Relator e revisor votam para condenar Nelson Meurer por corrupção passiva e lavagem de dinheiro

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta terça-feira (22) o julgamento da Ação Penal (AP) 996. O relator, ministro Edson Fachin, votou no sentido de condenar o deputado federal Nelson Meurer (PP/PR) pela prática dos crimes de corrução passiva (artigo 317, parágrafo 1º, do Código Penal) e lavagem de dinheiro (artigo 1º, caput, da Lei 9.613/1998), e também se manifestou pela condenação dos filhos do parlamentar, Nelson Meurer Junior e Cristiano Augusto Meurer, por corrução passiva. Após o voto do revisor, ministro Celso de Mello, que acompanhou o relator, o julgamento foi suspenso com previsão de retomada na próxima terça-feira (29).

O julgamento teve início na sessão da última terça-feira (15), quando o ministro leu o relatório e foram realizadas as sustentações do Ministério Público Federal (órgão acusador) e das defesas dos réus.

Questões preliminares

Antes do voto de mérito do relator, os ministros da Segunda Turma rejeitaram, por unanimidade, seis questões preliminares suscitadas pela defesa de Nelson Meurer que diziam respeito a eventuais atos de cerceamento de defesa cometidos ao longo da condução do processo, relativos à concessão de prazos diferenciados para defesa e acusação para apresentação das alegações finais, à substituição e à oitiva de novas testemunhas, à produção de prova pericial destinada a aferir a valorização de imóvel localizado no Município de Francisco Beltrão (PR), à necessidade de julgamento conjunto da ação penal com as acusações formuladas nos Inquéritos (NQ) 3989 e 3980, em função de alegada identidade dos fatos narrados nas respectivas investigações, e à suposta violação ao devido processo legal com a quebra da paridade de armas decorrente do acolhimento da contradita do Ministério Público Federal (MPF) à testemunha João Alberto Pizzolatti Jr., ouvido na qualidade de informante.

Acusação

Como consequência das investigações da Polícia Federal na Operação Lava-Jato, o MPF denunciou Nelson Meurer por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. De acordo com a acusação, com a ajuda de seus filhos, o parlamentar, que integrava a cúpula do Partido Progressista (PP), teria recebido vantagens indevidas para dar apoio político à manutenção de Paulo Roberto Costa na Diretoria de Abastecimento da Petrobras com o objetivo de dar continuidade ao cartel de empreiteiras formado no órgão.

Voto do relator

O ministro Edson Fachin iniciou seu voto lembrando que o delito de corrupção passiva pressupõe que a vantagem indevida represente contrapartida a uma atuação em desvio de finalidade para atender aos anseios do corruptor. De acordo com o relator, atuação ilegítima é ato de ofício apto a tipificar o crime de corrupção passiva.

Um ponto comum da acusação é que os valores ilícitos percebidos por Meurer seriam contraprestação a seu apoio político, em razão da atividade parlamentar exercida, para a manutenção de Paulo Roberto Costa na Diretoria de Abastecimento da Petrobras. De acordo com o ministro, a atividade parlamentar não mais se resume à apreciação de atos legislativos, mas abrange a participação ativa nas decisões de governo – o que levou à expressão “presidencialismo de coalizão”. Assim, dizer que não cabe ao parlamentar indicar nomes é uma afirmativa desconectada da realidade. Contudo, ao receber dinheiro como contraprestação a apoio político, o parlamentar estará, segundo Fachin, “mercadejando” uma de suas principais funções, que é a de fiscalizar os atos da administração pública. “Não se trata de querer criminalizar a atividade político-partidária, mas sim de responsabilizar, nos termos da lei, os atos ou omissões que transbordam esse limite do exercício legítimo da representação popular”, frisou.

Distribuição de cargos

Em seu voto, o relator considerou que o conjunto probatório demonstrou que, na distribuição de cargos, o PP detinha o poder de indicação do nome que ocuparia a Diretoria de Abastecimento e que, ao contrário do que tentou fazer crer a defesa, Nelson Meurer exercia suas prerrogativas com protagonismo, principalmente após a morte do líder anterior da bancada, o deputado José Janene. Nesse sentido, o relator citou depoimento de testemunha que confirmou a proeminência de seu papel na condução dos assuntos partidários.

Sendo certo que competia ao PP a indicação do nome para a diretoria, o relator constatou que a sustentação política dada por Nelson Meurer em favor da manutenção de Paulo Roberto Costa pode ser caracterizada como ato de ofício exercido pelo denunciado. Para o relator, as provas demonstram que, em parte dos fatos apontados pelo Ministério Público Federal, houve atuação desviada do deputado no exercício da atividade parlamentar.

Corrupção passiva

Para Fachin, provas robustas demonstram o recebimento periódico de vantagens indevidas, para o qual Nelson Meurer chegou a contar, em algumas vezes, com o auxílio de seus filhos. De acordo com o ministro, os valores eram oriundos da caixa de propinas do PP, que, por sua vez, era abastecida por contratos espúrios firmados entre a Petrobras – por meio da diretoria de abastecimento – e as empreiteiras cartelizadas. Essas vantagens eram disponibilizadas a Nelson Meurer por Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef.

