação de serviços a entidade filantrópica; b) prestação pecuniária a ser definida no juízo da execução; III - JOSÉ LEONARDO PEREIRA DO NASCIMENTO, em relação ao crime do art. 1º, inc. I, do Decreto-Lei nº 201/67 (uma vez), 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão em regime inicialmente aberto e perda do cargo e inabilitação, pelo prazo de 05 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, de acordo com o art. 1º, § 2º, do Decreto-Lei nº 201/67, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito: a) prestação de serviços a entidade filantrópica; b) prestação pecuniária a ser definida no juízo da execução. Ademais, tem-se que a sentença condenatória fixou - a título de valor mínimo de reparação do dano, como previsto no art. 387, inc. IV, do Código de Processo Penal - a soma do valores repassados ao Município em razão dos convênios avençados, R$ 30.000,00 (trinta mil reais) relativos ao Convênio nº 130/02 e R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) relativos ao Convênio nº 164/02, deduzida a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) utilizada na aquisição dos aparelhos de radiocomunicação junto à empresa do coacusado JOSÉ LEONARDO PEREIRA DO NASCIMENTO, chegando-se ao montante final de R$ 210.000,00 (duzentos e dez mil reais). 2. Da atenta leitura da inicial, observa-se que, após extensa narrativa, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, de uma série de irregularidades no âmbito da administração municipal de Bento Fernandes/RN, foram estas as imputações apresentadas em face dos réus: FATO 1 - JOSÉ ROBENILSON FERREIRA dispensou - no sentido de não realizar - por 10 (dez) vezes, licitação fora das hipóteses previstas em lei e deixou de observar as formalidades pertinentes à dispensa durante a execução dos convênios nº 130/2002 e 164/2002-SENASP/MJ, tendo contratado diretamente as empresas Byte Express, Potiguar Veículos Ltda, Nard Comércio e Serviços, Comercial Lopes de Oliveira e Nacional Veículos e Serviços Ltda - incorrendo nas penas do art. 89 da Lei nº 8.666/93, art. 61, II, 'b', do Código Penal. JOSÉ LEONARDO PEREIRA DO NASCIMENTO, na qualidade de proprietário da empresa NARD COMERCIAL E SERVIÇOS, concorreu para duas dispensas ilegais de licitação - relativas à venda dos bens discriminados nas notas fiscais nº 000544 e nº 000547 - e delas se beneficiou para celebrar contratos verbais com o Município de Bento Fernandes/RN - incorrendo nas penas do art. 89 da Lei nº 8.666/93, c/c art. 61, II, 'b', do Código Penal. FATO 2 - JOSÉ ROBENILSON FERREIRA, na qualidade de Prefeito Municipal de Bento Fernandes/RN, entre 31/12/2008 e 03/09/2010, suprimiu e ocultou consigo, em benefício próprio e em prejuízo da União e da municipalidade, todos os documentos públicos originais relativos aos convênios nº 130/2002 e 164/2002-SENASP/MJ - incorrendo nas penas do art. 305 do Código Penal, c/c art. 61, II, 'b', do Código Penal. FATO 3 - Apropriação/desvio, consistente no pagamento de um projetor multimídia, que não foi entregue; falsificação material e ideológica da respectiva nota fiscal, seguida de uso dos documentos falsos por JOSÉ ROBENILSON FERREIRA. FATO 4 - equipamentos de informática pagos, mas não recebidos (dois computadores, dois nobreaks, um scanner de mesa, uma impressora HP jato de tinta, uma impressora HP laser); provável falsificação material e ideológica das notas fiscais, seguida de uso dos documentos falsos por JOSÉ ROBENILSON FERREIRA. FATO 5 - dois kits para moto-patrulheiro antecipadamente pagos, mas não adquiridos; possível falsificação material e ideológica das respectivas notas fiscais, seguida de uso de documento falso por JOSÉ ROBENILSON FERREIRA. FATO 6 - fardamento policial supostamente pago a empresa de fachada, em desvio de finalidade e sem nenhuma prova de sua efetiva aquisição; provável falsificação material e ideológica da respectiva nota fiscal, seguida de uso do documento falso pelo ex-prefeito JOSÉ ROBENILSON FERREIRA. FATO 7 - superfaturamento, por sobrepreço, de 09 (nove) aparelhos de radiocomunicação e de 01 (um) kit para motopatrulheiro, não entregue ao município. 