Proteção Ambiental e Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica

Damásio Evangelista de Jesus  -  

Nossa legislação não consagrava a capacidade penal das pessoas jurídicas, tendo sido, porém, profundamente alterada com a nova ordem constitucional inaugurada em 5 de outubro de 1988. O sistema atual, porém, não admite genérica possibilidade de responsabilização das pessoas coletivas, admitindo-a nas hipóteses que comina (infrações à ordem econômica e financeira, contra a economia popular e lesivas ao meio ambiente). 

Determina a vigente Constituição Federal brasileira: 

Art. 173. (...) 

§ 5.º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com a sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. 

Art. 225. (...) 

§ 3.º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. 

Inaugurada, pois, nova fase no sistema jurídico de admissão da capacidade penal das pessoas coletivas, ainda que efetuada com a reserva de somente se mostrar cabível nas hipóteses indicadas na Constituição. A capacidade criminal, ou a reunião de condições que permitem a dado sujeito tornar-se titular de direitos ou obrigações na esfera do Direito Penal, não mais se limita às pessoas físicas, sendo a ficção jurídica criadora da pessoa coletiva igualmente imputável. 

O breve escorço em seara constitucional é suficiente para que se tenham por certos a necessidade de revisão de antigos dogmas, a eleição de novos conceitos e o reconhecimento de que a Ciência Jurídica deve ser evolutiva. O sistema constitucional pátrio não exclui a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, antes, reafirma-a. A razão de ser da adoção de nova técnica, com o afastamento do antigo princípio societatas delinquere non potest, foi o de reduzir o crescente e vertiginoso aumento da criminalidade perpetrado por sociedades comerciais, o reconhecimento da nocividade exponencial de ofensa a dados bens jurídicos e mesmo a ineficiência dos antigos sistemas de punição. As sociedades contemporâneas estão cada vez mais organizadas a partir da geração de capitais, e o homem, mais consciente da gravidade e repercussão de determinadas condutas lesivas ao meio ambiente. Por isso, a questão do bem jurídico tutelado pela norma penal deve receber novas formas de enfrentamento. 

O fato típico reclama a concorrência de conduta humana, resultado (salvo exceções), nexo de causalidade; imputação objetiva e tipicidade. A responsabilização das pessoas jurídicas não corresponde à negativa da existência da conduta humana na composição concreta do tipo. Para viabilizar a responsabilização, examinar-se-á a conduta humana que atua por meio da pessoa jurídica, ocorrendo típica responsabilização penal por reflexo. O elemento material do delito pode ser atribuído à pessoa jurídica, como nas condutas que lesam o meio ambiente, mas o elemento psicológico sempre será dependente das pessoas físicas que permitem sua existência e funcionamento. Conclui-se, então, que qualquer desejo de responsabilização de pessoa jurídica por determinada conduta típica não prescindirá, de início, da identificação das pessoas físicas ou dos órgãos diretivos que desejaram e viabilizaram a sua atuação, passando-se, na sequência, ao exame do intento – se doloso ou não. 

As tradicionais teorias penais cedem lugar e vez para novos modos de enfrentamento da realidade social. O Direito Penal lastreado apenas no indivíduo não mais resiste ao debate científico. O dogma societas delinquere non potest foi concebido a partir das ideias de ação e culpabilidade; da dicotomia entre a personalidade deferida às pessoas físicas da atribuída às pessoas jurídicas; e da incapacidade de ação dessas resultantes de pura ficção jurídica. 

No campo da responsabilização da pessoa jurídica, tem-se agora que a reconhecer, também na esfera penal, como sujeito de direitos e, logo, de obrigações. Por óbvio, a atuação da pessoa jurídica será sempre resultante da vontade de pessoas físicas que ordenam a sua atuação. O órgão incumbido de deliberar acerca da conduta típica representará a formação da vontade da pessoa ficta. Nem se cogita da exclusão da responsabilidade pela existência, por exemplo, de votação e de votos contrários ao deliberado pela maioria. Por hipótese, se dada conduta é resultante do desejado pela maioria simples dos diretores, poderá resultar a persecução penal em ônus para todos, do mesmo modo que existirá a possibilidade de persecução em face da pessoa coletiva mesmo quando não identificadas seguramente as pessoas físicas. É que as deliberações presumem o acatamento de todos ao final deliberado. A ressalva de posicionamento e de votos poderá, quando muito, evitar a responsabilização pessoal do membro da sociedade ou diretor, mas não significará a não-responsabilização da pessoa jurídica em nome da qual o delito foi praticado. O raciocínio aqui exposto é válido também para delitos omissivos, porquanto é possível vislumbrar a não-atuação da pessoa jurídica quando obrigada a atuar com a finalidade de evitar o perecimento ou dano a dado bem jurídico tutelado pela norma penal. Por fim, diga-se que, a despeito de não ser possível a prática de crimes por pessoas jurídicas a não ser associada à atuação de pessoas físicas – há caráter de subsidiariedade –, não será dependente a responsabilização penal daquele sem a das pessoas físicas. Assim, sobrevindo a não-identificação da pessoa física ou mesmo a sua absolvição, irrelevante será para a determinação da penalização da pessoa coletiva. 

Todos esses temas deverão ser estudados e aplicados, ou não, nos recentes episódios de Mariana.

 

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