Habeas Corpus Nº 90.236/pr

Habeas corpus preventivo (hipótese de cabimento). Ameaça de prisão (caso). Trânsito em julgado (ausência). Recursos (não-esgotamento). Salvo-conduto (deferimento).

Rel. Min. Nilson Naves


RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES:
Trata-se de habeas corpus preventivo impetrado em favor de Neviton Pretti Caetano, e estou colhendo da petição inicial estes tópicos: “O Paciente foi condenado pela 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná pelo delito descrito no artigo 158 do Código Penal (extorsão) a 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 50(cinqüenta) dias multa em regime semi-aberto, tendo sido determinado no acórdão apenas o lançamento do nome do Paciente no rol dos culpados bem como emissão de Carta de Guia, conforme acórdão de O Eminente Desembargador Relator Antônio Martelozzo, acolheu as súplicas do Ministério Público de 2º grau e decretou a ordem de prisão, antes de julgar os Embargos Declaratórios interpostos pelo Paciente. O Desembargador ao apreciar o pleito do Paciente suspendeu a ordem de prisão, pois, analisaria com mais cautela se o Paciente realmente cumpriu mais de 1/6 da pena total que foi lhe imposta, para depois analisar se revogaria ou manteria a ordem de prisão. Indignado com a decisão proferida que não revogou a ordem de prisão, estando o Paciente com risco eminente de ser decretada a sua prisão a qualquer momento, interpõe o presente Habeas Corpus Preventivo com pedido liminar, para garantir o salvo conduto para que o mesmo possa responder o processo em liberdade até o trânsito em julgado sem ser recolhido a prisão.“ Provenientes do Tribunal de Justiça, são estas as informações a mim prestadas (24.9.07): “Em atendimento ao contido no telegrama MCD6T – 16.936/2007, subscrito por Vossa Excelência, passo a prestar as informações referentes ao habeas corpus em epígrafe, figurando como impetrante Ricardo Reimann, paciente Neviton Pretti Caetano e impetrado o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. O entendimento da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus em tela, está exposto nos registros computacionais do processo (fotocópia anexa), nada mais sendo necessário acrescentar para infirmar os argumentos alinhados na inicial do presente writ.“ É da Subprocuradora-Geral da República Julieta Fajardo este parecer: “6. O Ministério Público requereu a expedição do mandado de prisão para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade, o que foi deferido pelo e. Desembargador (fls. 2062). 7. Diante do pedido de reconsideração do despacho que determinou a expedição de mandado de prisão em desfavor de Neviton, decidiu o Relator suspender a execução da prisão, diante da oposição de embargos de declaração pela defesa e da necessidade de estudo mais detalhado em relação à situação do paciente (fls. 2075). 8. Com efeito, sabe-se que a expedição de mandado de prisão é efeito regular da sentença condenatória, sendo que o fato de não contar ainda com o trânsito em julgado da decisão condenatória, não representa óbice para tanto. 10. Por outro lado, é certo que o paciente permaneceu preso durante quase todo o processo e teve sua prisão relaxada por excesso de prazo na formação da culpa (fls. 2095). Sobrevindo, na hipótese, a condenação, a manutenção do réu preso, de forma fundamentada durante toda a instrução criminal, não ofende a garantia constitucional da presunção da inocência que nada mais é do que efeito de sua condenação. 11. Ante o exposto, opina o MPF pela denegação da ordem.“ É o relatório.

