Conflito De Competência Nº 55.225/sp

Conflito de competência. Estelionato. Prejuízo causado ao INSS e não ao particular. Competência da justiça federal.

Rel. Min. Hamilton Carvalhido


RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO: HAMILTON CARVALHIDO (Relator):
Conflito de competência em que são partes o Juízo de Direito da 31ª Vara Criminal do Foro Central de São Paulo/SP, suscitante, e o Juízo Federal da 8ª Vara Criminal da Seção Judiciária de São Paulo/SP, suscitado, que se declaram incompetentes para processar e julgar o processo da ação penal em que se apura a prática do delito tipificado no artigo 171, parágrafo 3º, combinado com o artigo 71, ambos do Código Penal. Noticiam os autos que quando do falecimento de Benedito Ozorio Salazar, sua companheira confiou à ré Sidnéia da Silveira Menezes, ex-funcionária do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, toda documentação necessária à conversão da aposentadoria do falecido em pensão por morte. A ré, contudo, não requereu o benefício previdenciário perante a autarquia, passando a efetuar, durante 5 meses seguidos, o saque dos valores relativos à própria aposentadoria que o falecido percebia. Descoberta a fraude, o INSS passou a pagar à viúva a pensão por morte, descontando, no entanto, do benefício os valores indevidamente pagos a título de aposentadoria. O Ministério Público Federal, assim, denunciou, em 22 de setembro de 2000, a ré Sidnéia da Silveira Menezes, imputando-lhe a prática do delito tipificado no artigo 171, parágrafo 3º, combinado com o artigo 71, ambos do Código Penal. Concluída a instrução perante a Justiça Comum Federal, o Juízo Federal da 8ª Vara Criminal da Seção Judiciária de São Paulo/SP, quando da prolação da sentença, declarou-se incompetente, ao entendimento de que, se “(...) JOAQUINA tinha direito à pensão desde a data do falecimento de BENEDITO, entendo que nenhum prejuízo sofreu o INSS, de vez que descontou os valores da própria JOAQUINA, sendo ela a única prejudicada no episódio.“ (fl. 311). Remetidos os autos à Justiça Comum Estadual, o Juízo de Direito da 31ª Vara Criminal do Foro Central de São Paulo/SP, por sua vez, suscitou o presente conflito, eis que, a seu ver, “(...) a consumação do estelionato se verificou com o recebimento do benefício indevido por parte da denunciada, sendo certo que, como apontado a fls. 320/321, o fato de o INSS, posteriormente, ter descontado da viúva do titular do benefício os valores relativos ao prejuízo não retira daquele a condição de vítima.“ (fl. 323). O parecer do Ministério Público Federal, da lavra da Exmª Srª Subprocuradora-Geral da República, Drª Célia Regina Souza Delgado, é no sentido de se conhecer do conflito, declarando-se a competência da Justiça Comum Federal para o processo e julgamento da causa (fls. 330/334). É o relatório.
 
