Habeas Corpus Nº 57.991/pr

Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Conta corrente aberta em Nova Iorque. Evasão de divisas. Competência. Conexão instrumental. Caso Banestado. Aplicação do art. 88 do CPP. Impossibilidade. Denúncia. Inépcia. Não ocorrência. Individualização das condutas. Despacho de recebimento da peça acusatória. Fundamentação suficiente. Procedimentos de investigação. Ministério Público. Legitimidade. Denúncia embasada em documentos coligidos pela polícia norte-americana. Legalidade.

Rel. Min. Paulo Medina


RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO PAULO MEDINA (Relator):
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado por Cláudio José Pereira e outro em benefício de NELSON LUIS PEREIRA CORBETT, contra acórdão prolatado pela Sétima Câmara Criminal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Dessume-se que o Paciente e outros três co-réus foram denunciados, perante o Juízo da Segunda Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba - PR (Ação Penal nº 2005.70.00.034011-0), por suposta violação dos preceitos contidos nos artigos 4º, caput, 16 e 22, parágrafo único, combinado com o artigo 1º, parágrafo único, incisos I e II, todos da Lei 7.492/86 (crimes contra o Sistema Financeiro Nacional), e artigo 1º, incisos VI e VII, combinado com o artigo 1º, §§ 1º, inciso II, 2º, inciso II e 4º, ambos da Lei 9.613/98 (lavagem de dinheiro), todos combinados com os artigos 69 e 71 do Código Penal. A peça acusatória atribui aos acusados responsabilidade pela abertura e movimentação de conta em nome da empresa Farswiss Asset Management Ltda., no Merchant´s Bank, de New York - USA, em valores aproximados de US$ 43 milhões, no período de 28 de abril de 2000, até 17 de janeiro de 2003, “restando agora bloqueado na referida conta um saldo de US$ 1.479.869,08“ , mantidos no exterior sem terem sido declarados à Receita Federal. O Ministério Público defendeu, também, que da análise da movimentação bancária da referida conta, poder-se-ia observar movimentação financeira intensa com outras contas pertencentes ao banco Merchant´s , de Nova Iorque, mantidas no exterior por suspeitos de envolvimento no famoso “Caso Banestado“, fato que atraía a competência do Juízo da 2ª Vara Federal de Curitiba, por conexão probatória. Denúncia recebida em 08 de fevereiro de 2006, ocasião em que foi decretada a quebra do sigilo bancário do Paciente e designada audiência de interrogatório. Determinou-se, ainda, no despacho acima referido, a expedição de ofícios requisitando informações, com envio de cópia da denúncia, para os seguintes órgãos: - Banco Central do Brasil: informações acerca de todas as operações, na modalidade disponibilidade internacional de reais, realizadas pelo Paciente nos últimos 10 (dez) anos; - Receita Federal: determinou-se à instauração de procedimento fiscal, para apuração de possível cometimento do delito de sonegação fiscal, no período não atingido pela decadência tributária, bem como a apresentação de cópias da declaração de imposto de renda referente ao exercício de 2005; - Comissão de Valores Mobiliários: apenas o envio da denúncia e do despacho de recebimento; - COAF: informações sobre comunicações de operações suspeitas em nome do Paciente. Inconformada, a defesa impetrou habeas corpus para o Tribunal Regional Federal da 4º Região, pretendendo o trancamento da ação penal, bem como a suspensão do bloqueio de bens e da quebra do sigilo bancário e fiscal do Paciente, e aquela Corte, à unanimidade, denegou a ordem, em acórdão nesses termos ementado (fls. 139/147): “PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. LEI 7.492/86. LAVAGEM DE DINHEIRO. LEI 9.613/98. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. COMPETÊNCIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA E AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NO SEU RECEBIMENTO. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. FORÇA-TAREFA. ATOS INVESTIGATÓRIOS. 1. Os fatos narrados na denúncia é que firmam a competência para processamento e julgamento da persecução criminal, ainda que, posteriormente, após a devida instrução processual, não reste comprovada a circunstância que atraiu inicialmente a competência para processamento do feito, mormente se considerada a possibilidade de conexão (art. 76, inc. II e III, do CPP). 2. O entendimento sedimentado nesta Corte é no sentido de que, em se tratando de conduta praticada contra o sistema financeiro nacional, não constitui irregularidade quando a denúncia não descreve o fato delituoso com todas as suas circunstâncias, mesmo porque os elementos periféricos ao verbo nuclear do tipo podem ser esclarecidos no iter processual, até o momento imediatamente anterior ao do encerramento da instrução. Na hipótese, a exordial acusatória atende aos requisitos mínimos previstos pelo artigo 41 do Diploma Processual Penal. 