ACR – 15348/CE – 0000341-11.2016.4.05.8109

RELATOR: DESEMBARGADOR ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO -  

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO DA DEFESA. CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DE CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/90. PENA DE 4 (QUATRO) ANOS E 2 (DOIS) MESES DE RECLUSÃO, REGIME INICIAL SEMI-ABERTO, ALÉM DE MULTA. OMISSÃO DE INFORMAÇÕES FISCAIS À AUTORIDADE FAZENDÁRIA. PESSOA JURÍDICA. RÉU COMO PROPRIETÁRIO E ADMINISTRADOR DE FATO DA EMPRESA AUTUADA. UTILIZAÇÃO DE INTERPOSTAS PESSOAS (INCLUSIVE GENITORA E CUNHADO), COMO REPRESENTANTES FICTÍCIOS DA EMPRESA DE LIMPEZA. CRÉDITO TRIBUTÁRIO DEVIDAMENTE CONSTITUÍDO, NO VALOR DE R$ 7.073.841,10. APELO PROVIDO, SOMENTE EM PARTE, PARA DIMINUIÇÃO DA FRAÇÃO DA MAJORAÇÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA, NO RASTRO DO PARECER DO CUSTOS LEGIS. 1. Cuida-se, em síntese, de julgamento de apelo interposto pela defesa, em face da Sentença que condenou o ora apelante à pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão, regime inicial semiaberto, além de multa e de outras cominações, pelo cometimento do delito tributário previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90. Segundo o sentenciante, o réu, na condição de administrador de fato de empresa autuada e considerado seu responsável financeiro, omitiu receitas auferidas de contrato de prestação de serviços firmado com a Prefeitura de Juazeiro do Norte/CE, nos anos de 2003/2004, valendo-se, ainda, de expedientes de simulação contábil e do concurso de interpostas pessoas, "laranjas", com o fito de encobrir a prática de movimentação financeira e atos gerenciais à margem da responsabilização fiscal de recolhimento regular dos tributos devidos pela pessoa jurídica, gerando prejuízo aos cofres públicos da ordem de R$ 7.073.841,10 (sete milhões, setenta e três mil e oitocentos e quarenta e um reais e dez centavos). 2. Busca, em suma, a defesa do apelante, a reforma integral do veredicto condenatório - absolvição -, suscitando, preliminarmente, questões concernentes à ocorrência de coisa julgada, dada a simultaneidade da deflagração de persecuções penais de idêntica fattispecie, além da ocorrência do fenômeno prescricional, pelo que requereu o acolhimento de tais questões preliminares, com seus respectivos consectários processuais. Adiante, quanto às razões de mérito propriamente ditas, apresentou a defesa extensa argumentação fático-jurídica, acompanhada de farta jurisprudência e respeitável cipoal doutrinário, com o propósito de desconstituir a imputação de cometimento do delito de sonegação fiscal, ao argumento, dentre outros, da verificabilidade, tão-somente, no caso dos autos, de mero inadimplemento da obrigação tributária, e não, de perfazimento das elementares do tipo penal já mencionado, sendo de se cogitar, no máximo, de aplicação de cominação de natureza fiscal, através de multa, etc., diversa, portanto, da responsabilização penal imposta na sentença ora recorrida, vez que penalmente atípica a conduta do réu. A defesa sustentou, também, a ocorrência de crime impossível, dada a impossibilidade dos meios para a consecução de eventual delito contra a ordem tributária, visto que prestadas as informações fiscais à autoridade fazendária, em declaração própria e de forma espontânea, a demonstrar inexistência de dolo específico em omitir receitas auferidas pela empresa, insistindo, ainda, no fato de a Receita Federal possuir mecanismos suficientes para, unilateralmente, aferir, com precisão, eventuais ganhos da pessoa jurídica, e, porventura, não informados ao Fisco. Superadas, eventualmente, as questões preliminares e mantida a responsabilização penal do réu, foi propugnada, em caráter subsidiário, a modulação dos parâmetros dosimétricos, nos termos especificamente delineados no apelo, culminando no decréscimo do quantum da apenação, com seus naturais reflexos. 