Habeas Corpus Nº 40.397/pb

Pena-base. Fixação. Circunstâncias. Cálculo sem justificativas.

Rel. Min. Nilson Naves


RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES:
Na comarca de Conceição, Estado da Paraíba, Fernando Antônio Vieira foi assim denunciado: “Segundo se apurou, no cumprimento de mandado de busca e apreensão expedido por este Juízo, os policiais federais encarregados da diligência, lograram encontrar no interior da residência do indiciado um invólucro contendo 360 (trezentos e sessenta) gramas da substância entorpecente vulgarmente conhecida como cocaína, um revólver da marca Taurus, calibre 38, com numeração de série n. 723595, com seis munições intactas, uma pistola da marca Beretta, calibre 6,35, com numeração de série n. 901111, acompanhada de dois carregadores, cada um dos quais contendo sete cartuchos intactos, bem como três aparelhos de telefonia celular, sendo dois da marca Nokia e um da marca Ericsson (auto de apresentação e apreensão de fls. 14). Ato contínuo, fora o denunciado preso em flagrante delito e conduzido à delegacia de polícia desta Cidade. .................................................................................................................... incurso nas sanções previstas no artigo 12 da Lei nº 6.368/76, e art. 10 da Lei n. 9.437/97, na forma do artigo 69 do Código Penal, pelo que requer o Ministério Público a instauração de processo-crime.“ Foi condenado. Disse a sentença: “... julgo procedente a denúncia para em conseqüência condenar como condenado tenho Fernando Antônio Vieira, qualificado na peça vestibular de fls. pela prática de crime de tráfico de substância entorpecente nos termos do artigo 12 da Lei 6.368/76 e porte ilegal de arma tipificado no artigo 10 da Lei 9.437/97. Antes porém de fixar a pena-base analiso as circunstâncias do art. 59 do Código Penal. Para o crime de tráfico de substância entorpecente: A culpabilidade é concreta e acentuada, porque o réu estava de posse da substância em situação transparente de que a possuía para o fim de comércio ilícito substância proibida causadora de dependência; reincidência o réu é primário; antecedentes são desfavoráveis ao réu; conduta social regular, desfaçada de cidadão de bem, porém, é do conhecimento público o seu envolvimento em ilícitos penais, principalmente tráfico de substâncias entorpecentes, já respondeu por homicídio e crime diverso nesta Comarca, inclusive encontra-se beneficiado pelo sursis processual, fls. 102; personalidade desconhecida, porém com sua atitude neste processo demonstrou não ter respeito para com os seus semelhantes e a vontade de disseminar o mal; os motivos do crime são desconhecidos, aparecendo apenas o desejo do lucro fácil às custas das desgraças de pessoas menos preparadas; as circunstâncias são desconhecidas; as conseqüências do crime são nefastas a sociedade pelos danos causados às pessoas viciadas e o risco de dano com disseminação do vício e da substância entorpecente na sociedade. Sopesadas as circunstâncias judiciais fixo-lhe a pena base em 09 (nove) anos de reclusão e multa de 165 dias-multa a base de 1/30 do salário mínimo devidamente corrigido por ocasião do recolhimento. Não reconhece qualquer das circunstâncias agravantes do artigo 61 do Código Penal em desfavor do réu. Reconheço em seu favor a atenuante da confissão espontânea prevista no artigo 65, inciso III, alínea 'd' do Código Penal e reduzo a pena de reclusão em 01 (um) ano e a de multa em 15 dias, totalizando a pena em 08 (oito) anos de reclusão e 150 dias-multa, pena esta que torno definitiva por não vislumbrar outras circunstâncias ou causa especial de aumento ou diminuição de pena. Indico para cumprimento da pena o Presídio Serrotão na Comarca de Campina Grande em regime fechado. Para o crime de porte ilegal de arma de fogo...“ O inconformismo do impetrante diz respeito à fixação da pena para o crime de tráfico. Em tal aspecto, o Tribunal de Justiça manteve a sentença. Aqui no Superior Tribunal, o Ministério Público Federal, pela palavra do Subprocurador-Geral Pessoa Lins, pronunciou-se assim: “6. O impetrante insurge-se contra a dosimetria da pena, asseverando que as circunstâncias judiciais aduzidas não possuíam o condão de exasperar tanto a pena base. Não obstante, exsurge da leitura da sentença condenatória e do v. Acórdão guerreado que a aplicação da pena deu-se de maneira devidamente fundamentada, em obediência estrita aos critérios legais. 7. Por ocasião do acórdão, o Tribunal de Justiça da Paraíba atentou para os maus antecedentes do réu, bem como para as circunstâncias do crime, fazendo a necessária análise, assim, das circunstâncias judiciais, consoante depreende-se da detida análise da aludida decisão (fls. 40/47). 8. Consoante entendimento adotado pelo STJ a exasperação da pena-base, acima do mínimo legal, resta justificada quando na decisão condenatória se reconhece as circunstâncias judiciais desfavoráveis, não havendo qualquer ilegalidade na espécie: 'Processual penal. HC. Pena-base fixada acima do mínimo legal. Legalidade. Regime prisional inicial fechado. Pertinência. Circunstâncias judiciais desfavoráveis. Culpabilidade, conduta social, personalidade e conseqüências do crime consideradas negativamente. Writ denegado. I. A exasperação da pena-base acima do mínimo legal restou suficientemente justificada na sentença penal condenatória, em razão do reconhecimento das circunstâncias judiciais desfavoráveis, não havendo qualquer ilegalidade na espécie. II. Não houve bis in idem na consideração da quantidade de delitos cometidos, visto que tal fato não foi considerado na primeira fase de fixação da pena, quando da análise das circunstâncias judiciais, mas tão somente para aplicar a regra prevista no art. 71 do Código Penal, aumentando-se a pena em 1/3. III. Reconhece-se a existência de certa discricionariedade na fixação de regime mais rigoroso, porém necessária se faz a pertinente fundamentação em eventuais circunstâncias desfavoráveis
do art. 59 do Código Penal. IV. Foram reconhecidas circunstâncias judiciais desfavoráveis
pela sentença penal condenatória, quais sejam, a culpabilidade, a conduta social, a personalidade e as conseqüências do crime, e valendo-se o julgador da interpretação conjunta dos arts. 59 e 33, § 3.º, ambos do Código Penal, não impedindo a fixação do regime inicialmente fechado de cumprimento de pena. V. Writ denegado.' (HC 34859/MG, Ministro Gilson Dipp, DJ 17.12.2004.) 9. Com efeito, perquirição mais acurada em torno do acerto ou justiça do decisum seria incabível em sede de habeas corpus . Uma vez não demonstrada, de pronto, a ilegalidade da decisão, o writ não pode ser provido. 10. Pelo exposto, o Ministério Público Federal pronuncia-se pela denegação da ordem.“ É o relatório.