3. Resta assentado na jurisprudência dos Tribunais Superiores que o despacho de recebimento da exordial acusatória não possui conteúdo decisório, carecendo de fundamentação explícita. 4.Inviável falar-se, nesta via angusta, de inexistência de elemento indiciário que possa desvincular o Paciente dos fatos investigados, razão pela qual não se pode afirmar que falta justa causa para a ação penal. 5. Os arts. 129, incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar nº 75/1993, conferem explicitamente poderes de investigação ao Ministério Público, não se visualizando qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade nos atos investigatórios praticados pela chamada Força-Tarefa, em face participação do Parquet federal“. Daí a impetração. Alega a defesa incompetência da Segunda Vara Federal Criminal de Curitiba/PR, para processar e julgar o feito, ao argumento de que os preceitos dispostos no artigo 88 do Código de Processo Penal devem prevalecer, eis que se os fatos ocorreram nos Estados Unidos, a competência para o processamento e julgamento do feito é do Estado em que reside o acusado. Arguem os Impetrantes inépcia da inicial acusatória, em razão de imputação genérica e ausência de descrição dos fatos com todas as suas circunstâncias. Aduzem falta de justa causa para o prosseguimento da ação penal, já que não haveria provas mínimas de participação do Paciente em qualquer conduta ilícita. Argumentam, por fim, que não há suficiente fundamentação para o recebimento da denúncia, bem como, suscitam a inconstitucionalidade e ilegalidade dos procedimentos de investigação presididas pelo Ministério Público, ao argumento de falta de legitimidade do parquet para realizar investigações e diligências por meio de procedimentos administrativos de natureza criminal. Requerem, em liminar, a suspensão do andamento da ação penal, em relação ao acusado, assim como de todos os efeitos da decisão de bloqueio de bens e quebra do sigilo bancário e fiscal do Paciente, e o sobrestamento da ordem de instauração do procedimento fiscal junto à Receita Federal. No mérito, pleiteiam: 1. que se casse ou declare nula a decisão de recebimento da denúncia, bem como todos os seus efeitos, com imediato recolhimento de todos os ofícios e documentos referentes ao Paciente enviados a qualquer autoridade pública; 2. a determinação do cancelamento de qualquer procedimento fiscal, ordenado junto à Receita Federal, assim como de todo e qualquer bloqueio de bens realizado; 3. o reconhecimento da inépcia da denúncia; 4. declaração de incompetência do Juízo da Segunda Vara Criminal Federal de Curitiba/PR e a admissão da competência do Juízo da Subseção Judiciária de São Paulo, para o processamento e julgamento do feito. Indeferi a liminar e dispensei as informações (fls. 245/248). O Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento da ordem, em parecer nestes termos ementado (fls. 278/281): HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPETRAÇÃO QUE SE TRADUZ EM MERA REITERAÇÃO DE PRETENSÃO ANTERIORMENTE EXAMINADA. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DA ORDEM“. O Habeas Corpus nº 57.658 foi apensado aos autos, para julgamento em conjunto. É o relatório.

 
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO PAULO MEDINA (Relator):
Inicialmente, impende destacar que o Habeas Corpus nº 57.658/PR foi impetrado via fac-símile , sendo autuado no dia 24 de abril de 2006. Em atenção ao disposto na Lei 9.800/99, foi protocolizada a via original da impetração, carreada com todos os documentos que os Impetrantes reputaram pertinentes. Contudo, o writ foi autuado como se outro habeas corpus fosse, como se estivesse tratando de outro feito, recebendo o nº 57.991/PR, que ora se analisa. Ressalto, portanto, que não se trata de mera reiteração de pedido, conforme o alegado pelo Ministério Público Federal, ou de litispendência. Cuida-se, em verdade, de uma mesma petição, autuada em peças distintas. Sendo assim, trago a julgamento ambos os habeas corpus . Passo à análise da questão. Suscita, a defesa, a preliminar de incompetência do Juízo da Segunda Vara Federal Criminal de Curitiba/PR, para processar e julgar a ação penal a que o Paciente figura como réu. Defendem os Impetrantes que os crimes em apuração teriam sido consumados fora do País, pelo fato de se tratar de movimentação financeira suspeita em conta bancária mantida nos Estados Unidos da América do Norte, inexistindo identidade de operações com o caso Banestado, a justificar a competência do Juízo paranaense. Afirmam seu entendimento com sustento no fato de que os crimes supostamente praticados teriam como objeto conta bancária mantida no estrangeiro, na instituição financeira Merchant's Bank of New York, conta denominada Farswiss , o que implicaria concluir que a consumação dos supostos crimes teriam se dado fora do território nacional, o que importaria aplicação do artigo 88 do Código Penal e, por conseguinte, a competência do juízo de São Paulo para