O HERMENEUTICÍDIO E A NOSSA INTIMIDADE COM O ABSURDO

Por Alexandre José Trovão Brito -  

Os limites da minha compreensão das coisas e do mundo são os limites da minha interpretação. Somos seres interpretativos por natureza. Os significados das coisas estão aí, ao alcance de todos. Basta buscar e analisar tais significados para que possamos alcançar eles.

A hermenêutica é o campo do saber humano que se preocupa com a interpretação e a fixação dos sentidos dos textos, sejam eles religiosos, literários ou jurídicos. Ser um hermeneuta é, acima de tudo, saber que o mundo está em constante compreensão/interpretação.

A lei, o Direito e a nossa constituição são os instrumentais que os nossos profissionais jurídicos dispõem para realizar a sua tarefa de interpretar e aplicar a norma ao caso concreto. A hermenêutica é a ponte que viabiliza essa interpretatio e essa applicatio. Ela é a condição de possibilidade para isso.

Contudo, em terras tupiniquins estamos assistindo ao que eu chamo de hermeneuticídio, ou seja, a morte sistemática da hermenêutica. O que pretendo dizer com isso? Simples. Desejo anunciar que a hermenêutica, matéria tão importante nos cursos jurídicos, está sofrendo um processo de apagamento e invisibilização por parte do nosso establishment jurídico.

O alunato brasileiro, pelo menos boa parcela dele, enxerga a hermenêutica apenas como uma disciplina que compõe a grade curricular do curso de Direito ou como uma matéria que apenas serve para passar de período. Infelizmente, essa é uma realidade e precisa ser denunciada.

A Filosofia do Direito também é vista desse modo. Trata-se de uma cadeira que não é valorizada pelos alunos e ainda é relegada a uma espécie de periferia dos saberes jurídicos. Trabalhar com Filosofia no Brasil não é uma atividade fácil. Pensar o Direito também não. Estamos acostumados a manuais simplificados, a professores que reduzem a teoria do Direito a macetes e, agora, ao visual law, a simplificação da simplificação.

Tempos estranhos. Os nossos intérpretes da lei, ao mesmo tempo em que possuem uma importância muito grande para a nossa prática jurídica, são vistos como simples engrenagens do sistema jurídico. Admito que nem só de Filosofia vive o jurista, mas precisamos dela para nos apoiarmos na boa interpretação/aplicação na norma jurídica.

O hermeneuticídio é um crime de lesa-epistemologia, ou seja, ofende de forma mortal a boa teoria do Direito. Não podemos compactuar com esse estado de coisas anti-hermenêutico, ou seja, a violação generalizada da interpretação dos nossos códigos legais e da nossa Constituição. Mas a pergunta que deve ser feita: por que aceitamos tudo isso? Porque temos uma intimidade muito grande com o absurdo. É a nossa latinidade.

Toda essa desconstrução hermenêutica teve como resultado mais notório a ascensão do protagonismo judicial, isto é, a atuação dos nossos juízes com suporte em suas visões particulares de mundo. A voz da toga não pode derrubar a voz das leis. Ambas devem atuar em conjunto para a realização de um concerto constitucional.

A minha proposta é resgatar a importância da Filosofia do Direito e da hermenêutica no campo universitário, o estudo disciplinado da matéria, o reconhecimento de seu status como ciência jurídica indispensável para o mundo jurídico e a tomada de consciência dos profissionais do Direito para a boa interpretação/aplicação das leis e da Constituição. Essa é a nossa salvação enquanto intérpretes e aplicadores da ordem jurídica.

 

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