VOTO - EXMO. SR. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO (Relator):
Senhor Presidente, é esta a letra da denúncia: “(...) O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pela Procuradora da República que a esta subscreve, no uso de suas atribuições legais, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, oferecer DENÚNCIA em face de SIDNÉIA DA SILVEIRA MENEZES, qualificada a fls. 35, por infração ao artigo 171, § 3°, por 5 (cinco) vezes, c.c. artigo 71, ambos do Código Penal, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos. Consta dos inclusos autos que em abril, maio, junho, julho e agosto de 1998, nesta Capital, a denunciada obteve para si vantagem ilícita, em prejuízo da Previdência Social, induzindo Joaquina Maria da Silva em erro, mediante meio fraudulento abaixo descrito. Narram os autos que Joaquina vivia em concubinato com Benedito Osório Salazar, beneficiário da Previdência Social. Com o falecimento deste em 6 de março de 1998 (fls. 66), Joaquina procurou por ajuda para transferir o benefício para seu nome. Através de conhecidos, a denunciada foi indicada como a pessoa certa para ajudá-la, posto que antiga funcionária do INSS, tinha conhecimento dos procedimentos a serem adotados. Joaquina, então, procurou pela denunciada que dispôs-se a ajudá-la. Para tanto, aproveitando-se de seu desconhecimento dos procedimentos legais, exigiu a entrega de toda a documentação, além do cartão magnético em nome de Benedito, juntamente com a senha. Afirmou, também, que levaria cerca de cinco anos para regularizar a situação e até lá, pediu sigilo do procedimento. Após seis meses de espera, Joaquina procurou por uma advogada, que verificou que até aquele momento, setembro de 1998, não havia sido protocolizado nenhum pedido de transferência do benefício de Benedito, no entanto os pagamentos de seu benefício vinham sendo retirados normalmente. Realizada uma investigação, constatou-se que a denunciada, após iludir Joaquina com a promessa de solução para seu problema e depois de obter dela o cartão magnético de Benedito e a senha, ao invés de iniciar o procedimento, passou a retirar os pagamentos depositados em cada mês, sequer comunicando à Autarquia o falecimento do beneficiário. Procedeu desta forma por cinco meses, em abril, maio, junho, julho e agosto, causando prejuízo de R$ 2.299,06 (dois mil, duzentos e noventa e nove reais e seis centavos) e somente cessando quando Joaquina indagou-lhe sobre a verdade, quando acabou confessando o delito e assinando, inclusive, confissão de dívida quanto ao valor recebido indevidamente. A denunciada, assim, acarretou prejuízo para o INSS, que pagou indevidamente o benefício após o falecimento de Benedito, e para Joaquina, que até hoje tem descontados 30% (trinta por cento) da pensão por morte que recebe, para ressarcir os cofres públicos dos danos. Ante o exposto, denuncio SIDNÉIA DA SILVA MENEZES, por infração ao artigo 171, § 3º, por cinco vezes, c.c. o artigo 69, ambos do Código Penal, requerendo que, r. e a. esta, se lhe instaure o competente processo penal, citando-a e intimando-a para todos os seus atos até final condenação, nos termos dos artigos 394 a 405 e 498 a 502 do Código de Processo Penal, ouvindo-se, oportunamente, as testemunhas adiante arroladas. (...)“ (fls. 1/3). E esta, a redação do dispositivo do Código Penal imputado à denunciada: “Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa. (...) § 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.“ É certo que a única lesada culminou, até agora, por ser a própria beneficiária da pensão, Joaquina Maria da Silva. Ocorre que, ao que se tem dos autos, o delito foi cometido, em boa verdade, em detrimento de bens, serviços ou interesses do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, eis que pagou indevidamente benefício previdenciário, na exata razão de que a aposentadoria por invalidez cessa, à evidência, com a morte do segurado. Com efeito, a consumação do delito se verificou no momento em que a ré efetuou o saque do benefício não mais devido (aposentadoria), obtendo, assim, para si, vantagem ilícita em prejuízo alheio, sendo certo, outrossim, que a conduta criminosa se repetiu por 5 meses (abril, maio, junho, julho e agosto do ano de 1998), o que acarretou uma despesa indevida de R$ 2.299,06 (dois mil, duzentos e noventa e nove reais, e seis centavos) à autarquia federal. Gize-se, em remate, que o fato do INSS ter obtido a reparação do dano, eis que vem descontando mensalmente os valores da pensão paga, já agora, à viúva, apenas confirma o fato de que, efetivamente, houve prejuízo a autarquia federal, mostrando-se, em verdade, desinfluente à espécie que, após a consumação do crime e a constatação do prejuízo, tenha sido o dano reparado. Merece acolhimento, assim, o parecer do Ministério Público Federal, da lavra da Exmª Srª Subprocuradora-Geral da República, Drª Célia Regina Souza Delgado, verbis : “(...) De fato, tinha JOAQUINA o direito de receber a pensão por morte desde a data do óbito de BENEDITO, 6/3/1998, desde que requerida no prazo de 30 (trinta) dias. Mas isto só ocorreu a partir de setembro daquele ano, quando efetivamente requereu o benefício, após constatar que a denunciada, de posse dos documentos do seu falecido companheiro, vinha recebendo o benefício de aposentadoria, como se vivo ele fosse. Naquele período, portanto, a lesada foi a Autarquia Previdenciária, tal como descreve a denúncia . Ademais, tratando-se o estelionato de delito instantâneo, a competência é de ser fixada no momento de sua consumação, que ocorreu na data do recebimento do benefício indevido pela denunciada . O fato de o INSS ter, posteriormente, descontado do benefício concedido a JOAQUINA os valores relativos ao prejuízo, que, aliás, não foram por ela causados, não retira daquela autarquia federal a condição de vítima, até porque pode a beneficiária legal discutir tal desconto em Juízo. Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pelo conhecimento do conflito, fixando-se a competência do JUÍZO FEDERAL DA 8ª VARA CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO, o suscitado, para processar e julgar o feito.“ (fls. 330/334 - nossos os grifos). Pelo exposto, conheço do conflito para, acolhendo o parecer ministerial de fls. 330/334, declarar competente o Juízo Federal da 8ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, suscitado. É O VOTO.

 
EMENTA -
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ESTELIONATO. PREJUÍZO A AUTARQUIA FEDERAL (INSS). COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM FEDERAL. É de se afirmar a competência da Justiça Comum Federal para o processo e julgamento de crime de estelionato, em se evidenciando dos autos a existência de prejuízo suportado pela autarquia previdenciária, uma vez pago benefício previdenciário indevidamente. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 8ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, suscitado.

 

ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Juízo Federal da 8ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Paulo Gallotti, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Felix Fischer. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Paulo Medina e Nilson Naves. Brasília, 28 de junho de 2006 (Data do Julgamento)

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