 
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR):
Quando, em 3.8.07, determinou se expedisse o mandado de prisão, escreveu o Relator – Desembargador Antônio Martelozzo – o seguinte em resumo: “I - O Ministério Público do Estado do Paraná, às fls. 2031/2034, à vista da condenação de Neviton Pretti Caetano, qualificado nos autos, pelo delito previsto no art. 158, caput, do Código Penal - extorsão -, às penas de 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, além de pena pecuniária, requer a expedição de mandado de prisão em face do sobredito réu, entendendo que o acórdão sob nº 4242 da Câmara, não determinou de modo expresso tal providência, aduzindo ser a mesma um dos efeitos da sentença condenatória recorrível. II - Ainda que se pudesse raciocinar como poder ser incabível agora determinar-se a expedição do mandado de prisão em desfavor de Neviton, tem-se entendido ser admissível tal ocorrer, cumprindo-se a pena corporal. O Tribunal ad quem condenando o réu, nada impede determine a expedição imediata de mandado de prisão, ainda que ele venha a interpor recurso às instâncias superiores, pois o inconformismo terá apenas efeito devolutivo. Colhe-se do STJ - 5ª T. o aresto que segue, aplicável ao caso: Eventual recurso extraordinário (ou especial) que possa ser interposto, será desprovido de efeito suspensivo, circunstância que não torna a providência sobredita ilegítima. Nesse sentido foi julgado pelo STF o RHC 64.749-9-SP, por sua 2ª T. (RT 617/406). Ainda, seguindo a mesma orientação o aresto do TJSC - 1ª Câmara Criminal (RT 625/336). O fato de não contar o acórdão ainda com trânsito em julgado não representa óbice à expedição de mandado de prisão, pois consoante antes dito, a prisão constitui-se em efeito da sentença (também do acórdão) condenatória (o) recorrível. A condenação, em casos que tais, terá, evidentemente, os efeitos de sentença condenatória recorrível, podendo ser provisoriamente executada, desde que eventual recurso que venha a ser utilizado, não conte com efeito suspensivo. No caso concreto, como se viu, possíveis recursos de que se poderia lançar mão seriam o extraordinário e o especial, tendo como efeito o devolutivo, segundo é da Lei - 8.038, de 28 de maio de 1990 (art. 27, § 2º) - e de conformidade com a jurisprudência. III - Diante do exposto, deferindo o pleito do Ministério Público de 2º Grau (fls. 2031/2034), determino seja expedido em desfavor de Neviton Pretti Caetano, qualificado nos autos, mandado de prisão, já que condenado fora (acórdão às fls. 1968/2027), dando-se início à execução da pena (esta a ser cumprida sob o regime semi-aberto).“ Dez dias após, o Relator decidiu assim: “I - Postula a defesa reconsideração do despacho que determinou a expedição de mandado de prisão em desfavor de Neviton Pretti Caetano. II - Diante do alegado que exige estudo mais detido e dada a oposição de embargos de declaração, estes pendentes de julgamento, suspendo a execução da prisão até ulterior decisão nossa, expedindo-se alvará de soltura em favor do mencionado sentenciado, o qual deverá ser posto em liberdade, desde que por outro motivo não se encontre custodiado. III - Após julgados os embargos, vista dos autos ao Ministério Público acerca do pedido de reconsideração.“ Sem embargo das palavras, aqui, da parecerista Julieta Fajardo, lá, do Relator, Antônio Martelozzo, diverso, entretanto, é o pensamento, principalmente, da 6ª Turma. No ano 2004, escrevi, para o HC-33.340, este voto: “Antes da sentença penal condenatória transitada em julgado, a prisão dela decorrente tem a natureza de medida cautelar, a saber, de prisão provisória – classe de que são espécies a prisão em flagrante, a temporária, a preventiva, etc. Em casos tais, requer-se se fundamente a sua imposição; por exemplo, quanto à preventiva, reza o art. 315 da lei processual que o despacho (ou a decisão) que a decrete ou a denegue 'seja sempre fundamentado'. Outra não tem sido a nossa jurisprudência quanto ao procedimento a ser adotado em relação ao flagrante, à vista do disposto no parágrafo único do art. 310. De outra banda, presume-se que toda pessoa é inocente, isto é, não será considerada culpada até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, princípio que, de tão eterno e de tão inevitável, prescindiria de norma escrita para tê-lo inscrito no ordenamento jurídico. Em qualquer lugar, a qualquer momento, aqui, ali e acolá, esse princípio é convocado em nome da dignidade da pessoa humana. Diante dessas aligeiradas linhas, ando perguntando a mim se se justifica a expedição de mandado de prisão, puramente, antes que a sentença penal condenatória transite em julgado. Há, da Terceira Seção do Superior Tribunal, a Súmula 267: 'A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão.' Não participei da formação da Súmula, mas lhe devo respeito, como devo respeito aos precedentes do nosso Tribunal, a todos, embora o próprio Tribunal, para minha tristeza, profunda tristeza, nem sempre respeite seus próprios precedentes. Devo-lhes respeito, dou-lhes fé e deixo com eles a minha fé, mas deles, não obstante tanto respeito e tanta fé, posso dissentir, até porque o nosso Regimento nos autoriza a remessa dos feitos à Seção ou à Corte Especial quando propomos a revisão da jurisprudência já assentada. Vejam o que um homem de letras e filósofo do século XVIII teria dito (dizem que as palavras são de Voltaire, o qual, ao