Habeas Corpus Nº 48.300/rj

Advogado. Operação Monte Éden. Crimes contra o sistema financeiro, contra a ordem tributária, de lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e tráfico de influência. Alegada incompetência territorial do juízo federal do Rio de Janeiro em detrimento do de São Paulo, cidade sede do escritório e das atividades profissionais do paciente. Improcedência.

Rel. Min. Laurita Vaz


RELATÓRIO - EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:
Trata-se de habeas corpus , com pedido de liminar, impetrado em favor de NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA NEVES, em face de decisão da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Alegam os Impetrantes que o ora Paciente, conceituado advogado, sofre constrangimento ilegal decorrente da decretação de prisão preventiva, sem motivação idônea, exarada pelo Juízo Federal da 5ª Vara Criminal do Rio de Janeiro/RJ, nos autos da ação cautelar de busca e apreensão n.º 2005.51.01.503930-0, apensada aos autos da ação penal n.º 2004.51.01.530151-8, indevidamente mantida pela Corte Regional ao denegar o habeas corpus n.º 2005.02.01.007842-8. Consta que, em decorrência da ação investigatória da Polícia Federal na intitulada “Operação Monte Éden“, com ampla divulgação pela mídia nacional, foi o Paciente preso no dia 30 de junho de 2005, primeiramente em face do cumprimento de mandado de prisão temporária, que foi prorrogada e, posteriormente, convertida em prisão preventiva, em acolhimento à representação da autoridade policial, corroborada pelo Ministério Público Federal. Este é o terceiro de seis habeas corpus impetrado em favor do Paciente perante esta Corte. O primeiro, HC 46.635/RJ, se insurgia contra o indeferimento do pedido de liminar no habeas corpus originário. A petição foi por mim liminarmente indeferida, tendo sido confirmada a decisão em sede de agravo regimental pela Eg. Quinta Turma, que negou provimento ao recurso, em acórdão publicado em 17/10/2005. O segundo, HC 48.250/RJ, combate o superveniente acórdão prolatado pela Corte Regional, que denegou a ordem. Argüiram os Impetrantes, essencialmente, a ilegalidade da prisão preventiva, por falta de motivação idônea e por excesso de prazo. O writ foi levado a julgamento na sessão do dia 15/12/2005 e, após o voto divergente do Ministro Arnaldo Esteves, que concedia a ordem, pediu vista o Ministro Felix Fischer. No presente writ, alegam os Impetrantes, em suma, a incompetência absoluta do Juízo Federal processante, razão pela qual pedem a anulação de todos os atos por ele praticados, em especial o decreto de prisão preventiva. Argumentam nas extensas razões deduzidas na petição inicial que “o foro certo e definido para ajuizamento da ação penal é inegavelmente o da Comarca de São Paulo, e não o da Comarca do Rio de Janeiro, que é absolutamente incompetente, ratione loci, para julgar a ação penal movida contra o Paciente“ (fl. 29). Requerem, pois, a concessão de liminar para que seja o Paciente imediatamente posto em liberdade, bem como seja, desde logo, suspensa a ação penal n.º 2004.51.01.530151-8 em trâmite perante o Juízo Federal da 5ª Vara Criminal do Rio de Janeiro/RJ. No mérito, buscam a decretação de nulidade de todos os atos processuais, desde o recebimento da denúncia, com a remessa dos autos ao Juízo da Comarca de São Paulo/SP. O pedido de liminar foi indeferido nos termos da decisão de fls. 308/310. As judiciosas informações foram prestadas à fl. 314, com a juntada de peças processuais pertinentes à instrução do feito. O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 360/366, opinando pela denegação da ordem. É o relatório.