 
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR):
Estamos cuidando de caso em que o réu, segundo a denúncia – vejam bem, segundo a denúncia –, tinha, em sua residência, 360 (trezentos e sessenta) gramas de substância entorpecente (cocaína). Apesar disso, a impressão que tenho é a de que estamos diante de caso de pena excessivamente fixada, considerando a motivação constante da sentença transcrita no relatório. Foi a pena-base lá lançada, à conta do art. 12 da Lei nº 6.368/76, em 9 (nove) anos de reclusão, isto é, a metade da soma do mínimo de 3 (três) anos com o máximo de 15 (quinze) anos. Tal quantidade, noutros tempos, era um dos efeitos da denominada reincidência específica. Falava o Código que tal reincidência importava “a aplicação da pena privativa de liberdade acima da metade da soma do mínimo com o máximo“. Vejam que – é o que eu vejo se enganado não estiver –, entre as circunstâncias a que se refere o art. 59 do Cód. Penal, o magistrado de primeiro grau acabou por atender à culpabilidade – falou que a culpabilidade era concreta e acentuada, porque o réu possuía a substância entorpecente “para o fim de comércio ilícito“ (mas, é claro, não fez referência à quantidade) – e às conseqüências do crime – que eram, disse, conseqüências nefastas à sociedade (o magistrado também não fez referência aos 360 gramas). Sucede, entretanto, que o atendimento a duas das circunstâncias judiciais não era o bastante, a meu sentir, para que se fixasse a pena-base no montante de 9 (nove) anos. É certo que há, na sentença, alusão a outras circunstâncias, porém não houve, a seu respeito, valoração negativa (quanto aos antecedentes, a sentença limitou-se a consignar que eram desfavoráveis ao réu). No julgamento do HC-37.367, sessão do dia 3.3.05, o meu voto foi acolhido. Há semelhança entre os casos, porque lá também estávamos diante de excesso de pena em caso de homicídio qualificado. Foi a ordem concedida, ocasião em que ajustamos a pena à realidade dos fatos. Aqui reputo, de igual modo, tratar-se de fundamentação insuficiente. Podendo, em conseqüência, anular a sentença, vou, contudo, qual o precedente, mais à frente, a fim de solucionar a pendência de uma vez por todas. Partindo das circunstâncias atendidas pela sentença, a minha proposta é no sentido de, para o crime de tráfico, fixar a pena-base em 6 (seis) anos de reclusão, dela diminuindo 1 (um) ano pela circunstância atenuante da confissão. Voto, pois, pela concessão da ordem a fim de reduzir a pena privativa de liberdade de 8 (oito) para 5 (cinco) anos, em definitivo. Quanto à multa, fixo-a em 90 (noventa) dias-multa.

 
EMENTA -
Pena-base (fixação). Circunstâncias (duas apenas). Cálculo (pena excessiva). Sentença (insuficiente fundamentação). 1. A sentença há de ter suficiente fundamentação quando do cálculo da pena. 2. O atendimento a apenas duas das circunstâncias a que alude o art. 59 do Cód. Penal não é o bastante para que se fixe a pena-base na metade da soma do mínimo com o máximo. Tal quantidade era um dos efeitos da denominada reincidência específica. 3. Caso de sentença sem suficiente fundamentação. 4. Habeas corpus concedido a fim de se fixar nova pena-base.

 
ACÓRDÃO -
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Hélio Quaglia Barbosa votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Medina. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti. Brasília, 3 de maio de 2005 (data do julgamento).

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