3. Preliminarmente, há de ser afastada a tese de coisa julgada, sustentada ao argumento defensivo de impossibilidade de duplo julgamento - bis in idem -, porquanto idêntico o objeto de persecução penal anterior, indicada em seu apelo. Com efeito, após esmiuçado cotejo entre a presente persecução penal tratada nestes autos e aquela referenciada pela defesa do réu, e novamente no apelo, visto que já afastada pelo sentenciante, obrou bem o Dominus Littis, ao constatar, em sede de Contrarrazões - e a diferença de fattispecie é por demais perceptível, a partir, inclusive, da cópia do Acórdão que acompanha as razões recursais -, a inocorrência do fenômeno da coisa julgada, dada a inexistência de simultaneidade na deflagração de persecuções penais, consoante se infere de excerto da síntese ministerial acerca da problemática suscitada, doravante parte integrante desta fundamentação, a título de desacolhida da prejudicial levantada. 4. Igualmente rechaçada, ainda no juízo processante, não deve receber, novamente, chancela alguma a preliminar de ocorrência, in casu, do fenômeno prescricional, porquanto não transcorrido o lapso temporal exigível à espécie em causa. Tem-se, assim, para além das razões sentenciantes que afastaram tal causa de extinção da punibilidade, que, subtraídos os acréscimos inerentes à continuidade delitiva, por imperativo determinado através da Súmula nº 497/STF, remanesce o quantum de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a exigir o decurso, não observado, para fins de prescrição, do lapso de 8 (oito) anos, contados a partir, nos crimes previstos na Lei nº 8.137/90, da constituição definitiva do crédito tributário, este operado em 08.10.08, sendo que a denúncia foi recepcionada em 02.08.16, não perfazendo, portanto, a integralidade do prazo estipulado na legislação de regência (art. 109, IV, do CP). 5. É de se verificar os termos do veredicto, em que o magistrado sentenciante divisou a necessidade de responsabilização penal do réu, por considerar patentes, em seu desfavor, a autoria e a materialidade delituosas: "Foram três as condutas omissivas praticadas pelo acusado com o intuito de suprimir o pagamento de tributos. A primeira delas é a de que a empresa (...) omitiu aos auditores fiscais da Receita Federal do Brasil as receitas auferidas com o contrato de prestação de serviços firmado com a Prefeitura de Juazeiro do Norte/CE quanto aos anos de 2003 e 2004. De acordo com o Termo de Verificação Fiscal (fls. 810-824), a pessoa jurídica não apresentou os livros obrigatórios Diário, Razão, de Apuração do Lucro Real - LALUR, bem como as demonstrações financeiras relativas aos indigitados anoscalendário, apesar de solicitações reiteradas dos agentes fiscais. Por conta disso, os agentes fiscais apenas tomaram conhecimento das receitas operacionais com o encaminhamento pela Prefeitura de Juazeiro do Norte/CE das notas fiscais e cheques emitidos em favor da empresa - de caráter público, utilizando-os como parâmetro para o lançamento do tributo devido e não recolhido pela pessoa jurídica. A segunda conduta omissiva consistiu na omissão quanto à comprovação de origens de depósitos bancários na conta de (...), representando um faturamento não declarado à Receita Federal, levando ao suprimento de tributos. Como bem ressaltado no Termo de Verificação Fiscal. A terceira e última conduta omissiva, por sua vez, consistiu na ausência de recolhimento de imposto de renda retido na fonte sobre pagamentos a beneficiários não identificados/pagamentos sem causa. Mais uma vez o Termo de Verificação Fiscal (fls. 815-817) foi esclarecedor no que consistiu a omissão. O argumento da defesa no sentido de que a empresa teria declarado todos os tributos devidos através de Declaração de Compensação de Tributos Federais - DCTF, em relação aos anos de 2003 e 2004 não possui correspondente fático nos autos. Na verdade, verifica-se o contrário, uma vez que a pessoa jurídica não prestou qualquer auxílio material aos trabalhos dos agentes fiscais, que iriam fazer a autuação praticamente às escuras, se não fossem as informações prestadas pela Prefeitura do Município de Juazeiro do Norte/CE e pela instituição financeira administradora de sua conta. Igualmente, não há que se falar em crime impossível ou atipicidade da conduta em decorrência de o Fisco possuir meios para apurar o tributo devido ante a omissão do contribuinte em declarar a ocorrência do fato gerador. O motivo disso é óbvio: o sistema tenta evitar a evasão fiscal. Se esse mecanismo existe, isso