Recusa de Progressão de Regime Conquistado pela Defesa: possibilidade

Emerson Malheiros

Imagina-se que ao réu apenas interessa a liberdade quando ele se encontra cumprindo uma pena privativa de liberdade.

Normalmente, o desejo de liberdade, inerente ao ser humano, é um objetivo a ser alcançado pelo preso, pois ela foi restringida em razão de um fato típico, antijurídico e culpável.

Em virtude disso, a conduta de Suzane Louise Von Richthofen, de 30 anos, causou estranheza: apesar de ter cumprido doze anos da pena privativa de liberdade em regime fechado na penitenciária Feminina Santa Maria Eufrásia Pelletier, em Tremembé/SP e possuir bom comportamento carcerário comprovado, houve uma recusa do benefício de progressão de regime, que foi alcançado por seus advogados.

O Código Penal prevê três regimes de cumprimento de pena no art. 33, § 1º: fechado, semiaberto e aberto.

Os mesmos serão empregados como regime inicial de cumprimento da pena e para fins de progressão.

Aos crimes apenados com reclusão, que é o caso de Suzane, aplicam-se os três regimes, tanto como inicial quanto no seu cumprimento, conforme a quantidade da pena aplicada pelo juiz e a existência da reincidência do réu, além dos demais elementos a serem apreciados pelo juiz no art. 59 do CP.

Assim, o regime inicial de cumprimento da pena de reclusão é fechado.

A Lei de Execuções Penais, em seu artigo 112, estabelece que “A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão”.

É cristalina a observação de que se cuida de um direito do preso, pois constitui um benefício no cumprimento da pena. E como tal, pode existir a recusa. Isso ocorre com a suspensão condicional da pena e com a liberdade provisória. Por que deveria ser diferente em relação à recusa de progressão de regime?

Concluir ser impossível a recusa de progressão de regime seria interpretar que o Direito Penal possui dois pesos e duas medidas.

Constituir-se-ia em verdadeira afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, Constituição Federal) exigir de uma pessoa que ela usufrua de um direito.

A dignidade é intrínseca ao ser humano e o respeito a ela é uma forma extrínseca de reconhecimento a esse direito.

A dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, apresenta-se como direito de proteção individual em relação ao Estado e aos demais indivíduos e como dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes.

Além disso, seria um grande perigo para a sociedade impedir a recusa, pois a única forma de não progredir exigiria que o preso tivesse um mal comportamento carcerário, promovendo rebeliões, causando tumulto e impedindo a paz social.

Um dos objetivos da pena é a reeducação do preso.

Cesare Bonesana (1738-1794), o Marquês de Beccaria, que publicou em 1764, em Milão, a obra Dos delitos e das penas, já afirmava em seu texto que todo indivíduo, para viver em sociedade, outorga uma parcela de seus direitos e que, desse modo, não é possível a aplicação de penas que alcancem direitos não outorgados.

Francesco Carrara (1805-1888), que publicou, em 1859, a obra Programa do curso de direito criminal, afirmou que a pena é uma forma de proteção jurídica e retribuição da culpa moral: a finalidade precípua da sanção é a restauração da ordem externa da sociedade, que foi atingida pelo crime.

Como restaurar a ordem externa da sociedade se, para recusar um direito, o preso deve cometer novos crimes?

Observa-se aqui uma característica de interesse público, pois o condenado possui uma faculdade de exercício de um direito que lhe é inerente.

A reinserção do preso em sociedade depende de sua contribuição positiva para os integrantes dela. De nada adianta a progressão de regime se o condenado realizar condutas gravosas para si e para a coletividade.

Se a proibição da progressão de regime é inconstitucional, em razão do princípio da individualização da pena, observa-se claramente que se está diante de um direito do preso e não de uma obrigação dele.

Não se pode impedir a progressão penal, mas o preso não está obrigado a progredir.

Não se deve observar questões estranhas ao cumprimento da pena para se exigir a progressão.

Especificamente no caso de Suzane Louise Von Richthofen a existência ou não de bens no exterior não serve para a consideração da manutenção ou progressão de regime, pois se cuida de fato completamente dissociado do cumprimento da pena.

Não se trata também de escolha da pena ou do regime prisional, mas de aceitação de um dever que lhe foi imposto pelo Estado e recusa do exercício de um direito.

O cumprimento da pena é um dever. A progressão de regime, um direito.

As disposições de um ordenamento jurídico não devem se dirigir somente aos Estados, mas também aos indivíduos, e elas devem ser aplicadas de forma que se possa atingir o bem estar do ser humano, promovendo sua educação no meio social, pois a pessoa é possuidora de direitos subjetivos e detentora de valores que merecem consideração.

Na hipótese específica de Suzane Louise Von Richthofen, é de se considerar que o promotor do caso Luiz Marcelo Negrini Mattos protocolizou recurso contra a decisão da juíza Sueli Zeraik de Oliveira Armani, que concedeu a progressão e, portanto, o integrante do parquet atuou em favor do interesse da condenada em sua recusa.

A propósito, é relevante mencionar que a magistrada sabiamente decidiu posteriormente pela manutenção do regime fechado.

Insiste-se que a progressão de regime determinada pela Lei de Execuções Penais é um direito e não uma obrigação.

Assim sendo, se não existir o interesse do condenado, não há como se impor um benefício a ele.

A pena tem tríplice finalidade: retributiva, preventiva e ressocializadora.

Essa última, também denominada reintegralizadora ou reeducativa, surgiu com o advento da Lei de Execução Penal − LEP (Lei n. 7.210/84) em especial pelo disposto no art. 112 que prescreve a possibilidade de progressão do regime de pena.

A tríplice finalidade será alcançada apenas com a participação do condenado. Não há como dissociar a pena do preso.

A sociedade apenas será beneficiada se os objetivos da sanção penal forem cumpridos.

Em respeito ao princípio da individualização da pena, da dignidade da pessoa humana e da igualdade deve-se concluir que existe a possibilidade de recusa pelo condenado de progressão de regime de cumprimento de pena conquistado pela defesa, como um verdadeiro instrumento de reinserção do preso no meio social e, mais importante, como um elemento para a proteção efetiva de toda a sociedade.

 

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