Habeas Corpus Nº 46.392/sp

Uso de documento falso. Prisão em flagrante. Instrução encerrada. Excesso de prazo para a prolação da sentença. Atraso injustificável.

Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima


RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA:
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado por ROBERTO ALBINO MONTEIRO, em causa própria - preso em flagrante e acusado da prática dos delitos previstos nos arts. 297 e 304 do Código Penal -, impugnando acórdão proferido pela Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que denegou a ordem ali impetrada (HC 2005.03.00.009106-2) com o objetivo de desconstituir o decreto prisional cautelar. Pretende, por meio deste writ, a concessão da ordem para que seja reconhecida a ocorrência de excesso de prazo para a conclusão da instrução criminal, determinando-se a expedição do seu alvará de soltura. Sustenta que possui endereço fixo e que não sabia da procedência duvidosa de seus documentos, pois confiou na pessoa do despachante que os providenciou. O pedido formulado em sede de cognição sumária foi por mim indeferido (fl. 6). As informações requisitadas foram prestadas pela autoridade apontada como coatora (fl. 17) e vieram acompanhadas de cópia do acórdão impugnado e de extrato de movimentação processual (fls. 18/23). O Ministério Público Federal, por meio do parecer exarado pelo Subprocurador-Geral da República ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS, opinou pela prejudicialidade da ordem (fls. 25/26). É o relatório.

 
 
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA (Relator):
Consta que o paciente foi preso em flagrante delito na data de 23/9/2004, permanecendo encarcerado até o presente momento. Em consulta ao endereço eletrônico do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, verifico que já foi encerrada a instrução criminal, estando os autos conclusos para prolação de sentença desde o dia 29/6/2005. Existiram sucessivas remessas dos autos ao Ministério Público Federal, tendo havido retorno ao Juízo em 22/9/2005, último andamento registrado. Desse modo, o princípio da razoabilidade, na hipótese, milita em favor do réu, uma vez que a prisão cautelar não pode perdurar por tempo indeterminado, sem que esteja demonstrada a sua necessidade. No caso, não me parece aceitável manter a custódia cautelar do paciente, que já ultrapassa 1 (um) ano, sem que a defesa tenha dado causa a essa demora indiscutivelmente excessiva. Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, julgando habeas corpus impetrado sob alegação de excesso de prazo de prisão cautelar, assim decidiu, verbis (HC 85.237-8/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 29/4/2005, Seção 1, p. 8): PROCESSO PENAL - PRISÃO CAUTELAR - EXCESSO DE PRAZO - INADMISSIBILIDADE - OFENSA AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (CF, ART. 1º, III) - TRANSGRESSÃO À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, LIV) - HABEAS CORPUS CONHECIDO EM PARTE E, NESSA PARTE, DEFERIDO. O EXCESSO DE PRAZO, MESMO TRATANDO-SE DE DELITO HEDIONDO (OU A ESTE EQUIPARADO), NÃO PODE SER TOLERADO, IMPONDO-SE, AO PODER JUDICIÁRIO, EM OBSÉQUIO AOS PRINCÍPIOS CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O IMEDIATO RELAXAMENTO DA PRISÃO CAUTELAR DO INDICIADO OU DO RÉU. - Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua segregação cautelar (RTJ 137/287 - RTJ 157/633 - RTJ 180/262-264 – RTJ 187/933-934), considerada a excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual do indiciado ou do réu, mesmo que se trate de crime hediondo ou de delito a este equiparado. - O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei. - A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência. - O indiciado ou o réu, quando configurado excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não podem permanecer expostos a tal situação de evidente abusividade, ainda que se cuide de pessoas acusadas da suposta prática de crime hediondo (Súmula 697/STF), sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal. Precedentes. A Súmula 52 desta Corte não constitui, no caso, óbice à concessão da ordem, considerando a situação concreta, pois não é possível, sob a sua orientação, dilatar excessivamente o prazo para sentenciar, sem que tal seja imputável ao denunciado, máxime após a superveniência do inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, oriunda da EC 45/2005, que preconiza, como garantia fundamental, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Pelo exposto, concedo a ordem impetrada, por força da excessiva e injustificada demora na prolação da sentença, que não pode ser atribuída à defesa, determinando a expedição de alvará de soltura, caso o paciente não se encontre preso por outro motivo. É como voto.

 
EMENTA -
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . USO DE DOCUMENTO FALSO. PRISÃO EM FLAGRANTE. INSTRUÇÃO ENCERRADA. EXCESSO DE PRAZO PARA A PROLAÇÃO DA SENTENÇA. ATRASO INJUSTIFICÁVEL QUE NÃO PODE SER ATRIBUÍDO À DEFESA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Constitui constrangimento ilegal a demora injustificável para a prolação da sentença, quando encerrada a instrução criminal, estando o réu preso cautelarmente. 2. O princípio da razoabilidade, na hipótese, milita em favor do réu, uma vez que a prisão cautelar não pode perdurar por tempo indeterminado, sem que esteja demonstrada a sua necessidade. 3. Ordem concedida, para a expedição do alvará de soltura, caso o paciente não esteja preso por outro motivo.

 
ACÓRDÃO -
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 08 de novembro de 2005 (Data do Julgamento)

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