não quer dizer que a omissão do contribuinte é atípica. Na realidade, o arbitramento efetivado pelo Fisco para constituir o crédito tributário, ante a omissão do contribuinte em declarar o fato gerador, é uma medida para reparar o dano causado pela omissão, sendo uma evidência de que a conduta omissiva foi apta a gerar a supressão ou, ao menos, a redução do tributo na apuração. Destarte, as condutas acima explanadas, comprovadamente, são materialmente típicas, praticadas em continuidade delitiva (CP, art. 71), haja vista que as condições de tempo, lugar, maneira de execução são assemelhadas. Em relação à autoria, esta, sem dúvidas, é de responsabilidade do acusado. O réu se valeu de "laranjas" - familiares seus (mãe e cunhado) - para figurarem na condição de sócios da empresa, quando nos bastidores exercia a administração de fato da pessoa jurídica, sendo o responsável por todas suas ações e omissões. No âmbito policial, a própria mãe do acusado, ora falecida, afirmou que "o verdadeiro dono da empresa sempre foi seu filho, e que a declarante assinava documentos e cheques e outras obrigações; bem como não tinha poder decisório nenhum na política da empresa, pois tudo era seu filho que resolvia. Ademais, foi verificado que o outro sócio, cunhado do acusado, residia no Estado de São Paulo quando da época dos fatos, laborando como empregado de outras empresas. Diante destes elementos, conclui-se que foi o responsável pela sonegação fiscal. O dolo está evidenciado na desídia da empresa em responder os apelos dos agentes fiscais quanto ao fornecido dos documentos e livros empresariais obrigatórios, além da própria simulação empreendida pelo acusado em utilizar "laranjas", sem quaisquer bens, como sócios da empresa, como uma forma de escapar da responsabilização pelos tributos elididos pela pessoa jurídica, o qual era o verdadeiro responsável. Em adição a tudo que foi exposto, ressalto que não se pode olvidar que o ato administrativo-tributário (Termo de Verificação Fiscal) - tanta vezes referido - não pode ser desconsiderado pelo juízo criminal, senão quando existirem robustos elementos a demonstrar a invalidade formal ou substancial do ato do Fisco." 6. Não procede a alegação defensiva de não comprovação do elemento subjetivo do injusto imputado ao denunciado, aqui apelante, como sendo, ainda no entendimento do recorrente, o dolo específico, notadamente em razão de não resultar atestada a apropriação ilícita de valores. Assim, em sentido diametralmente oposto ao da tese recursal de exigência do dolo específico, há de se ter em conta o pacífico entendimento jurisprudencial de que, para a caracterização do delito de sonegação fiscal, previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, basta a evidenciação do dolo genérico, consistente na intenção, tão-somente, de, via omissão de receita, concretizar a evasão tributária (STJ . QUINTA TURMA. AgRg no AREsp 1225680 / PR. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK. Julg. 14/08/2018; AgRg no REsp 1552955 / PE. Ministro FELIX FISCHER. Julg. 21/11/2017; SEXTA TURMA. AgRg no REsp 1477691 / DF. Ministro NEFI CORDEIRO. Julg. 11/10/2016; AgRg no REsp 1504695 / RS. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. Julg.11.12.15). Juridicamente, insustentável, como visto, a necessidade de comprovação do dolo específico, para fins de responsabilização penal pela prática, como in casu, do delito previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90. 7. Deveras, a jurisprudência desta Corte Regional e das Cortes Superiores também é firme no sentido da validade da norma penal incriminadora, porquanto o desvalor da conduta não emana da ausência de pagamento, mas do ardil, da falsidade empreendida para iludir o Fisco. Senão, confira-se predominante jurisprudência: STF, Primeira Turma, REAgR 630495, Ministro Dias Toffoli, DJe 24.05.2011; TRF5, Segunda Turma, ACR 00026673720134058500, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, DJE:26/04/2016; TRF5, Primeira Turma, ACR 00064186620124058500, Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, DJe: 18/06/2014. 