processar e julgar o feito. Contudo, não assiste razão aos Impetrantes. Isto porque a denúncia foi oferecida à Segunda Vara Federal de Curitiba em razão de possível conexão instrumental entre os casos Farswiss e Banestado, este último em trâmite perante aquele Juízo. O Ministério Público descreve, na inicial acusatória, que no material colhido pela força-tarefa constatou-se a existência de bancos norte-americanos utilizados por correntistas e ex-correntistas da agência Banestado/NY, para movimentação clandestina de recursos nacionais e lavagem de dinheiro, ente eles, o Merchant's Bank of New York, em que a conta da offshore Farswiss mantinha suas operações financeiras (fl. 44). Para melhor demonstrar a possível existência de conexão probatória entre os feitos, colho excerto da denúncia, no pertinente (fls. 50/51): “A atividade dos denunciados consistia principalmente em vender dólares para clientes brasileiros, no mercado paralelo, como parte de um ciclo de lavagem de dinheiro, que transitava pela conta dos denunciados nos Estados Unidos, envolvendo inúmeras vezes valores oriundos de transferências originadas no Banestado de Nova Iorque e outros bancos norte-americanos, como o próprio Merchants e o MTB Bank. Após ingressar na conta controlada por MARCOS DE SOUZA BARROS, CARLOS ALBERTO BOTELHO DE SOUZA BARROS, RUY ULHOA CINTRA DE ARAÚJO e, posteriormente por NELSON LUIS PEREIRA CORBETT , o dinheiro era repassado aos clientes brasileiros no exterior, quase sempre mediante wire transfers para contas indicadas pelos tomadores do serviço ilícito. Obviamente, essa atividade de câmbio e remessa de valores dependia de uma alimentação constante de dólares na conta Farswiss , mediante novas transferências oriundas do próprio esquema Banestado ou do esquema Beacon Hill, algumas vezes com evasão direta do Brasil. A reciclagem dependia também de um sistema de compensação entre os vários doleiros , muitos deles com negócios no Banestado em Nova Iorque“. (Grifo no original) Depreende-se, do trecho, que, quando do oferecimento da denúncia, o parquet federal firmou a presença de elementos probatórios que justificam a conexidade instrumental, prevista no artigo 76, inciso III, do Código de Processo Penal, posto que as provas carreadas na ação penal promovida em desfavor do Paciente, no decorrer de seu processamento, poderão influir no conjunto probatório daquela relativa ao caso Banestado, também em curso no Juízo da Segunda Vara Criminal de Curitiba/PR. Portanto, pelo conjunto probatório constante dos autos, o Ministério Público Federal concluiu que a identificação e conseqüente instauração das ações penais relativas às contas do Merchant´s Bank constituem desdobramento das investigações relacionadas com o caso Banestado, apuradas perante a Segunda Vara Criminal Federal de Curitiba - PR. A mim se afigura temerário, neste momento processual e pela via estreita do habeas corpus , afastar a eventual conexidade instrumental e demover do Juízo Federal de Curitiba a competência para o julgamento do feito, ressaltado pelo fato de que está o magistrado paranaense munido de todos os documentos coligidos pela Polícia Federal, em ambos os processos, suficientes a formar-lhe a convicção, o que lhe dá suporte mais consistente para avaliar a existência da conexão processual. Por conseguinte, entendo como razoável os feitos guardarem conexão entre si, eis que trazem elementos aptos a justificar a unidade processual, já que os fatos investigados nesta ação penal guardam estreita relação entre aqueles investigados no caso Banestado, pois as operações produzidas por “doleiros“, por meio da conta Farswiss vinculam-se com as contas dos Bancos Banestado e Merchant´s Bank of New York e a subconta Beacon Hill Service Corporation , objeto de investigações que tramitam no Juízo paranaense. Sublinho, por oportuno, que um pronunciamento mais aprofundado acerca do tema, fixando, por derradeiro, a competência para julgamento do feito, implicaria, necessariamente, no revolvimento de matéria fático-probatória, o que é vedado na via do habeas corpus . Ainda que assim não fosse, esta Corte de Justiça já firmou entendimento no sentido de que para a consumação do crime descrito no artigo 22 da Lei nº 7.492/86, não se faz necessário que as divisas saiam do país, mas deve existir operação cambial não autorizada com o intuito de evadir, em prejuízo ao Sistema Financeiro Nacional. Confira-se, nesse sentido: “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIMINAL E PROCESSUAL PENAL. EVASÃO DE DIVISAS. ART. 70 DO CPP. COMPETÊNCIA DEFINIDA PELO LUGAR ONDE CONSUMOU-SE O DELITO. No caso do crime tipificado como evasão de divisas para o exterior, consuma-se o delito no momento em que a remessa de divisas ao exterior é efetuada; desta forma, compete à Vara Federal titular da circunscrição aonde ocorreu o fato típico processar e julgar a futura ação penal. Inteligência do art. 70 do Código de Processo Penal. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Paraná, o suscitado.“ (CC nº 59.685/GO - Relator Ministro Paulo Medina) “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIMINAL E PROCESSUAL PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL E EVASÃO DE DIVISAS PARA O EXTERIOR. COMPETÊNCIA RACIONE LOCI. ART. 70 DO CPP. LUGAR ONDE SE CONSUMOU A INFRAÇÃO. RESOLUÇÃO N.º 20 DO TRF DA 4ª REGIÃO. VARA ESPECIALIZADA. 1. In casu, tratando-se de crimes de sonegação fiscal e evasão de divisas para o exterior, o momento da consumação de referidos delitos deu-se com as remessas de divisas ilegais ao Paraguai a partir da conta-corrente do “laranja“, no Banco Mercantil do Brasil em Cascavel/PR. 2. Considerando os termos da Resolução n.º 20 do TRF da 4ª Região, que especializou no Estado do Paraná a 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, para processar e julgar os crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; deve ser este, portanto, o juízo competente na hipótese. Precedente desta Corte Superior. 3. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Paraná, o suscitado.“ (CC 41.051/SP, 3ª Seção, minha relatoria, DJ de 24/05/2004.) Logo, a evasão não pressupõe a saída do numerário, mas consiste, de fato, no prejuízo às reservas cambiais brasileiras, independente de entrar ou sair dinheiro do País. Evidente, portanto, que os supostos crimes teriam sido consumados quando os agentes realizaram operação de câmbio não autorizada, aqui no Brasil, ao contrário do alegado pelos Impetrantes, que afirmam terem os supostos crimes se consumado nos Estados Unidos da América, na tentativa de atestar a aplicação do disposto no artigo 88 do Código de Processo Penal. Nesse contexto, não há, como pretende a defesa, possibilidade de aplicação do artigo 88 do Código de Processo Penal, visto que a eventual consumação do delito não se deu em território estrangeiro. Com efeito, afasto a preliminar de incompetência do Juízo da Segunda Vara Criminal Federal de Curitiba - PR. No que tange ao argumento de inépcia da inicial acusatória oferecida pelo Ministério Público Federal, melhor sorte não assiste aos Impetrantes. Senão, vejamos. Conforme o disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal, a denúncia ou queixa “conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas“. Tem-se que as exigências relativas à exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, atendem à necessidade de se permitir, desde logo, o exercício da ampla defesa. É certo que, na hipótese de crimes praticados por mais de um agente, o membro do Ministério Público deve atentar para a necessidade de se individualizar ao máximo as ações atribuídas aos acusados, quando não for o caso de conduta realizada de modo uniforme por todos, como no caso em questão. Ao contrário do que foi alegado na impetração, a denúncia não apenas individualiza a conduta do acusado como também demonstra a finalidade buscada pelos autores quando da compra da offshore Farswiss Asset Management Ltd pelo Paciente, no pertinente (fls. 52/53): “Posteriormente, mais precisamente a partir de 04 de junho de 2002 (conforme documento de fl. 423, do Procedimento MPF referido), em virtude da aquisição da offshore Farswiss Asset Management Ltd pelo denunciado NELSON LUIS PEREIRA CORBETT, a conta em tela passou a ser por ele movimentada e controlada. As pessoas mencionadas realizaram operações ilícitas com divisas nacionais, diretamente ou por intermédio de outras contas clandestinas no exterior. Isto se evidencia pela própria configuração da empresa titular da conta FARSWISS: offshore com sede em paraíso fiscal nas Ilhas Virgens Britânicas, constituídas pelos denunciados MARCOS DE SOUZA BARROS e CARLOS ALBERTO BOTELHO DE SOUZA BARROS, por meio de seus prepostos RUY ULHOA CINTRA DE ARAÚJO e Ricardo de Barros Cordeiro (falecido), sendo posteriormente, como supramencionado, adquirida pelo denunciado NELSON LUIS PEREIRA CORBETT, tudo com o só propósito de ocultar sua identidade e suas atividades ilegais no mercado de câmbio, servindo-lhe de fachada. Assim, certo é que os denunciados MARCOS DE SOUZA BARROS, CARLOS ALBERTO BOTELHO DE SOUZA BARROS , RUY ULHOA CINTRA DE ARAÚJO e NELSON LUIS PEREIRA CORBETT , por intermédio da empresa CORRETORA SOUZA BARROS CÂMBIO E TÍTULOS S/A, operavam no exterior, no mercado de câmbio e no branqueamento de capitais, por meio da offshore FARSWISS ASSET MANAGEMENT LTD., que mantinha conta no iMerchant´s Bank em Nova Iorque. (...) Em 4 de junho de 2002, o denunciado NELSON LUIS PEREIRA CORBETT adquiriu a propriedade da offshore Farswiss Asset Management Ltd (fls. 423/424), passando a figurar como seu efetivo procurador (attorney-in-fact) nos termos dos documentos anexos às fls. 231 e seguintes. No entanto, tal transferência teve a só finalidade de ocultar a verdadeira titularidade dos recursos que transitavam pela conta Farswiss, na verdade pertencente aos denunciados