 
VOTO - EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):
A insurgência deduzida se resume na alegação de que “o foro certo e definido para ajuizamento da ação penal é inegavelmente o da Comarca de São Paulo, e não o da Comarca do Rio de Janeiro, que é absolutamente incompetente, ratione loci, para julgar a ação penal movida contra o Paciente“ (fl. 29). Os Impetrantes argumentam o seguinte: “Em março de 2004, por ordem do MM. Juízo Federal da 1ª Vara da Comarca de Campos dos Goytacazes do Rio de Janeiro foram expedidos diversos mandados de prisão e de busca e apreensão, todos por ocasião do inquérito policial registrado sob o n.º 2003.51.03.002443-1, que tinha por escopo apurar supostos crimes de autoria de Antônio Carlos Chebabe, todos eles relacionados à adulteração de combustíveis e outras fraudes neste sentido, vez que o referido Antônio Carlos Chebabe é empresário do ramo de distribuição e transporte de combustíveis. Contudo, na data de 04 de março de 2004, em decorrência do cumprimento de um dos mandados de busca e apreensão acima referidos, policiais federais dirigiram-se ao escritório de advocacia de titularidade do Paciente, sendo fato público e notório que o mesmo se encontra estabelecido na Alameda Santos, n.º 2400, São Paulo, como faz prova o incluso cartão de visitas, anexado ao presente writ a título ilustrativo e comprobatório (doc. 10), com a finalidade de apreender documentos, arquivos de computadores e material que se referissem especificamente ao aludido Antônio Carlos Chebabe. Esclareça-se, de plano, que Antônio Carlos Chebabe era apenas e tão somente cliente do escritório de advocacia “Oliveira Neves & Associados“, de titularidade do Paciente, sendo que cumpre ressaltar que os delitos em tese perpetrados pelo mencionado Antônio Carlos Chebabe não se relacionam, de forma alguma, de qualquer ângulo que se observe, com os eventuais crimes injustamente imputados ao Paciente, que, se algum dia ocorreram, teriam sido supostamente praticados na Comarca de São Paulo, como será inquestionavelmente comprovado adiante, ao contrário dos crimes em tese perpetrados pelo referido Antônio Carlos Chebabe, que certamente teriam sido empreendidos no Estado do Rio de Janeiro. [...] os crimes em tese praticados por Antônio Carlos Chebabe jamais se confundiram ou tiveram alguma relação ou nexo causal de qualquer natureza com os delitos supostamente empreendidos pelo Paciente, a uma porque os supostos ilícitos praticados por Antônio Carlos Chebabe comprovadamente deram-se, exclusivamente, no Estado do Rio de Janeiro, sendo especificamente ligados à adulteração de combustíveis e fraudes desta natureza, a duas, porque os supostos crimes injustamente imputados ao Paciente pelo Parquet federal, além de nenhuma relação terem com os delitos em tese praticados por Antônio Carlos Chebabe, consoante depreende-se da confusa peça acusatória, se eventualmente ocorreram, foram todos, incontestavelmente, em tese, perpetrados a partir e através do escritório de advocacia de titularidade do Paciente, que, como comprovam os vastos documentos carreados na referida ação penal na qual o mesmo figura como co-réu, inquestionavelmente é estabelecido em São Paulo/SP. Do exposto, é de rigor concluir que, após o supra referido cumprimento do mandado de busca e apreensão de documentos relacionados a Antônio Carlos Chebabe, efetuado no interior do escritório de advocacia de titularidade do Paciente, se fossem observadas as normas legais de competência, a Polícia Federal que apreendeu a documentação acima mencionada deveria ter remetido os elementos daquela investigação à Superintendência da Polícia Federal de São Paulo, órgão competente para investigar supostas atividades ilícitas empreendidas através do escritório de advocacia de titularidade do Paciente. Entretanto, por algum motivo inexplicável, de forma temerária e contra legem, a Autoridade Policial que presidia a citada investigação policial, entendeu por bem instaurar o Inquérito Policial nº 2004.51.01.530151-8, para apurar eventuais ilícitos penais cometidos a partir do escritório de advocacia de titularidade do Paciente no próprio Rio de Janeiro/RJ, inquérito este que posteriormente originou a ação penal registrada sob o número, onde figura o Paciente como co-réu, em curso perante a 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro/RJ.