nascer, recebeu o nome François-Marie Arouet): 'quem não muda de camisas, nem de idéias, é porque não tem umas nem outras.' Conquanto não tenha eu, pessoalmente, participado, repito, da formação da Súmula, estou propondo a mudança do seu enunciado. Trago, então, uma sugestão, consubstanciada em que a interposição, digamos, do recurso especial, não obstaria, a teor da leitura da Súmula 267, a expedição de mandado de prisão, desde que, nesse caso, o tribunal ou o juiz justificasse a prisão, tal como acontece, por exemplo, com a prisão preventiva, ut art. 315. Isso obviamente implicaria alteração da Súmula 267. Pensei até em sugerir fosse ela cancelada, verificando, depois, que é possível manter o enunciado, desde que alterado. Encaminhei, assim, o meu raciocínio no sentido de sugerir a alteração; com ela, parece-me, salvo melhor entendimento, que é possível o ajustamento da lei ao princípio da presunção de inocência. No caso em comento, foi o juiz da causa quem disse que haveria de se aguardar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, quem apelou foi a defesa, somente ela, e foi o Tribunal que determinou se expedisse o mandado de prisão, fê-lo sem nenhuma achega, sem nenhum fundamento, daí decorrer, portanto, a apontada coação ilegal. Acompanho o Relator, concedendo a ordem, a fim de que o paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado.“ E foi a ordem concedida, portando o acórdão esta ementa (Ministro Paulo Medina, DJ de 6.6.05): “1. Diante dos princípios constitucionais do estado de inocência e devido processo legal, não subsiste o art. 637, do Código de Processo Penal, pois não recepcionado pela Constituição da República; 2. O art. 27, § 2º, da Lei 8.038/90 estabelece regras gerais sobre os recursos especial e extraordinário, e, frente aos princípios constitucionais do estado de inocência e devido processo legal e à Lei 7.210/84 (Lei de Execuções Penais), não abarca esses recursos quando encerrarem matéria penal cujo conteúdo tenda a afastar a pena imposta; 3. A Súmula 267 do Superior Tribunal de Justiça deve ser interpretada no sentido de ser possível a prisão provisória, ainda que interposto recurso especial, somente quando presente qualquer dos motivos ensejadores da prisão preventiva, dado o caráter cautelar das prisões provisórias; 4. Inteligência dos princípios da máxima efetividade e da interpretação conforme a constituição, cânones da hermenêutica constitucional; 5. Dispondo a sentença condenatória – transitada em julgado para a acusação – que o réu pode recorrer em liberdade, porque inexistentes os requisitos da prisão cautelar e, além disso, condicionando a execução da pena ao trânsito em julgado, não pode o Tribunal a quo, em apelação exclusiva da defesa, piorar a situação do condenado, para determinar a imediata execução da reprimenda, pois caracteriza reformatio in pejus; 6. Ainda que o Tribunal de 2º grau não esteja vinculado ao juízo de primeira instância, não está autorizado a reformá-lo, em qualquer de seus dispositivos, sem motivada fundamentação (art. 93, IX, CRFB). 7. Ordem concedida.“ Do ano 2006, aqui seguem as ementas de dois julgados da 6ª Turma (HC-50.026, Ministro Paulo Gallotti, DJ 12.11.07, e HC-49.672, Ministro Nilson Naves, DJ 6.11.06): – “Habeas corpus . Crime hediondo. Direito de recorrer em liberdade. Julgamento da apelação. Expedição de mandado de prisão. Ordem concedida. 1. A prisão cautelar, assim entendida toda prisão que antecede a condenação transitada em julgado, só pode ser imposta se evidenciada, com explícita fundamentação, a necessidade da rigorosa providência, ainda que se trate de crime hediondo. 2. Ordem concedida para assegurar ao paciente o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da condenação.“ – “Réu (em liberdade). Apelação (expedição de mandado). Prisão (caráter provisório). Trânsito em julgado da sentença (não-ocorrência). 1. Antes de a sentença penal condenatória transitar em julgado, a prisão dela decorrente tem a natureza de medida cautelar, a saber, de prisão provisória – classe de que são espécies a prisão em flagrante, a temporária, a preventiva, etc. 2. O ato que determina a expedição de mandado de prisão – oriundo de juiz ou proveniente de tribunal (do relator de apelação, por exemplo) – há de ser sempre fundamentado. 3. Presume-se que toda pessoa é inocente, isto é, não será considerada culpada até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, princípio que, de tão eterno e de tão inevitável, prescindiria de norma escrita para tê-lo inscrito no ordenamento jurídico. 4. É da jurisprudência do Superior Tribunal que, em liberdade, o réu possa permanecer até que se esgotem os recursos de índole ordinária e extraordinária. 5. Ordem concedida em parte a fim de se garantir liberdade ao paciente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.“ Deste ano, confiram o HC-72.726, Ministra Maria Thereza, DJ de 10.2.07, e o HC-70.844, Ministro Hamilton Carvalhido, DJ de 22.10.07. Relativamente à indicada ameaça, ameaça aqui há, tanto que se trata de prisão feita e de prisão temporariamente desfeita, motivo por que, para evitar a ameaça – ameaça de violência ou coação ilegal –, voto no sentido de, concedendo a ordem (concedo-a para que o paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença penal condenatória), expedir ao paciente salvo-conduto. Determino se comunique à autoridade indicada coatora.

