Feminicídio: primeiras ideias

Damásio Evangelista de Jesus -

A Lei n. 13.104, de 9 de março de 2015, alterou o Código Penal (CP) para acrescentar ao art. 121, § 2o, mais uma qualificadora do crime de homicídio (inciso VI), com o nomen juris feminicídio.

1.  Conceito legal. Matar mulher em razão da condição do sexo feminino. O crime continua a ser homicídio, sendo, porém, qualificado pela nova circunstância.

2.  Constitucionalidade. Aplica-se o mesmo entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao decidir sobre a constitucionalidade da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) na ADC n. 19, julg. em 9 de fevereiro de 2012, Pleno, Relator o Ministro Marco Aurélio. Fundamento: “necessária proteção ante as peculiaridades física e moral da mulher e a cultura brasileira.” Não viola o princípio constitucional da igualdade de pessoas. (disponível em http://www.stf.jus.br).

3.  Data da entrada em vigor da Lei n. 13.104/2015: 10 de março de 2015, dia de sua publicação.

4.  Lei no tempo. Por ser mais gravosa, é irretroativa, de acordo com os arts. 5º, XL, da Constituição Federal (CF) e 2º, parágrafo único, do CP (novatio legis in pejus).

5.  Femicídio e feminicídio. Femicídio é o homicídio de mulher em sentido amplo. Feminicídio é o homicídio de mulher em razão da condição do sexo feminino.

6.  Natureza jurídica do tipo. Trata-se de uma circunstância de natureza subjetiva (“em razão da condição do sexo feminino”), não se relacionando com o meio ou modo de execução do fato, caso em que seria objetiva.

7.  Sujeitos do delito. Ativo: pode ser homem ou mulher (autora, coautora ou partícipe). Passivo: só pode ser mulher. Não pode ser homossexual, travesti ou intersexual (neste caso, com prevalência do sexo feminino). É irrelevante que a vítima seja lésbica. Quanto ao transexual que foi submetido à transgenitalização (mudança de sexo), pode ser sujeito passivo, uma vez que é considerado mulher para todos os efeitos, inclusive jurídico. Tratando-se de aberratio ictus (CP, art. 73), considera-se a vítima virtual (a que o autor pretendia matar) e não a vítima efetiva. Para que ocorra a qualificadora não basta que o sujeito passivo seja mulher, exigindo-se a presença das demais circunstâncias da figura típica.

8.  Concurso de pessoas. A circunstância é incomunicável ao coautor ou partícipe (art. 30 do CP), salvo quando conhecida do agente.

9.  Feminicídio e concurso de crimes ou de circunstâncias. 1.   Feminicídio e homicídio privilegiado (art. 121, § 1º, do CP): são inconciliáveis, pois não se harmonizam as duas circunstâncias de natureza subjetiva. 2.   Concurso entre feminicídio e crimes conexos (aborto sem o consentimento da gestante, estupro, destruição e vilipêndio de cadáver): concurso material. Tratando-se de feminicídio e aborto sem o consentimento da gestante o agente não responde pelo agravamento da pena previsto no § 7º, I, do art. 121 (vítima gestante). 3.   Art. 121, § 4º, 2ª parte e § 7º do CP: incide somente o § 7º, que absorve o § 4º, 2ª parte, aplicando-se o princípio da especialidade. 4.   Agravantes genéricas do art. 61, II, “e” e “h” do CP e feminicídio: aplica-se somente o § 7o do art. 121.

9. Modalidades. O fato ocorre em razão da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121, de acordo com a lei nova, quando: 1.   envolver violência doméstica ou familiar contra a mulher (inciso I); ou 2.   tiver relação com menosprezo ou discriminação no tocante à condição de mulher (inciso II).

Cuida-se de norma explicativa cujo conteúdo integra o tipo qualificado.

No primeiro caso o crime se relaciona com o art. 5º , caput, da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha,), isto é, quando o fato se origina de razão de gênero no âmbito da unidade doméstica, da família ou em relação íntima de afeto, casos em que há ou houve relacionamento entre as partes.

Na segunda modalidade, que não se relaciona com a Lei Maria da Penha, não havendo ou não tendo havido relacionamento entre os sujeitos ativo e passivo, o fato ocorre em situações de: 1.   menosprezo (menoscabo) à condição feminina. Ex.: em uma discussão no trânsito, o autor desdenha da capacidade da motorista causadora de um acidente só por ser mulher. 2.    discriminação (preconceito) à condição de mulher. Ex.: em uma desavença de torcidas de futebol, matar a vítima só por ser mulher e, por isso, inferior ao sexo masculino.

10. Causas de aumento de pena. “§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; III - na presença de descendente ou ascendente da vítima.”

Trata-se de causas de aumento de pena sobre uma circunstância qualificadora (circunstâncias de circunstância). 1.   Razão: vulnerabilidade da vítima; 2.   Fundamento: vulnerabilidade do sujeito passivo. Deficiência: Decreto n. 3.298/99. Vítima menor de 14 ou maior de 60 anos de idade: leva-se em conta a data da conduta e não a da morte da vítima (teoria da ação, art. 4º do CP). Referência constitucional: arts. 227, § 4º e 230 da CF (respectivamente, punição severa aos autores de crimes violentos contra menores e garantia à vida do idoso). 3.   Fato cometido na presença de descendente: pai, mãe, avô, avó, bisavô, bisavó, tataravô e tataravó; ou de descendente: filho, filha, neto, neta, bisneto, bisneta, tataraneto e tataraneta. Exclusão: irmão, tio e cônjuge. Presença: deve ser física, não podendo ser por telefone ou skype (virtual).

São exclusivas do feminicídio, não recaindo sobre as outras qualificadoras do homicídio. Devem ser abrangidas pelo dolo do agente. Se desconhecidas, as causas são atípicas.

As circunstâncias podem atuar conjuntamente com as descritas no § 6o do art. 121 do CP (crime cometido por milícia privada, sob o pretexto de prestação de segurança ou por grupo de extermínio). Ex.: feminicídio cometido por grupo de extermínio e por menosprezo da vítima. O juiz pode aplicar o disposto no art. 68, parágrafo único, do mesmo código: cumular as duas circunstâncias ou impor uma só, a mais grave.

11. Pena do feminicídio: a do homicídio qualificado (reclusão, de 12 a 30 anos) + de 1/3 até a metade.

12.  O feminicídio, de acordo com o art. 2º da Lei n. 13.104/2015 configura crime hediondo, apresentando as seguintes consequências, nos termos do art. 2º, I e II, da Lei n. 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos): não admite graça e indulto; é inafiançável; prisão temporária: 30 dias; progressão de regime: primário: cumprimento de 2/5 da pena; reincidente: 3/5.

 

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