“ (fls. 08/11) Sustentam, assim, que não há ligação entre as supostas ações delituosas perpetradas, no Rio de Janeiro, pela organização criminosa denominada “Rede Chebabe“ e os delitos em tese cometidos pelo ora Paciente, cuja sede do escritório e de suas atividades profissionais estão na cidade de São Paulo. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região rejeitou os argumentos da impetração e denegou a ordem, afastando a argüição de incompetência do Juízo Federal da 5ª Vara Criminal do Rio de Janeiro/RJ. A propósito, extrai-se do acórdão o seguinte excerto: “Preliminarmente, pretendem os impetrantes seja reconhecida a incompetência da autoridade judiciária reputada coatora em favor do MM. Juízo da 1ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo, nos termos do art. 70, inciso I, em interpretação conjunta com o artigo 564, inciso I, ambos do Código de Processo Penal, ao argumento de que o inquérito originário de nº 2005.51.01503930-0 e a denúncia veiculada nos autos de nº 2004.51.01.5300151-8 foram deflagrados com o escopo de apurar supostas condutas ilícitas praticadas no Estado de São Paulo por funcionários do escritório de advocacia OLIVEIRA NEVES, consistentes na manutenção e criação de sociedades empresárias estrangeiras voltadas à dissimulação da propriedade real de bens e valores (serviços de “blindagem patrimonial“). Em abono, aduzem ainda que a totalidade dos réus reside em São Paulo, como também a maioria das testemunhas de defesa porventura indicadas, o que conduz a larga produção de prova oral perante Juízo diverso do processante. Desse modo, requer seja declarada a nulidade da decisão que recebeu a denúncia, bem como da decisão que decretou a prisão preventiva do paciente, com a conseqüente expedição de alvará de soltura em seu favor. A propósito, esclareceu a MM. Juíza da 5ª Vara Criminal, Drª Ana Paula Rodrigues Mathias, em sede de informações prestadas às fls. 246-248, que na data de 23 de novembro de 2004, por ocasião da análise de representação da autoridade policial endereçada aquele Juízo, à época o único especializado no julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro e contra o Sistema Financeiro, foram deferidas as medidas cautelares de quebra de sigilo de dados cadastrais, de interceptação telefônica e telemática, com o escopo de prosseguir nas investigações de crimes de lavagem de dinheiro supostamente imputáveis à Rede Chebabe, praticados com a colaboração de integrantes do escritório de Advocacia Oliveira Neves, consistente na manutenção e administração de empresas fictícias estrangeiras em prol da mencionada Rede. Prorrogadas por diversas vezes as medidas investigatórias antes mencionadas, foi possível à Autoridade Policial amealhar indícios de que o próprio escritório de advocacia Oliveira Neves também utilizava a criação das denominadas SAFI's (Sociedades Anônimas Financeiras de Investimentos) em benefício próprio, ou seja, ocultando o patrimônio de seus integrantes, e ainda oferecendo os respectivos “serviços“ de blindagem, proteção, ocultação patrimonial a “clientes“, por meio de palestras e jornais. Em suma, as investigações lograram desbaratar, além do empreendimento criminoso imputável a NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA NEVES e demais integrantes do referido escritório, os esquemas de alguns clientes, cujas ações penais respectivas pendem ainda dos desdobramentos das medidas de busca e apreensão já decretadas. Com efeito, é de conhecimento das autoridades públicas a deflagração de apuratório criminal nominado Operação 1203, submetido ao MM. Juízo Federal da 1ª Vara de Campos dos Goytacazes, com escopo de investigar condutas em tese típicas relacionadas à adulteração de combustíveis, imputáveis a REDE CHEBABE, sob a direção intelectual de ANTÔNIO CARLOS CHEBABE. A referida investigação, no entanto, apontou ainda indícios de atuação conjunta entre o escritório OLIVERA NEVES e a REDE CHEBABE na criação e manutenção de empresas no exterior, mediante a utilização de terceiros “laranjas“, com o intuito de garantir a ocultação da real titularidade de bens e valores de membros desta última; fatos esses que justificaram a instauração de inquérito autônomo, sob n.