MARCOS DE SOUZA BARROS e CARLOS ALBERTO BOTELHO DE SOUZA BARROS, que, agora com anuência e participação do denunciado NELSON LUIS PEREIRA CORBETT, continuaram controlando a movimentação financeira da referida conta até seu bloqueio em 27 de junho de 2002“. Grifo no original. É firme a orientação jurisprudencial deste Tribunal Superior no sentido de que não é inepta a denúncia que descreve adequadamente a conduta incriminada, ainda que não detalhada em pormenores, se é possível ao denunciado compreender os limites da acusação e, em contrapartida, exercer ampla defesa. Neste sentido, diversos precedentes de ambas as Turmas do STJ, destacando-se: “PENAL E PROCESSUAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. LAVAGEM DE DINHEIRO. DENÚNCIA. INÉPCIA. AÇÃO PENAL. JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. REVOGAÇÃO. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. AMEAÇA. INEXISTÊNCIA. Não é inepta a denúncia que descreve adequadamente a conduta incriminada, ainda que não detalhada individualmente, se é possível ao denunciado compreender os limites da acusação e, em contrapartida, exercer ampla defesa. Incabível o trancamento de ação penal quando não exsurgem dos autos, primus ictus oculi, de modo inequívoco, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade. Resta prejudicado o manejo de habeas corpus preventivo, quando inexiste ameaça iminente ao direito deambulatório do cidadão. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada.“ (HC 26.653/RJ, Relator o Min. Paulo Medina, DJ de 17.11.2003, pág. 384) “PENAL. PROCESSUAL. SONEGAÇÃO. DENUNCIA. INÉPCIA. JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO. “HABEAS CORPUS“. RECURSO. 1. Não ha inépcia quando a denúncia, mesmo sem individualizar, de forma detalhada, a conduta de cada acusado, descreve o modo como concorreram para o crime. Aí há justa causa para o prosseguimento da ação penal. 2. Acusado cego, com 90 (noventa) anos de idade, com atuação meramente formal na empresa, não contribuiu para o crime, na forma descrita pela denúncia. 3. 'Habeas-Corpus' conhecido como substitutivo de recurso ordinário; pedido deferido parcialmente. “ (HC 4.672/RJ, Relator o Min. Edson Vidigal, DJ de 03.03.1997, pág. 4678) Apenas quando do encerramento da instrução criminal poder-se-á vislumbrar e valorar, plenamente, os elementos probatórios carreados aos autos. Até então, a não ser em casos extremos, é defeso ao Estado-Juiz impedir que o Estado-Administração demonstre a responsabilidade penal do acusado. Assim, o trancamento de ação penal, pela via estreita do writ, somente é possível quando, pela mera exposição dos fatos narrados na denúncia, constata-se que há imputação de fato penalmente atípico, inexistência de qualquer elemento indiciário demonstrativo da autoria do delito ou extinta a punibilidade, o que não se deu no caso em análise. Nesse sentido é a jurisprudência desta Corte de Justiça: “PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. FALTA DE JUSTA CAUSA. DENÚNCIA. INÉPCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESCRIÇÃO EM TESE DE CRIME. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. FUNDAMENTAÇÃO. DESNECESSIDADE. - O trancamento da ação penal por falta de justa causa só se viabiliza quando, pelo exame da simples exposição dos fatos da denúncia, constata-se que há imputação de fato atípico ou ausência de qualquer elemento indiciário configurador da autoria. - Nos crimes de autoria coletiva, a doutrina e a jurisprudência pretoriana tem admitido que na peça de acusação sejam os fatos narrados sem a particularização da conduta de cada agente, remetendo-se para a instrução criminal a decantação de cada ação criminosa. - Não é inepta a denúncia que descreve fatos que, em tese, apresentam a feição de crime e oferece condições plenas para o exercício de defesa. - Exige-se fundamentação no despacho que rejeita a queixa ou a denúncia, silenciando a lei quanto à hipótese de recebimento da denúncia. Exegese do art. 516 do CPP. - O despacho de recebimento da denúncia não contém carga decisória, tendo a natureza de decisão interlocutória simples que, na sistemática processual vigente, dispensa fundamentação, não gerando preclusão quanto a regularidade da peça exordial. - Habeas-Corpus denegado“. (Habeas Corpus nº 15.531, relator Ministro Vicente Leal, DJ de 4.6.2001, p. 259). Isto é, o trancamento da ação penal constitui medida extrema, cabível, tão-somente, nas hipóteses em que se demonstrar, primus ictus oculi, extreme de dúvidas, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou, ainda, a extinção da punibilidade, elementos não caracterizados na demanda. Ao contrário, a imputação descreve de maneira satisfatória o fato criminoso, insculpido nos artigos 4º, caput, 16 e 22, parágrafo único, combinado com o artigo 1º, parágrafo único, incisos I e II, todos da Lei 7.492/86 (crimes contra o Sistema Financeiro Nacional), e artigo 1º, incisos VI e