8. É por demais falacioso o estratagema da defesa ao objetivar, em seu apelo, elidir, sem qualquer prova minimamente consistente, a responsabilidade tributária do aqui recorrente, diante de tantas provas de que o mesmo, real e efetivamente, atuava como administrador de fato da Pessoa Jurídica autuada, através de interpostas pessoas ("laranjas") - suas conhecidas, inclusive genitora, cunhado, etc. -, daí a procedibilidade da autuação fiscal que deu azo à presente persecução penal. Também não há que se falar, in casu, em insuficiência probante, havendo o órgão ministerial, ao contrário, desincumbido-se, mui satisfatoriamente, do seu exclusivo ônus, à luz de todos os elementos que supedanearam o oferecimento da Denúncia, a partir da Representação Fiscal para Fins Penais nº 10315. 001519/200881, emanada da Delegacia da Receita Federal do Brasil, em Juazeiro do Norte-CE, além da efetiva e prévia constituição definitiva do crédito tributário, condição sine qua non para a persecução penal relativa aos crimes contra a Ordem Tributária, nos termos da Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal - STF e do Inquérito Policial - IPL nº 0391/2016/ DPF/CE. 9. Buscou-se, no apelo, como enfatizado, a desqualificação, pura e simplesmente, das provas apresentadas - e confirmadas -, desfavoráveis ao sentenciado, ora apelante, sem, contudo, apresentar a defesa elementos tecnicamente capazes de infirmar a higidez dessas provas, que, reunidas e acrescidas ao plexo probatório que exsurgiu da instrução processual, formam, incontestavelmente, um todo sistêmico e de solidez não abalável por meras ilações de conteúdo fragmentário, confirmado que fora, inclusive, o elemento subjetivo do tipo penal em causa - o dolo genérico -, no modus operandi ricamente pormenorizado nos autos. Derivou, então, a responsabilização penal do apelante da minuciosa aferição de um edifício lógico de provas concatenadas e indissociáveis umas das outras, não podendo sequer ser desprezada, nessa linha, a relevância de quaisquer elementos de prova, porquanto integrativos do conjunto, na medida em que alinhados, e não, manifestamente colidentes ou destoantes do acervo, impondo-se revelar a importância seminal do Processo Administrativo Fiscal, expediente probante de alta carga técnico-contábil e amplamente integrado ao concerto das demais evidências de autoria e materialidade delituosas, minuciosamente consideradas em todas as suas particularidades e em sentido contrário às teses recursais, porquanto apuradas e confirmadas após regular procedimento investigatório e, na sequência, quando finda a instrução processual penal. Ainda nessa linha da escorreita valoração e cotejo, pelo sentenciante, de todo o material probante, colha-se excerto do Parecer apresentado pelo Custos Legis. 10. Vê-se, por derradeiro, como acertado o cômputo dosimétrico, a partir das considerações - suficientemente fundamentadas - levadas a cabo pelo julgador, mormente quanto às circunstâncias judiciais (art. 59 do CP), consideradas de per se e diante da ausência de patente ilegalidade da dosimetria empregada. Contudo, deve ser reavaliada a fração relacionada ao emprego da causa de aumento pela continuidade delitiva (art. 71 do CP), fixada pelo julgador em 1/4 (um quarto), e não, como bem realçou o Custos Legis, à fl. 242, em seu Parecer, nos moldes requeridos, alternativamente, no apelo do réu, no patamar de 1/5 (um quinto). Assim, tomado o quantum fixado pelo sentenciante para a pena-base, em 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, sem alteração na 2ª fase da dosimetria, há de incidir, doravante, a majoração prevista no art. 71 do Código Penal, desta feita, em 1/5 (um quinto), ou seja, 8 (oito) meses, resultando, em definitivo, 4 (quatro) anos de reclusão. Como consectários da diminuição do quantum da pena, seguem a modificação do regime inicial de cumprimento de pena para o sistema aberto, bem como a diminuição da pena de multa, doravante fixada em 80 (oitenta) dias-multa, correspondendo, cada dia-multa, à metade do valor do salário mínimo vigente à época da consumação do delito, com as atualizações legais. Negada a substituição automática - visto que não preenchidos todos os requisitos do art. 44 do CP - da pena corporal por restritiva(s) de direito. 11. Apelo, em parte, provido.

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