Habeas Corpus Nº 87.883/rn

Receptação simples. Excesso de prazo. Necessidade de expedição de carta precatória para ouvir as testemunhas da defesa. Processo parado há bastante tempo. Princípio da razoabilidade afastado. Mora decorrente da inércia do Estado-Juiz. Possibilidade de condenação em regime aberto.

Rel. Min. Jane Silva


RELATÓRIO -
1. Cuida-se de Habeas Corpus , substitutivo de Recurso Ordinário, com pedido de liminar, impetrado em favor de SEBASTIÃO FERNANDO TEIXEIRA JÚNIOR, apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, que denegou writ ali manejado anteriormente. 2. Infere-se dos autos que o paciente foi denunciado pela suposta prática do crime capitulado no art. 180 do CPB. Narra a peça exordial acusatória que no dia 31.07.2006 o acusado ocultou, em proveito próprio, coisa que sabia ser produto de crime, consistente em um quite de gás veicular, objeto de furto, sendo o referido bem de propriedade de MARCOS AURÉLIO VITOR DO NASCIMENTO. Em 20.12.2006, o paciente foi preso preventivamente. 3. Irresignada, a defesa impetrou mandamus perante o Tribunal a quo, alegando cerceamento de defesa e excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal. A ordem, contudo, restou denegada, nos termos da seguinte ementa: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO POR CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE DECLARADA PELA AUTORIDADE PELA AUTORIDADE APONTADA COATORA APÓS A IMPETRAÇÃO DO WRIT. PREJUDICIALIDADE. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DE CARTAS PRECATÓRIAS PARA INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS ARROLADAS PELA DEFESA. INCIDENTES PROCESSUAIS. DEMORA ATRIBUÍVEL TAMBÉM À DEFESA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL AFASTADO. ORDEM DENEGADA (fls. 89). 4. Por isso o presente writ, no qual a Defesa reitera os argumentos de excesso de prazo na formação da culpa, ressaltando que o paciente encontra-se preso há mais de 210 dias. 5. O pedido de liminar foi indeferido, às fls. 82, pelo ilustre Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Vice-Presidente, no exercício da Presidência. 6. Informações de estilo prestadas às fls. 87/95. 7. Em parecer, o douto Subprocurador-Geral da República MAURÍCIO DE PAULA CARDOSO, às fls. 97/101, opina pela denegação da ordem, com recomendação de celeridade para o término da instrução criminal. 8. É o que havia de relevante para relatar.

 
VOTO
- PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO (11 MESES). INEXISTÊNCIA. NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DE CARTAS PRECATÓRIAS PARA OITIVA DE TESTEMUNHAS DE DEFESA. INTERPOSIÇÃO DE DIVERSOS INCIDENTES PROCESSUAIS PELA DEFESA. AUSÊNCIA DE DESÍDIA DO JUÍZO PROCESSANTE. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. A concessão de Habeas Corpus em razão da configuração de excesso de prazo é medida de todo excepcional, somente admitida nos casos em que a dilação (1) seja decorrência exclusiva de diligências suscitadas pela acusação; (2) resulte da inércia do próprio aparato judicial, em obediência ao princípio da razoável duração do processo, previsto no art. 5o., LXXVIII da Constituição Federal; ou (3) implique em ofensa ao princípio da razoabilidade. 2. O período de 81 dias, fruto de construção doutrinária e jurisprudencial, não deve ser entendido como prazo peremptório, eis que subsiste apenas como referencial para verificação do excesso, de sorte que sua superação não implica necessariamente em constrangimento ilegal, podendo ser excedido com base em um juízo de razoabilidade. 3. Neste caso, a demora para conclusão da instrução criminal (11 meses) é plenamente justificável pelas circunstâncias próprias do feito, especialmente em razão da expedição de cartas precatórias para oitiva de testemunhas de defesa e da interposição de diversos incidentes processuais. Ademais, o processo encontra-se em regular andamento, não se pode, portanto, constatar qualquer desídia por parte do Juízo processante. 4. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial. 1. Insurge-se o recorrente contra a constrição cautelar do paciente sob o argumento de excesso de prazo para a formação da culpa. 2. A questão do excesso de prazo, no processo penal, estando o réu preso, desde muito tempo é um dos maiores tormentos da jurisdição criminal, porque nem sempre é fácil ou possível concluir os feitos dentro do horizonte temporal que se reputa razoável e, portanto, justo. 3. Apesar de os juristas, sem discrepâncias de tomo, reconhecerem essa contingência, não se pode obscurecer que, muitas vezes, a complexidade do processo, a pluralidade de pessoas envolvidas ou mesmo as dificuldades de natureza técnica na produção das provas terminam por impedir que o trâmite processual seja concluído no lapso temporal que se deseja. 4. Essa irrecusável realidade ou essa invencível luta contra o tempo criou a medida ponderada para justificar a ultrapassagem daquele limite razoável, que se convencionou ser de 81 dias, salvo se, nos casos objetivamente considerados, se detectar, com segurança, a presença de algum fator ou elemento que possa tornar aceitável tal excesso. 5. Neste caso, a demora para conclusão da instrução criminal (11 meses) é plenamente justificável pelas circunstâncias próprias do feito, especialmente em razão da expedição de cartas precatórias para a oitiva de testemunhas de defesa Ademais, o acórdão recorrido (fls. 89/93) asseverou que a defesa interpôs diversos incidentes processuais, os quais ocasionaram atrasos ao trâmite processual. 6. Ressalte-se, a propósito, que o processo encontra-se em regular andamento; não se pode, portanto, constatar qualquer desídia por parte do Juízo processante. 7. Diante do exposto, denega-se a ordem, em conformidade com o parecer ministerial. 8. É como voto.