VII, combinado com o artigo 1º, §§ 1º, inciso II, 2º, inciso II e 4º, ambos da Lei 9.613/98 (lavagem de dinheiro), todos combinados com os artigos 69 e 71 do Código Penal. Entendo, portanto, que a exordial acusatória está em perfeita consonância com o art. 41 do Código de Processo Penal, e, bem assim, discorre sobre suas circunstâncias, narra o modus operandi, e dá ensejo à compreensão dos limites da acusação, de modo a permitir o exercício de ampla defesa. No mesmo sentido, não há como se acolher a pretensão dos Impetrantes no pertinente à alegação de ausência de justa causa para o prosseguimento da ação penal, em razão de suposta carência de provas mínimas da participação do Paciente em condutas ilícitas. Isto porque, pretendem os Impetrantes, por via transversa, que se verifique, em habeas corpus , a autoria dos delitos investigados, o que implica, necessariamente, o exame aprofundado de matéria probatória, vedado no âmbito cognitivo do writ. Aliás, o Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento no sentido da impossibilidade de se impetrar habeas corpus com o intuito de provocar manifestação da Corte sobre a negativa de autoria de crime ou ausência de provas mínimas. Nesse diapasão, é o seguinte julgado: “PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INOCÊNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA DELITO DO USO. PETIÇÃO INICIAL SEM ASSINATURA. ART. 654, § 1º, ALÍNEA 'C', DO CPP. NÃO CONHECIMENTO. O habeas corpus, marcado por cognição sumária e rito célere, não comporta o exame da alegada inocência do paciente bem como não serve de instrumento para desclassificar o delito a ele imputado, que, para seu deslinde, demanda aprofundado exame do conjunto fático probatório dos autos, posto que tal proceder é peculiar ao processo de conhecimento. Conquanto destituído de rigor formal, a petição de habeas corpus não prescinde da assinatura do impetrante ou de alguém a seu rogo, quando não souber escrever. Writ não conhecido“. (HC nº 45.798/PR, Relator Ministro Paulo Medina, DJ de 20.02.2006) Quanto à alegação de ausência de fundamentação legal para o recebimento da denúncia, também não merece guarida a insurgência. É certo que, em observância ao disposto no artigo 93, IX, da Constituição Federal, todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. Em verdade, entende-se, por conseqüência, que a motivação nas decisões de recebimento da denúncia é implícita, posto que deve obediência ao consagrado pela Carta da República. Todavia, não se faz necessário, em razão de sua natureza interlocutória simples, que o decisum venha acompanhado de fundamentação extensa e aprofundada. Nesse sentido, é a vetusta jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça: “HABEAS CORPUS. IRREGULARIDADES NA FASE DO INQUÉRITO JUDICIAL QUE NÃO CONTAMINAM A AÇÃO PENAL. DENÚNCIA. FUNDAMENTAÇÃO CONCISA. VALIDADE. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. 1. O material coligido no procedimento inquisitório constitui-se em peça meramente informativa, razão pela qual eventuais irregularidades nessa fase não tem o condão de macular a futura ação penal. Precedentes. 2. Quanto ao pedido de diligência não despachado pelo Juízo processante na fase do inquérito judicial – hoje, inclusive, extinto pela novel legislação –, poderá ele ser novamente deduzido na instrução criminal, quando deverá ser resguardado o devido processo legal, com o contraditório e a ampla defesa. Ausência de cerceamento de defesa. 3. O despacho de recebimento da denúncia está suficientemente fundamentado, na medida em que, embora de forma sucinta, logrou demonstrar com clareza a descrição da imputação, garantido o exercício da ampla defesa aos acusados. Inteligência do art. 109, § 2º, do Decreto-Lei n.º 7.661/45. Precedentes. 4. A lei processual em vigor (art. 516, do CPP) somente exige fundamentação nas hipóteses de rejeição da queixa ou da denúncia, silenciando-se nos casos de recebimento, cuja natureza é de decisão interlocutória simples, exprimindo um juízo de mera admissibilidade da acusação, feito a partir da singela constatação do preenchimento de seus pressupostos formais, dispensando, por conseguinte, uma precipitada e indevida incursão aprofundada no mérito. 