º 2005.51.01503930-0, distribuído ao Juízo da 5ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, à época o único especializado no julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro e contra o Sistema Financeiro. Ocorre, contudo, que as medidas cautelares de índole probatória decretadas nos autos do inquérito de n.º 2005.51.01503930-0 revelaram que o expediente acima narrado, e que envolvia, em síntese, a criação de sociedades empresárias com o escopo de mascarar a real titularidade de bens e valores, era desempenhado não apenas em benefício da REDE CHEBABE, mas também em prol de outros clientes dos serviços de 'blindagem patrimonial' e ainda em favor de organização criminosa alegadamente gerida pelo paciente NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA NEVES, estas últimas condutas cometidas em tese no município de São Paulo, na sede do mencionado escritório de advocacia. Cumpre anotar, de imediato que a denúncia veiculada nos autos de n.º 2004.51.01.530151-8 (processo originário) tende a apurar, tão-somente, “o esquema de 'blindagem patrimonial' efetuado em favor da própria organização criminosa gerida por NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA NEVES, a fim de dissimular seu extenso acervo patrimonial, transferindo-o para empresas de fachada e laranjas, muito dos quais os próprios funcionários do escritório de advocacia, que emprestavam seus nomes para serem utilizados em tais práticas ilícitas“ (fls. 38 da denúncia). Há, portanto, uma multiplicidade de fatos em tese típicos. Nesse ponto, tenho para mim que a questão concernente à competência de Juízo envolve necessariamente a análise de conexão eventualmente existente entre o esquema de “blindagem patrimonial“ efetuado em favor da própria organização criminosa gerida por NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA NEVES, sob a direção intelectual do paciente; a ocultação de titularidade de bens e valores em prol da REDE CHEBABE e os delitos relacionados à adulteração de combustíveis supostamente praticados por ANTÔNIO CARLOS CHEBABE. Acerca da conexão anota Eugênio Pacelli de Oliveira (Curso de Processo Penal, 5ª edição Revista e Ampliada – Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 240): A realidade dos fenômenos da vida nos mostra que pode haver, entre dois ou mais fatos de relevância penal, alguma espécie de liame, de ligação, seja de natureza subjetiva, no campo das intenções, motivações e de dolo, seja ainda de natureza objetiva, em referência às circunstâncias de fato, como sejam, o lugar, o tempo e o modo de execução da conduta delituosa. Em uma palavra, pode haver entre eles conexão, hipóteses concretas de aproximação entre um e outro evento, a estabelecer entre eles um ponto de afinidade, de contato ou de influência na respectiva apuração. No caso dos autos, vislumbro, ao menos, a existência de liame instrumental entre os fatos mencionados, sem prejuízo de outros fatores de conexão, subjetivos ou objetivos, a serem porventura constatados a partir da análise detida dos respectivos autos principais. Com efeito, em um momento inicial verificou-se o envolvimento entre membros do escritório de advocacia OLIVEIRA NEVES e integrantes da REDE CHEBABE. Com o evoluir das investigações foram acrescidos novos dados, que justificaram apuração autônoma e a propositura de denúncia nos autos originários do presente habeas corpus. Ou em outras palavras: houve uma intensa investigação, frise-se, não foi uma investigação pontual, em relação ao grupo Chebabe por fatos relacionadas à adulteração de combustíveis; sendo certo que com o desenrolar chegou-se à notícia de que havia uma assistência jurídica prestada para a REDE CHEBABE sob a forma de blindagem patrimonial e, por fim, intensificadas as apurações constatou-se que a referida “blindagem“ patrimonial não se dava só com o Grupo Chebabe, aplicando-se também ao próprio escritório. Não se ignora que os fatos não são idênticos e possuem existência material e punibilidade autônomas (o que é da essência da conexão, afinal fossem as mesmas as condutas sequer poderíamos falar em conexão), contudo - e daí advém o liame – há entre eles flagrante ponto em comum, a saber: pouco importando quais sejam os beneficiados, a operacionalização do esquema de ocultação patrimonial é imputada ao escritório de advocacia OLIVEIRA NEVES, sob a direção intelectual do paciente. Daí por que a atividade instrutória encontra-se amalgamada; em suma, a prova de um fato influencia na demonstração do outro (art. 76, inciso III do Código de Processo Penal). Assim, entendo que a apuração conjunta dos referidos acontecimentos, perante o MM. Juízo da 5ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, permite uma melhor compreensão de suas dinâmicas, bem como evita decisões contraditórias. Vê-se, portanto, que estando em jogo a tutela imediata dos processos em curso, de modo a se assegurar um provimento judicial final o mais acertado possível, a competência firmada em decorrência da conexão pauta-se em critério absoluto. Acrescente-se que a competência da autoridade impetrada decorre ainda da prevenção, firmada nos termos do art. 83 do Código de Processo Penal, haja vista o referido Juízo ter se antecipado licitamente em relação a qualquer outro igualmente competente, no conhecimento formal e oficial dos fatos criminosos objeto de apuração, por ocasião do deferimento das cautelares retromencionadas (Inquérito Policial nº 2005.51.01503930-0 e medidas cautelares apensadas). Isto posto, consoante fundamentação acima expendida, rejeito a argüição preliminarmente aduzida pelo impetrante, e declaro a competência absoluta do MM. Juízo da 5ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro.“ Pelo que se infere do acórdão atacado, há evidente conexão entre alguns dos crimes em apuração cometidos, em tese, por integrantes da “Rede Chebabe“ e pelo escritório de advocacia liderado pelo ora Paciente. Este, segundo as investigações preliminares, prestava seus serviços de “blindagem“ patrimonial para proteção de numerário pertencente à dita organização criminosa. No decorrer das diligências investigatórias, logrou-se identificar outros “clientes“ da atividade desenvolvida pelo escritório de advocacia, apontando para a necessidade de uma persecução criminal distinta. Nesse contexto, caracterizado o liame entre os fatos em apuração, resta evidenciada a conexão, a recomendar a unificação da investigação e do processamento judicial dos supostos envolvidos nos crimes. O parecer ministerial da lavra do eminente Procurador Regional da República, em exercício perante esta Corte, Dr. Paulo Gustavo Gonet corrobora esse entendimento, in verbis : “Como se pode observar, o inquérito policial recolheu indícios da atuação do paciente voltada para favorecer as operações da rede Chebabe, apontadas como delituosas. A rede de adulteração de combustíveis estaria valendo-se dos serviços coordenados pelo paciente para ocultar o extenso patrimônio obtido com a atividade delituosa. A conexão entre os delitos de que cuidam os autos fica assim evidenciada. Nessas circunstâncias, ainda que os crimes atribuídos ao paciente tenham ocorrido na sede do escritório Oliveira Neves, no Estado de São Paulo, a interligação entre estes e os que se deram no Estado do Rio de Janeiro não pode ser desprezada e justifica a apuração conjunta. Quanto à prevenção da Justiça Federal no Estado do Rio de Janeiro, esta ocorreu em razão da precedência na autorização dos atos investigatórios, o que torna a Seção Judiciária fluminense foro próprio para a realização dos demais atos processuais em curso, nos termos do artigo 83, do Código de Processo Penal, que dispõe: “Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa.“ Ademais, ainda que houvesse questão relevante sobre competência a ser deslindada, o problema se resolveria no âmbito da competência territorial, que é relativa, conforme antecipou a insigne Ministra Relatora, ao indeferir a liminar solicitada. Não haveria, assim, a nulidade absoluta reclamada pelo impetrante. Não se demonstrou, pois, constrangimento ilegal passível de ser corrigido por habeas corpus neste momento.“ (fls. 365/366) Ante o exposto, DENEGO a ordem.