Fachin assinalou que existem nos autos depoimentos “uníssonos, coesos e firmes” de colaboradores premiados e testemunhas que confirmam essa conclusão. Citou, ainda, outros elementos de provas (informações telefônicas, sobre viagens, estadas em hotéis e dados bancários obtidos a partir da quebra – autorizada judicialmente – do sigilo de Meurer) que comprovam pagamentos ao deputado federal feitos por Carlos Habib Chater, no Posto da Torre, em Brasília, e pelo advogado Antonio Carlos Brasil Fioravanti Pieruccini nas cidades de Francisco Beltrão e Curitiba (PR), nestes casos feitos por meio de Nelson Meurer Júnior e Cristiano Meurer.

A contabilidade mantida por Chater - encontrada pela autoridade policial durante diligência - aponta pagamentos que bateram com dados obtidos a partir da quebra do sigilo bancário do parlamentar, citou como exemplo o ministro, que entendeu não restarem dúvidas de que Nelson Meurer recebeu vantagens indevidas em pelo menos 30 oportunidades, sendo que em cinco dessas vezes contou com o auxílio dos filhos.

Doação eleitoral

A denúncia aponta ainda que a doação eleitoral feita a Nelson Meurer pela empresa Queiroz Galvão em 2010 seria também vantagem indevida, para garantir seu apoio à permanência de Paulo Roberto Costa na Petrobras. Fachin afastou, inicialmente, a alegação de que uma doação eleitoral, uma vez declarada à Justiça Eleitoral, não seria meio apto a configurar o delito de corrupção passiva. Para o relator, a doação deve espelhar a livre manifestação da vontade do doador. “Se os motivos que derem ensejo à doação violarem determinado bem jurídico tutelado, o fato de a doação ser registrada e chancelada pela Justiça não afasta incidência do tipo penal”, explicou.

No caso da doação da Queiroz Galvão para a campanha eleitoral de 2010, o ministro disse ter ficado provado que se tratou de um negócio jurídico simulado para encobrir verdadeira finalidade da transferência de recursos, que seria a de pagar vantagem indevida com vistas a manter o cartel de empreiteiras no âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras.

Lavagem de dinheiro

Quanto à acusação da prática do crime de lavagem de dinheiro, o relator disse que o depósito fracionado do dinheiro recebido via Posto da Torre em valores que não alertam as autoridades monetárias é uma forma de ocultar a origem das quantias recebidas. O ministro também considerou que as informações prestadas em declarações de ajuste anual de Imposto de Renda pelo parlamentar eram uma forma de tentar dar um ar de licitude a um patrimônio que, na verdade, era oriundo de práticas delituosas. Segundo Fachin, as informações constantes das declarações de renda e da Receita Federal, quando comparadas com dados obtidos a partir da quebra de seu sigilo, revelam uma movimentação muito superior aos rendimentos recebidos pelo parlamentar de fontes declaradas entre 2010 e 2014.

O relator julgou procedente em parte a denúncia para condenar Nelson Meurer como incurso nas sanções do artigo 317, parágrafo 1º, do Código Penal (corrupção passiva) por 31 vezes, bem como nas sanções do artigo 1º, caput, da Lei 9.613/1998 (lavagem de dinheiro) por oito vezes. Fachin votou, ainda, pela condenação por corrupção passiva de Nelson Meurer Júnior, por cinco vezes, e de Cristiano Augusto Meurer, por uma vez.

Juízo de absolvição

Quanto às demais imputações referentes a atos de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por participação em todos os 161 contratos tidos por ilícitos firmados por Paulo Roberto Costa, bem como no recebimento de R$ 4 milhões de Alberto Youssef, o relator votou pela absolvição do parlamentar. Para Fachin, nesses dois pontos, o MPF não produziu provas suficientes da atuação indevida de Nelson Meurer. Por fim, o relator também votou para absolver o parlamentar pelo crime de lavagem de dinheiro relativo aos demais valores recebidos em espécie.

Revisor

O ministro Celso de Mello, revisor da AP 996, seguiu integralmente o relator pelo acolhimento parcial da denúncia no sentido da condenação de Nelson Meurer pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro e de seus filhos por corrupção passiva, nos termos propostos pelo ministro Fachin. O decano do STF lembrou que o caso em julgamento corresponde apenas a uma fração das ações apuradas no âmbito da Operação Lava-Jato. O “contexto de delinquência” revelado pela operação é, na sua avaliação, "um dos episódios mais vergonhosos da história política do país, tão ou muito mais grave do que os substanciados no mensalão".

Celso de Mello assinalou que não se trata de incriminar a atividade política, mas de punir políticos incapazes de exercê-la com integridade e interesse público. O ministro reputou particularmente grave "o atrevimento e a gravíssima ofensa à legislação penal" consistente no uso do próprio aparelho estatal para, por meio da Justiça Eleitoral e de fraude no procedimento de prestação de contas, tentar atribuir aparência de legitimidade a doações oriundas de recursos financeiros "manchados na origem pela nota da delituosidade".

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Processos relacionados
AP 996

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