5. Ordem denegada“. (HC nº 36.343, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ de 3.10.2005, p. 291). No caso, verifica-se que o despacho está suficientemente fundamentado, na medida em que, embora de forma sucinta, logrou demonstrar com clareza a descrição da imputação, ao fundamento de que o Paciente, ao adquirir a propriedade da offshore Farswiss e figurar como efetivo procurador da empresa, objetivou ocultar a identidade dos reais controladores da conta - Marcos e Carlos Alberto - possuindo, assim, precisa noção das atividades ilícitas que a organização se prestava a concluir (fl. 126). O que pretendem os Impetrantes, é que o magistrado avalie, nesta fase processual, o mérito da ação penal, antecipando o julgamento e provocando, com isso, uma nulidade insanável, o que não pode ser aceito. Por fim, os Impetrantes sustentam a ilegalidade dos procedimentos de investigação que dão suporte à ação penal, ao argumento de falta de legitimidade do Ministério Público para realizar investigação e diligências por procedimentos administrativos de natureza criminal próprio. Meu entendimento, já expresso em outras ocasiões, já é conhecido. Não é mesmo do Ministério Público a incumbência de investigar o crime e a sua autoria, carecendo, pelo menos até o presente momento, de autorização legal para tanto. Argumenta-se que se a Constituição da República, por um lado, não chegou a “transferir “ as funções investigativas ao Ministério Público, por outro, também não proibiu que o titular pleno da ação penal pública desenvolvesse atividade investigatória, com ou sem audiência do serviço policial. Diz-se, ainda, em reforço da primeira argumentação, que outras autoridades administrativas diversas da Polícia Judiciária podem exercer a função investigatória (crimes falimentares e delitos praticados por membros da Magistratura, investigados pela autoridade judiciária; o procedimento previsto na Lei nº 9.034/95, que defere ao magistrado poderes instrutórios; infrações imputadas a membros do Ministério Público, que são apuradas pelo Procurador-Geral; comissões parlamentares de inquérito). A incumbência da função de Polícia Judiciária e da apuração das infrações penais, “exceto as militares“, às Polícias Civis, “ressalvada a competência da União“ (art. 144, § 4º, CF), assim como também o exercício, com exclusividade em relação a outras Polícias (Rodoviária e Ferroviária), da função de Polícia Judiciária da União dada à Polícia Federal, além da apuração de infrações penais (art. 44, § 1º, incisos I, II, III e IV, CF), não impede, é verdade, que a lei confira a outras autoridades a função investigatória. Tanto assim, que a lei atribui essa competência a outras autoridades, em casos expressamente previstos. Mas, para tanto, não é dispensável a previsão legal. Se aquelas autoridades mencionadas podem investigar é porque lhes foi conferida expressa outorga legal, nos específicos casos regulados em lei. E, ainda assim, não lhes foi transferida a atribuição de investigação das infrações penais em geral. Aí exatamente reside o cerne da questão. O Ministério Público, por ser o “titular pleno da ação penal pública“ - e quanto a isso não conheço quem discorde -, não estaria, por conseqüência lógica e natural, legalmente autorizado a proceder ao inquérito policial, em substituição à polícia judiciária. Não basta que a Constituição da República não proíba expressamente ao Ministério Público de se ocupar dessa função, para concluir-se, desde já, que o órgão estaria “autorizado“ a proceder, concomitante ou independentemente da polícia, à investigação do crime e de sua autoria. Em suma, não existe previsão legal para o Ministério Público assumir as investigações criminais, dentre as demais atribuições institucionais que lhes são conferidas. Função essa, aliás, que somente tem relevo na dimensão institucional, como é o caso do inquérito civil público de atribuição do mesmo órgão, porque de nada vale reconhecer ao Ministério Público a possibilidade de proceder a um inquérito privado, como investigador particular, com todos os limites que seriam impostos àquelas atividades despidas de caráter público e, por conseqüência, sem regra procedimental ou controle de legalidade. Esse é meu entendimento sobre o assunto. In casu, vejo, pelos elementos trazidos aos autos, que os fatos narrados na denúncia foram apurados em diligências realizadas pela Força-Tarefa CC-5, nas cidades de Nova Iorque/NY e Newark/NJ , para aprofundar investigações acerca das atividades de correntistas e ex-correntistas da extinta agência do Benestado em Nova Iorque. Pela narrativa dos fatos feitos na denúncia, toda prova reunida pela força-tarefa foi colhida junto a autoridades norte-americanas do Departamento de Segurança Interna, da Agência de Combate ao Narcotráfico da Procuradoria dos Estados Unidos para o Distrito de Nova Jersey e da Promotoria Distrital de Nova Iorque, e são elas que amparam toda a peça acusatória (fls. 45/47) e que a mim, ao menos em juízo perfunctório, se afiguram lícitas. Segundo informações do Parquet Federal, o material utilizado para embasar a denúncia foi colhido em três viagens da força-tarefa do Ministério Público Federal aos Estados Unidos da América, em que se verificou a existência de investigações preliminares autônomas realizadas por promotores norte-americanos e utilizados pelo parquet para dispensar a instauração do inquérito policial. Significa, pois, que municiado com as provas importadas das investigações preliminares iniciadas pelos promotores norte-americanos, o Ministério Público Federal instaurou procedimento administrativo interno, para que outras provas garantissem