O CUSTO DA CORRUPÇÃO. E SE O CRIME NÃO COMPENSAR?

Por Ana Paula Guimarães - 

Em junho deste ano, no julgamento de ação penal  originária, o STF acatou o pedido do MPF para condenar dois réus pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Como efeito da condenação, a corte admitiu ainda o dever de indenizar o dano moral coletivo provocado pela conduta ilícita. O reconhecimento de dano moral coletivo é situação nova na esfera penal, e nos relembra do longo caminho que ainda temos para tornar realidade, no Brasil, o ditado de que "o crime não compensa".

De início, importante dizer que a discussão sobre o dano moral coletivo, embora já bastante adiantada na esfera do processo coletivo cível, ainda não é pacífica em nosso Direito. Isso porque há quem defenda que titulares transindividuais — um grupo, a sociedade, a população de um município etc. — não poderiam ser lesados na esfera moral, que se compõe de direitos personalíssimos. Tal posição, no entanto, não é a que prevalece nas cortes superiores, a exemplo do STJ, que reiteradas vezes chancelou essa forma de reparação em ações coletivas concernentes ao meio ambiente, proteção de minorias sociais etc.

Parece ser o caminho seguido também pelo STF, que, no julgamento em epígrafe, reconheceu fundamento ao dano moral coletivo no ordenamento brasileiro, a partir de uma leitura sistemática da Constituição, do Código Civil e da Lei da Ação Civil Pública. Se por um lado o debate caminha para a pacificação na jurisdição civil, no âmbito penal a discussão ainda é bastante acesa.

Na ação penal em destaque, o dever de indenizar não foi aceito de forma unânime, já que, para parte da corte, o ambiente penal não seria sede própria para esse tipo de cognição. Prevaleceu, no entanto, o argumento de que a condenação seria legitima diante da metaindividualidade de que se reveste o dano moral coletivo, atingindo, pois, uma subjetividade indeterminada, o que afasta a alegação de reserva de competência ao juízo cível.

Sem deixar de reconhecer que o debate ainda ensaia seus primeiros passos e, espera-se, deve ganhar proporções mais amplas e mais profundas, não podemos deixar de reconhecer nessa ação penal uma sinalização da corte para o a comunidade jurídica e a população como um todo. É dizer, a atuação nos "crimes do colarinho branco" deve ser ressignificada para que seu combate seja capaz de oferecer resposta a sua pior vítima: a sociedade.

O julgado nos lega pelo menos duas grandes contribuições. A primeira é jogar luz sobre a pertinência subjetiva — ou legitimidade — para demandas de reparação. Nesse sentido, damos os primeiros passos para colocar um rosto nas vítimas de crimes contra a administração — caso da corrupção, da prevaricação, do tráfico de influência etc. Desse modo, quando assistimos a um crime ser cometido contra o Estado, deixamos de achar que a lesão é contra um rosto vazio, para ver em seu lugar a feição de todos nós enquanto coletividade.

O segundo, talvez mais sutil, é denunciar a ineficiência de uma persecução penal que pretenda coibir crimes que se justificam por uma lógica econômica utilizando-se da racionalidade do castigo corporal que se aplica à reprimenda de ações que aviltam o sentimento moral da sociedade — caso de homicídio, estupro, lesão corporal. É esse desencontro de racionalidades que serve de suporte para a sedimentação da lógica de que o crime compensa. Isso porque, nessas situações, a finalidade que motivou a infração — incremento patrimonial, obtenção de vantagem ilícita etc. — não é o alvo da reprimenda penal.

É assim que, ao determinar uma condenação por dano moral coletivo, o Judiciário aplica um ônus ao agente criminoso da mesma natureza da vantagem por ele pretendida. Em síntese, utiliza para punir a mesma racionalidade que se aplicou para a prática do crime.

Por fim, não se defende aqui que toda a persecução penal seja substituída por indenizações pecuniárias, o que não é desejável e sequer possível em nosso Direito. Há de se atentar, no entanto, para a necessidade de pensarmos medidas capazes de tornar o crime menos compensatório, o que parece ser uma das chaves para a construção de um Estado efetivamente apto a lutar contra a corrupção.

 

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