3. Por ocasião da sentença, o douto juízo a quo reconheceu a materialidade e autoria - quanto ao corréu JOSÉ ROBENILSON FERREIRA - do delito tipificado no art. 89 da Lei 8.666/93, mas aplicou o princípio da consunção, considerando a referida conduta como crime-meio para a prática do ato criminoso previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67. Além disso, restaram condenados JOSÉ ROBENILSON FERREIRA e JAIME FERREIRA DE ANDRADE NETO, por duas vezes (FATO 3 e FATO 7), em continuidade delitiva, relativamente ao delito previsto no art. 1°, I, do Decreto-lei nº 201/67, enquanto JOSÉ LEONARDO PEREIRA DO NASCIMENTO foi condenado, em relação ao mesmo delito (art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67) - uma única vez (FATO 7). Bem assim, o réu JOSÉ ROBENILSON FERREIRA foi igualmente condenado pela prática do delito tipificado no art. 305 do Código Penal. 4. No que se refere às razões de apelação, o apelo apresentado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL se volta à pretensão de que sejam os réus condenados pela prática do delito tipificado no art. 89 da Lei 8.666/93, de modo que não seria aplicável o princípio da consunção em relação ao crime previsto no art. 1°, I, do Decreto-lei nº 201/67. Enquanto isso, JAIME FERREIRA DE ANDRADE NETO e JOSÉ LEONARDO PEREIRA DO NASCIMENTO alegam a ocorrência de prescrição retroativa e, subsidiariamente, ausência de provas em relação à prática dos crimes tipificados no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67, além de se insurgirem em face da dosimetria quanto à pena aplicada a JOSÉ LEONARDO PEREIRA DO NASCIMENTO, bem como no que se refere à reparação de danos. Já no que se refere a JOSÉ ROBENILSON FERREIRA, este defendeu a atipicidade das condutas por si praticadas, na medida em que os recursos advindos do convênio teriam sido aplicados nos objetivos para os quais foram firmados, de modo que as imputações apresentadas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL consistiriam, no máximo, em erro formal (a exemplo do pagamento fora das regras da IN nº 01/2004 do STN). Ademais, após invocar a aplicação do princípio in dubio pro reo, insurgiu-se quanto a aspectos da dosimetria das penas que lhe foram impostas. 5. Quanto à configuração do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93, vale destacar que a jurisprudência deste Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região caminha no sentido de que: a) como decorrência da aplicação do princípio da especialidade, o prefeito/ex-prefeito não responde pelo crime do art. 90, Lei das Licitações, mas pelo delito do art. 1º, XI, do Decreto-lei nº 201/67, o qual prevê como crime de responsabilidade a aquisição de bens, ou realização de serviços e obras sem a coleta de preços. Ressalte-se tratar-se este de crime funcional de mão própria (somente pode ser praticado por aquele que detém a condição de Prefeito), admitindo-se, em tese, coautoria ou, ao menos, a participação por outros agentes, caso em que a qualidade de Prefeito - por ser elementar do tipo - comunica-se aos demais (art. 30 do Código Penal); b) o ilícito do art. 89 da Lei 8.666/93 somente é aplicável nos casos em que tenha havido procedimento formal e indevido de dispensa ou inexigibilidade de licitação, enquanto o do art. 90 da mesma lei somente tem lugar quando a licitação houver existido, apesar de viciada pelo ajuste comprometedor de seu caráter competitivo. 