sustento da peça acusatória. Isto é, coligir provas não é o mesmo que presidir à sua realização, como querem sustentar os Impetrantes. Caso o MPF tivesse encabeçado as investigações e, no âmbito interno, produzido ele mesmo todas as provas de sustentação da denúncia, aí sim haveria ilegalidade e inconstitucionalidade nos atos do parquet a serem sanadas pela via do habeas corpus , o que não ocorreu no caso em análise. Sublinho, nesse sentido que, conforme demonstra o ofício nº 1473/2005-FT-CC5 expedido pela Procuradoria Regional da República da 3ª Região, o Paciente foi notificado a comparecer na sede da Procuradoria da República do Estado do Paraná, para prestar depoimento acerca de possível ocorrência de crime de evasão de divisas (fl. 80). Recorde-se que a impetração sustenta ter sido o Paciente notificado para comparecer na sede da Procuradoria da República e prestar declarações como testemunha e jamais como acusado. Ressalto, todavia, que no Termo de Declarações, há registro de que o Paciente foi alertado de seus direitos constitucionais de não se auto-incriminar e de permanecer calado. Infere-se, desse trecho, que, ao contrário do alegado pela defesa, o acusado não figurava como simples testemunha, mas sim como investigado. Logo, na mesma linha de raciocínio, tenho que as provas colhidas no âmbito do procedimento administrativo interno pelo MPF, estão revestidas de legalidade, visto que serviram apenas de complemento àquelas peças de informação produzidas pela promotoria norte-americana e que servem de sustento à denúncia. Aliás, entendo, como já externado em outras oportunidades, que ao Ministério Público é lícito a requisição e acompanhamento de diligências que darão suporte probatório à exordial acusatória. O que não se pode autorizar é a legitimidade do parquet para produção direta de diligências ou colheita de provas, o que não ocorreu no caso vertente. Entendo, em conclusão, que o Ministério Público, diante das peças de informação encaminhadas pelas autoridades americanas, apenas complementou-as com as declarações colhidas no âmbito do procedimento administrativo criminal sem, contudo, as utilizar como elementos probatórios únicos à fundamentar a exordial acusatória, o que imprime absoluta legalidade ao conjunto probatório de que o MPF lançou mão para ofertar a denúncia. Posto isso, DENEGO a ordem de habeas corpus .

 
EMENTA -
PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS . CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. CONTA CORRENTE ABERTA EM NOME DE OFFSHORE NO MERCHAT´S BANK EM NOVA IORQUE. EVASÃO DE DIVISAS. COMPETÊNCIA. CONEXÃO INSTRUMENTAL. CASO BANESTADO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 88 DO CPP. IMPOSSIBILIDADE. DENÚNCIA. INÉPCIA. NÃO OCORRÊNCIA. INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS. DESPACHO DE RECEBIMENTO DA PEÇA ACUSATÓRIA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. PROCEDIMENTOS DE INVESTIGAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. DENÚNCIA EMBASADA EM DOCUMENTOS COLIGIDOS PELA POLÍCIA NORTE-AMERICANA. LEGALIDADE. 1. Não se aplica a regra insculpida no artigo 88 do Código de Processo Penal quando presentes elementos justificadores da conexidade instrumental, prevista no artigo 76, inciso III, do Código de Processo Penal, eis que as provas carreadas nos autos poderão influir no conjunto probatório do caso Banestado. 2. Não há que se falar em inépcia da denúncia, pois há exposição clara e objetiva dos fatos delituosos imputados ao Paciente, com a descrição suficiente de sua participação na suposta organização criminosa. 3. A alegação de carência de provas de autoria não pode ser analisada na via estreita do writ posto que, para tanto, se faz necessário revolvimento fático probatório, o que é vedado por meio deste remédio constitucional. 4. A decisão de recebimento da peça acusatória, em razão de sua natureza interlocutória simples carece de fundamentação aprofundada, sob pena de pré-julgamento e, conseqüente, nulidade absoluta. 5. Reconhece-se como função institucional do Ministério Público, promover a ação penal pública - artigo 129, inciso I, da Constituição Federal - e a realização de diligências para a colheita de elementos embasadores da denúncia, sendo-lhe vedado, contudo, a produção independente da prova, o que não ocorreu no caso vertente.6. Utilização, pelo parquet, de provas produzidas pela Polícia norte-americana, para fundamentar a inicial acusatória. 7. Ordem DENEGADA.

 
ACÓRDÃO -
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. A Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Nilson Naves, Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator. Sustentou oralmente o Dr. CLÁUDIO JOSÉ PEREIRA, pela parte: PACIENTE: NELSON LUIS PEREIRA CORBETT. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Medina. Brasília (DF), 13 de fevereiro de 2007(Data do Julgamento)

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