Beber e dirigir é crime ou infração administrativa?

Luiz Flávio Gomes -

Beber e dirigir é, desde logo, uma infração administrativa (Código de Trânsito, art. 165). Com base na experiência, sabe-se que álcool e direção de veículo não combinam (porque gera muitos danos e muitas mortes). No Brasil (que tem uma das 12 legislações mais rigorosas do mundo) ninguém está autorizado e beber e dirigir, porque isso representa um perigo para todos. A infração administrativa significa quase R$ 2 mil de multa, um ano sem carteira e apreensão do veículo.

Beber e dirigir de forma anormal (ziguezague, subir calçada, entrar na contramão, passar sinal vermelho, bater em outro veículo, dirigir muito lentamente etc.), por influência do álcool ou outra substância, é crime (CTB, art. 306), porque agora o motorista comprova não só que bebeu, mais que isso: que dirigia influenciado pela bebida, com alteração da capacidade psicomotora. Uma coisa, portanto, é beber e dirigir sem nenhuma influência do álcool (isso é infração administrativa). Outra distinta é beber e dirigir sob a influência do álcool, porém, não presumida, mas comprovada efetivamente com uma condução anormal.

Não podemos confundir a condução etílica (infração administrativa) com a condução sob a influência etílica (crime). No campo criminal, em virtude da sanção prevista (prisão, de 6 meses a 3 anos), não podemos trabalhar com presunções abstratas (isso se faz no campo do direito administrativo). No campo penal temos sempre que provar um efetivo (real) perigo.

O efetivo perigo exigido pelo art. 306 está na forma de dirigir o veículo (direção anormal), sem necessidade de nenhuma vítima concreta (uma pessoa quase foi atropelada, um carro que quase foi atingido etc.). Tecnicamente isso se chama crime de perigo abstrato de perigosidade real (o motorista tem que revelar objetivamente, empiricamente, uma condução perigosa, sob influência do álcool ou outra substância: ziguezague, contramão etc.). Se isso não acontece, enquadra-se na infração administrativa. Comprovando-se a perigosidade real (decorrente da influência do álcool) prova-se, ao mesmo tempo, uma diminuição da segurança viária. Diminuição concreta, real (não presumida).

De qualquer modo, quem bebe e dirige não escapa (se surpreendido pelas autoridades e seus agentes). Os jornalistas, radialistas e sectários da “mão de ferro” falam grosso: “o bandido morfético que bebe e dirige deve ser punido exemplarmente”. Muitos que usam essa linguagem de guerra, que são adeptos das “bancadas da bala”, fazem à noite o que reprovam na manhã seguinte. Porque muitos humanos se dividem em dois: a pessoa que ele é (o filho, o pai, o agente social que é) e o papel social que ele cumpre. Eles conseguem separar o teatro da vida. Vivem de uma maneira e, no palco, atuam de outra forma. É um humano e um personagem. Em cada momento comporta-se de uma maneira. É isso que explica o paradoxo do pai corrupto que dá lição de moral ao filho; o pai que bebe e dirige e diz para seus filhos não fazerem isso ou aquilo. Esquecem que é o exemplo que predica, não o discurso.

Como se vê, nós não temos problemas de legislação. Se as mortes no Brasil continuam aumentando (já 45 mil em 2012), isso deve ser atribuído a outros fatores, como: Educação (praticamente inexistente no ensino fundamental e médio), da qual deriva a Conscientização do motorista (de que deve respeitar todas as pessoas), Engenharia (dos carros, das estradas e das ruas), Fiscalização (precaríssima fiscalização por falta de estrutura), Primeiros socorros (precários) e Punição (no Brasil não temos a certeza do castigo). A bestialidade das nossas políticas públicas reside na crença de que uma boa legislação seja suficiente para resolver todos os nossos problemas (Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, p. 178). Confunde-se o plano normativo com a realidade. Precisamos de boas legislações (como são o ECA, o Estatuto do Idoso, a Lei das Execuções Penais etc.). A desgraça está em supor que uma boa legislação é a solução. Confunde-se o meio com o fim.

 

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