6. No caso, tem-se que, evidenciada a compra direta, seguida da montagem de um procedimento licitatório, não há lugar para a aplicação, nem do art. 90 da Lei 8.666/93, nem do art. 89 do referido diploma legal. Assim, sequer reconhecida a possibilidade de adequação, do caso ora sob exame, ao disposto no art. 89 da Lei 8.66/93, resta prejudicada a apelação apresentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 7. Uma vez reconhecido o trânsito em julgado para a acusação, cabe acolher, nos termos do parecer da douta Procuradoria Regional da República, a prejudicial de prescrição retroativa suscitada por JAIME FERREIRA DE ANDRADE NETO e JOSÉ LEONARDO PEREIRA DO NASCIMENTO. Neste tocante, cabe referir que os acusados foram condenados, o primeiro, à pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, enquanto o segundo teve aplicada a pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão. Assim, deve ser reconhecido o decurso do lapso prescricional, na medida em que, entre a data do fato (23 de janeiro de 2003 a 10 de outubro de 2003 - momentos anteriores à Lei 12.234/10) e o recebimento da denúncia (em 14 de abril de 2014, fls. 176/186), transcorreram 10 (dez) anos e 6 (seis) meses, sendo aplicável o disposto no art. 109, IV, do Código Penal, que preconiza a prescrição da pena privativa de liberdade em 8 (oito) anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro. 8. Declarada a prescrição, com a consequente extinção da punibilidade, não há como subsistir o título executivo, ficando prejudicada, também, a condenação pecuniária, que constitui decorrência da condenação criminal, ficando ressalvada, no entanto, a busca do ofendido pelo juízo cível, por meio de uma ação autônoma de conhecimento. (EDcl no AgRg no REsp 1260305/ES, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 12/03/2013). 9. No que se refere a JOSÉ ROBENILSON FERREIRA, dentre as condutas dotadas de relevância penal - consideradas as inúmeras relatadas na denúncia - se mostraram evidenciadas a materialidade em relação a dois delitos: I - o sobrepreço na compra de um Kit Patrulheiro no valor de R$ 11.816 (onze mil, oitocentos e dezesseis reais), junto à pessoa jurídica NARD COMERCIAL E SERVIÇOS, de propriedade do corréu JOSÉ LEONARDO PEREIRA DO NASCIMENTO, quando o valor de mercado do bem seria de R$ 1.247,16 (mil duzentos e quarenta e sete reais e dezesseis centavos) - (fl. 154 do IP); II - a falsidade ideológica e material da nota fiscal nº 006287, bem como do recibo datado de 28.11.2003, ambos no valor de R$ 5.200,00 (cinco mil e duzentos reais), relacionados à compra de 01 (um) projetor multimídia pelo Município de Bento Fernandes/RN, o qual nunca foi entregue ao Município - (fls. 161/163 do Apenso IV). 10. Registre-se que os referidos desvios se deram no âmbito da execução dos objetos dos Convênio nº 130/02 (no valor de R$ 46.846,32 - quarenta e seis mil oitocentos e quarenta e seis reais e trinta e dois centavos) e Convênio nº 164/02 (no valor de R$ 208.271,98 - duzentos e oito mil duzentos e setenta e um reais e noventa e oito centavos), firmados entre o Município de Bento Fernandes/RN (o então prefeito era JOSÉ ROBENILSON FERREIRA), e a União, por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça - SENASP/MJ, cujo objetivo era a aquisição de veículos, equipamentos e materiais permanentes para a guarda municipal daquela edilidade. O termo final dos convênios se deu em 31/10/2003, enquanto a prestação de contas incompletas e intempestivas teve lugar em 24/03/2004, 12/01/2005, 24/07/2006, 14/06/2004, 19/01/2005 e 15/06/2007. Saliente-se que ao Município foram repassados os valores em parcelas únicas: uma de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), em 31/01/2003 (Convênio nº 130/2002) e outra de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), em 30/04/2003 (Convênio nº 164/2002). 