 
VOTO-VENCEDOR - A EXMª. SRª. MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG):
Ouvi com atenção o voto do E. Relator, mas peço vênia para dele divergir, não obstante os seus sólidos argumentos. Não obstante o atraso processual ser devido ao atraso do cumprimento de precatória, inclusive para inquirição das testemunhas da defesa, vejo que a responsabilidade para a demora é do juízo. Deve o Magistrado marcar prazo para o cumprimento da precatória e, caso este não seja obedecido, pode ser feito o julgamento sem sua devolução, podendo, em qualquer fase, ser a prova colhida juntada aos autos e examinada, ainda que esteja em outro grau de jurisdição. Por outro lado, a pena fixada para o crime (que segundo o Relator é receptação simples) é de um a quatro anos. Assim, o regime será o aberto, salvo reincidência e pode até ficar no mínimo legal não se justificando a sua prisão provisória por tempo maior. Apesar de reconhecer que o excesso de trabalho é um mal que acomete todas as varas criminais e instâncias, na hipótese, ele não se mostra justificável e o princípio da razoabilidade deve ser apreciado em favor do paciente. Posto isto, concedo a ordem para determinar a liberdade do réu durante o julgamento do processo, salvo prisão por outro motivo. É como voto.

 
EMENTA -
PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – RECEPTAÇÃO SIMPLES – EXCESSO DE PRAZO – NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA PARA OUVIR AS TESTEMUNHAS DA DEFESA – PROCESSO PARADO HÁ BASTANTE TEMPO – PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE AFASTADO – MORA DECORRENTE DA INÉRCIA DO ESTADO-JUIZ – POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO EM REGIME ABERTO – ORDEM CONCEDIDA. 1. A ocorrência de situações peculiares que torna complexo o processo afasta o constrangimento ilegal por excesso de prazo, devendo ser observado, nesse caso, o princípio da razoabilidade. 2 . Todavia, quando a excessiva mora seja atribuída ao Estado-Juiz, posto que o processo está parado há bastante tempo por inércia do Magistrado singular, deve ser afastado o mencionado princípio a fim de relaxar a prisão provisória do paciente, notadamente quando há grande possibilidade de ser fixado o regime aberto em caso de eventual condenação. 3 . Ao expedir carta precatória a fim de inquirir testemunhas, deve o Juízo deprecante fixar prazo razoável para sua devolução e, uma vez ultrapassado, é de rigor a retomada do curso do processo, podendo aquela prova ser sopesada em qualquer fase ou grau de jurisdição. 4 . Ordem concedida.

 
ACÓRDÃO -
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, conceder a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Jane Silva, que lavrará o acórdão. Votaram com a Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG) os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima. Votou vencido o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que denegava a ordem. Brasília, 13 de dezembro de 2007.(Data do Julgamento)

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