 
VOTO-VISTA - MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA:
Como se viu do relatório lançado aos autos pela eminente Min. LAURITA VAZ, cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA NEVES impugnando acórdão da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (HC 2005.02.01.007842-8), que, afastando a argüição de incompetência do Juízo Federal da 5ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, para processar e julgar a ação penal instaurada em decorrência do Inquérito Policial nº 2005.51.01.503930-0 (fls. 93/255), manteve a decisão relativa ao recebimento da denúncia (fl. 92), bem como aquela que decretou a prisão preventiva do aludido paciente (fls. 299/301). Conforme consignado pela ilustre Relatora, pretendem os impetrantes nestes autos a concessão da ordem de habeas corpus , para que seja reconhecida, de plano, a incompetência do Juízo processante, bem como “decretada a nulidade absoluta da referida ação penal, desde o recebimento de sua denúncia“ (fls. 45/46), com a remessa dos autos à Seccional de São Paulo. Acolho integralmente, como razões de decidir, os termos do voto proferido pela eminente Min. LAURITA VAZ, a quem coube a relatoria destes autos. Com efeito, verifica-se que, com o objetivo de apurar a prática de delitos relacionados com a adulteração de combustíveis atribuídos à REDE CHEBABE, as investigações submetidas ao Juízo Federal da 1ª Vara de Campos dos Goytacazes/RJ apontaram indícios de atuação conjunta entre o escritório do paciente e a rede investigada na prática de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem de dinheiro, que levaram à instauração de inquérito policial submetido ao Juízo Federal da 5ª Vara Criminal da Seccional do Rio de Janeiro, à época, único especializado nesses delitos. Contudo, em decorrência das mencionadas investigações, que exigiram a decretação de várias medidas cautelares, como busca e apreensão e prisão temporária, apurou-se que os crimes praticados com o objetivo de ocultar bens e valores beneficiavam não apenas a REDE CHEBABE, mas o próprio escritório de advocacia do paciente, com a participação de seus integrantes, bem como vários de seus clientes interessados no denominado sistema de blindagem patrimonial, levando à instauração de inquérito policial autônomo, em face da multiplicidade de fatos em tese típicos e a diversidade de agentes. Portanto, mesmo que os fatos apurados no Inquérito Policial nº 2005.51.01.503930-0 digam respeito apenas ao próprio escritório de advocacia do paciente, não há como negar a ligação tanto de natureza subjetiva como também objetiva que envolve os crimes tributários, de lavagem de dinheiro e contra o Sistema Financeiro Nacional em apuração nas ações penais instauradas contra o paciente e Antônio Carlos Chebabe, responsável pela REDE CHEBABE, incidindo, na hipótese, o disposto no art. 76, inc. III, do Código de Processo Penal, redigido nos seguintes termos: Art. 76. A competência será determinada pela conexão: (...) III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração. Ademais, afastar a conexão sustentada pelo Juízo processante, quando prestou as informações à autoridade apontada como coatora nestes autos, depende do exame e valoração das provas produzidas até este momento, para ver até que ponto o conjunto probatório relativo aos eventuais crimes atribuídos à REDE CHEBABE encontra-se interligado aos imputados ao escritório de advocacia do ora paciente, o que é inviável na via eleita. Por fim, não há como desconsiderar o disposto no art. 109 do Código de Processo Penal, no sentido de que: “Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte, prosseguindo-se na forma do artigo anterior“. Pelo exposto, acompanho a eminente Relatora, para denegar a ordem impetrada. É como voto.

 
EMENTA -
HABEAS CORPUS . ADVOGADO. OPERAÇÃO “MONTE ÉDEN“. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO, CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, DE LAVAGEM DE DINHEIRO, FALSIDADE IDEOLÓGICA E TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ALEGADA INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL DO JUÍZO FEDERAL DO RIO DE JANEIRO EM DETRIMENTO DO DE SÃO PAULO, CIDADE SEDE DO ESCRITÓRIO E DAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS DO PACIENTE. IMPROCEDÊNCIA. 1. Há evidente conexão entre alguns dos crimes em apuração cometidos, em tese, por integrantes da “Rede Chebabe“ e pelo escritório de advocacia liderado pelo ora Paciente. Este, segundo as investigações preliminares, prestava seus serviços de “blindagem“ patrimonial para proteção de numerário pertencente à dita organização criminosa. No decorrer das diligências investigatórias, logrou-se identificar outros “clientes“ da atividade desenvolvida pelo escritório de advocacia, apontando para a necessidade de uma persecução criminal distinta. Nesse contexto, caracterizado o liame entre os fatos em apuração, resta evidenciada a conexão, a recomendar a unificação da investigação e do processamento judicial dos supostos envolvidos nos crimes. 2. Ordem denegada.
 
ACÓRDÃO -
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora. SUSTENTOU ORALMENTE EM 02/02/2006: DR. CARLOS ELY ELUF (P/ PACTE). Brasília (DF), 07 de março de 2006 (Data do Julgamento)

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