11. Ainda no que se refere à autoria delitiva, de fato, o ex-prefeito JOSÉ ROBENILSON FERREIRA foi o responsável pela realização do pagamento antecipado das despesas, atestando-as falsamente - mediante a utilização de notas e recibos fraudados - sendo que tais materiais nunca foram localizados, nem nas dependências da Prefeitura Municipal de Bento Fernandes/RN, nem na Guarda Municipal. Igualmente quanto ao ponto, registre-se que, os depósitos imediatos dos valores integrais relativos aos cheques com os quais foi pago o projetor multimídia, foram realizados em conta de terceira pessoa (R.L.C.D) a qual, uma vez ouvida em audiência, afirmou nunca ter residido (ou realizado negócios) no/para Estado do Rio Grande do Norte, tendo, ainda, negado a titularidade da própria conta corrente para a qual realizada a transferência (embora estivesse em seu nome). Assim, tem-se por demonstrada a prática, pelo réu - a quem caberia, inclusive, o dever de prestar contas - por duas vezes, do delito tipificado no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67. 12. Quanto ao delito previsto no art. 305 do Código Penal, o próprio réu JOSÉ ROBENILSON FERREIRA, admitiu, por ocasião de seu interrogatório, ter retirado a documentação da Prefeitura, tendo a arquivado em um escritório de contabilidade, embora não tivesse sabido informar onde se encontrava a mencionada documentação (as prestações de contas relativas aos Convênios, enviadas em 2014, estavam incompletas). 13. Ainda acerca do tema, cabe salientar que, a conduta consistente em suprimir vários documentos da prefeitura, conduz ao cometimento de apenas um crime - e não vários, em concurso formal. O número de documentos ocultados poderia servir à valoração negativa das circunstâncias judiciais, mas não constitui concurso formal. Bem assim, registre-se não se aplicar o princípio da consunção ao crime de supressão de documentos posterior ao desvio da verba pública, com vistas a assegurar a própria impunidade do crime de desvio. A potencialidade lesiva do ilícito do art. 305 CP, não exaure no cometimento do ilícito do art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67, na medida em que, enquanto não prestadas as contas em razão da ausência da documentação pertinente, permaneceu o Município na condição de inadimplente, impossibilitando-lhe a celebração de novos convênios e repasse de outras verbas destinadas aos municípios, com flagrante prejuízo à Administração e à população. 14. No que pertine à dosimetria da pena, assiste parcial razão ao réu. Quanto ao crime funcional de prefeito, estas as circunstâncias judiciais valoradas pela douta sentença ora recorrida, a fim de que se chegasse a uma pena-base de 05 (cinco) anos e 09 (nove) meses de reclusão: "Antecedentes: circunstância desfavorável, por ter sido condenado por crime de mesma natureza em sentença proferida nos autos da Ação Penal nº 0001542-20.2011.8.20.0104, transitada em julgado em 05/12/2014, dando início à Execução Penal nº 0101953-66.2014.8.20.0104, conforme certidão de antecedentes criminais de fl. 370; Personalidade: circunstância desfavorável, pois voltada para a prática delitiva, uma vez que, nestes autos, restou evidente que o réu falsificou documentos como forma de ocultar o desvio de recursos públicos quando da apresentação da prestação de contas; Circunstâncias: circunstância desfavorável, pois o réu se valeu da prática de outro crime (art. 89 da Lei nº 8.666/93) para assegurar a execução do delito." Entretanto, afastada possibilidade da prática do crime previsto no art. 89, da Lei nº 8.666/93 (não se há de falar de crime de dispensa de licitação se não houve a instauração irregular de procedimento tendente a tanto), bem como considerando a utilização de documentos falsos como circunstância desfavorável (não tendo relação com o elemento personalidade), restam duas circunstâncias desfavoráveis, apresentando-se exasperada em demasia a pena-base fixada em de 05 (cinco) anos e 09 (nove) meses de reclusão, pelo que deve ser reduzida para 04 (quatro) anos de reclusão. Na segunda fase, de fato, não há como ser mantida a incidência da agravante prevista no inciso I do art. 62 do Código Penal, considerado não haver qualquer evidência de que o réu tenha dirigido as atividades dos demais envolvidos, não podendo esta conclusão ser extraída do tão-só fato