 
EMENTA -
Habeas corpus preventivo (hipótese de cabimento). Ameaça de prisão (caso). Trânsito em julgado (ausência). Recursos (não-esgotamento). Salvo-conduto (deferimento). 1. O habeas corpus preventivo tem cabimento quando, de fato, houver ameaça à liberdade de locomoção, isto é, sempre que fundado for o receio de o paciente ser preso ilegalmente. E tal receio haverá de resultar de ameaça concreta de iminente prisão. 2. No caso, presente a ameaça de prisão – trata-se de prisão cautelar feita e, logo após, temporariamente desfeita –, é de se conceder o salvo-conduto. 3. Antes de a sentença penal condenatória transitar em julgado, a prisão dela decorrente tem a natureza de medida cautelar, a saber, de prisão provisória – classe de que são espécies a prisão em flagrante, a temporária, a preventiva, etc. 4. Presume-se que toda pessoa é inocente, isto é, não será considerada culpada até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, princípio que, de tão eterno e de tão inevitável, prescindiria de norma escrita para tê-lo inscrito no ordenamento jurídico. 5. Habeas corpus concedido para que o paciente permaneça em liberdade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

 
ACÓRDÃO -
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti, Maria Thereza de Assis Moura e Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG) votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves. O Dr. Ricardo Reimann fez sustentação oral pelo paciente, Neviton Pretti Caetano. Brasília, 18 de dezembro de 2007 (data do julgamento).

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