de ele deter a condição, à época, de prefeito. Na sequência, considerando ter havido o decurso do prazo de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses entre a data do fato (23 de janeiro de 2003 a 10 de outubro de 2003 - momentos anteriores à Lei 12.234/10) e o recebimento da denúncia, em 14 de abril de 2014 (fls. 176/186), bem como tendo em vista o desprovimento do recurso acusação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a hipótese é de aplicação do disposto no art. 109, inc. IV, do Código Penal, reconhecendo-se a prescrição retroativa da pretensão punitiva quanto ao crime tipificado no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67. 15. Também no tópico concernente à dosimetria da pena, relativamente ao crime de supressão de documentos (art. 305, do Código de Processo Penal), está a merecer parcial reforma a sentença, mantendo-se a fixação da pena base em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 141 (cento e quarenta e um) dias-multa à razão de 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente ao tempo do fato criminoso, mesmo que se revele impertinente a consideração da circunstância personalidade, com fundamento no fato de se tratar o réu de pessoa: "voltada para a prática delitiva, uma vez que, além dos crimes tratados nestes autos, restou evidente que o réu falsificou documentos como forma de ocultar o desvio de recursos públicos quando da apresentação da prestação de contas.", mas considerando as consequências danosas à coletividade (inserção do nome do Município em cadastro restritivo por cerca de dezoito meses) em decorrência da supressão dos documentos. Na segunda fase da dosimetria, incidindo a circunstância prevista na alínea 'd' do art. 65 do Código Penal (confissão espontânea), cabe restabelecer a pena ao patamar de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 80 (oitenta) dias-multa, mantida a fixação do valor do dia multa em 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente à época dos fatos. 16. A despeito de o réu exibir em seu desfavor a circunstância judicial da reincidência (genérica), a afastar a possibilidade de substituição da pena de segregação, diante da regra do art. 44, inc. II, do Código Penal, tem-se que o rigor desta regra tem sido afastado, a partir da interpretação do § 3º do referido art. 44 do Código Penal. (HC 94.990MG , rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. O2.12.20008). Portanto, no caso, se tendo por suficiente para a repressão do crime ora sob exame, cabe a substituição, da pena corporal, por duas penas restritivas de direito, sendo uma de prestação de serviços à comunidade ou entidade social beneficente e outra pecuniária mensal, a serem especificadas pelo juízo da execução. 17.  Registre-se não se estar diante da prescrição retroativa para o crime previsto no art. 305 do Código Penal, tendo em vista que, o dia 03 de setembro de 2010 (encerramento da vistoria in loco da SENASP/MJ), no caso, é tido como termo inicial do prazo prescricional (última vez em que constatada oficialmente a permanência da ocultação dos documentos públicos em questão, documentos públicos originais referentes aos multicitados convênios), haja vista tal delito, na modalidade ocultação, ser de natureza permanente. 18. Provimento das apelações de JAIME FERREIRA DE ANDRADE NETO e JOSÉ LEONARDO PEREIRA DO NASCIMENTO para o fim de declarar extinta a punibilidade dos réus, em relação a todas as imputações. Parcial provimento da apelação de JOSÉ ROBENILSON FERREIRA para o fim de: a) declarar extinta a punibilidade, no que se refere ao delito previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67, nos termos do art. 107, inc. IV, c/c art. 109, inc. IV, do Código Penal; b) minorar a pena em relação ao delito previsto no art. 305 do Código Penal. Desprovimento da apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

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