Recurso Especial Nº 770.646/rs

Sursis processual. Art. 89 da Lei 9099/95. Revogação após o transcurso do período de prova. Possibilidade.

Rel. Min. Felix Fischer


RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER:
Trata-se de recurso especial interposto pelo Parquet, com fulcro no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Lex Fundamentalis, contra v. julgado do e. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que proferiu o v. acórdão na apelação criminal nº 70008290520, que restou assim ementado: “SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. REVOGAÇÃO. PRAZO VENCIDO. IMPOSSIBILIDADE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. Inviável revogar a suspensão do processo, após o vencimento do prazo da suspensão, mesmo que se verifique o não cumprimento de alguma condição estabelecida quando da sua concessão, sob pena de se colocar em permanente risco tanto a segurança jurídica como as liberdades individuais. Impositiva a extinção da punibilidade. Recurso Improvido“ (fl. 71) Depreende-se dos autos que o recorrido foi beneficiado com a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95, deixando, entretanto, de cumprir as condições impostas quando da concessão do benefício. Encerrado o período de suspensão, requereu o Parquet sua revogação em razão do descumprimento. O pedido restou negado pelo MM. Juízo ao fundamento de que encerrado o período da suspensão condicional, não mais se poderia determinar a reabertura do processo, porquanto extinta a punibilidade, decisão mantida pelo e. Tribunal a quo. Nas razões do apelo nobre (fls. 80/91) aponta, a par de dissídio jurisprudencial, ofensa ao art. 89, § 5º, da Lei 9.099/95, alegando que, ainda que encerrado o período da suspensão condicional do processo, pois ainda não havia sido proferida decisão de extinção da punibilidade. Contra-razões às fls. 93/97. O recurso foi admitido em juízo de prelibação às fls. 99/100 verso. A douta Subprocuradoria-Geral da República se manifestou pelo provimento do recurso, em parecer de fls. 106/109, que restou assim ementado: “RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE REPARAÇÃO DE DANO. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO POSTERIOR AO DECURSO DE PRAZO. POSSIBILIDADE. - A suspensão condicional do processo, quando preenchidos os seus requisitos, é um direito subjetivo público do réu. Entretanto, deve-se revogar o benefício se o réu vier a ser processado por outro feito criminal ou descumprir as condições acordadas. - A falta de cumprimento da reparação de dano, sendo ela estabelecida como uma das condições para a concessão do benefício, é causa bastante para a revogação da benesse, mesmo que só verificada após o decurso da prazo de suspensão. - Parecer pelo provimento“ (fl. 106) É o relatório.

 
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER:
Sustenta o recorrente que, mesmo após o encerramento do período da suspensão condicional do processo, o benefício deve ser revogado, ante o descumprimento de suas condições, pois ainda não havia sido proferida decisão de extinção da punibilidade. A irresignação merece prosperar. A teor do art. 89, § 4º, da Lei nº 9099/95, se o acusado descumprir condição imposta a ser observada durante o período de prova da suspensão condicional do processo, impõe-se a revogação do benefício, ainda que esta decisão venha a ser proferida após transcorrido o período de prova. Vale dizer, o réu deixa de ser merecedor do benefício, que é norma excepcional, para ser normalmente processado com todas as garantias pertinentes. Confira-se, nesse sentido, o seguinte julgado prolatado pelo c. Supremo Tribunal Federal: “EMENTA: I. Habeas corpus: impetração contra decisão do STJ que não conheceu de um dos seus fundamentos, porque não ventilado no Tribunal local, razão de ordem processual que o impetrante não impugna no presente HC, requerido ao STF, no qual se adstringe a insistir no mérito da alegação: descabimento, nessas circunstâncias, do exame originário da questão pelo STF, salvo quando seja o caso de concessão de ofício da ordem. II. Suspensão condicional do processo. 1. Suspenso condicionalmente o processo, não cabe ao juiz, ainda no curso do período respectivo, declarar parceladamente cumpridas - com força decisória de sentença definitiva - cada uma das condições a cuja satisfação integral ficou subordinada a extinção da punibilidade: se antes não adveio revogação por motivo devidamente apurado, é que incumbe ao Juiz, findo o período da suspensão do processo, declarar extinta a punibilidade - aí, sim, por sentença - ou, caso contrário, se verifica não satisfeitas as condições, determinar a retomada do curso dele. 2. A decisão que revoga a suspensão condicional pode ser proferida após o termo final do seu prazo, embora haja de fundar-se em fatos ocorridos até o termo final dele.“ (sem grifo no original). (HC 80747/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence DJU de 19/10/2001). No corpo do v. aresto, tem-se: “Redargúi, contudo, o impetrante que, na última hipótese - que implica a revogação do sursis processual -, a decisão há de anteceder o termo final da suspensão, exaurido o qual, já estaria consumada a extinção da punibilidade. Funda-se, para tanto - invocando opiniões doutrinárias - no teor do art. 89, § 5º, da L. 9.099/95: “Art. 89. (...) § 5º. Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade“. “Isto não significa“ - contradita, porém, o d. Luiz Flávio Gomes (Suspensão Condicional do Processo Penal, 2§ ed. RT, 1997, p. 342) - que mesmo depois de expirado o prazo não possa o juiz revogar a suspensão. Pode. A melhor leitura do dispositivo invocado é a seguinte, portanto: expirado o prazo sem ter havido motivo para a revogação, o juiz declarará extinta a punibilidade. Mesmo que descoberto esse motivo após expirado o prazo, pensamos que pode haver revogação. O mesmo não pode ser dito se já existe sentença definitiva extintiva de punibilidade, isto é, se o juiz já julgou extinta a punibilidade em sentença definitiva e depois vem a descobrir o motivo da revogação, nada mais pode ser feito, mesmo porque agora deve-se respeitar a coisa julgada. E não existe revisão pro societate “. Essa, a meu ver, a solução correta. O entendimento contrário, data venia - ainda que possa reivindicar em seu favor a literalidade do dispositivo legal -, conduz ao absurdo, que é de repelir. Com efeito. Suspenso o processo pelo prazo fixado, o resultado favorável da medida - é dizer, a extinção da punibilidade do fato - fica subordinado a que, no mesmo período não haja sobrevindo algumas das causas de revogação do benefício, entre elas, o descumprimento das condições impostas na sua concessão (L. 9.099/95, art. 89, § 4º). Em outros termos: a superveniência de qualquer uma delas, até o termo final do período de suspensão, impede a extinção da punibilidade e impõe a retomada do processo.“ Nessa linha de intelecção, posiciona-se esse Colendo Superior Tribunal de Justiça, consoante se depreende das ementas a seguir transcritas: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . ART. 171, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. SURSIS PROCESSUAL. PERÍODO DE PROVA. PROCESSO POR OUTRO CRIME. REVOGAÇÃO. A suspensão condicional do processo pode ser revogada, mesmo após o termo final do seu prazo, se o acusado vier a ser processado por outro crime, a teor do art. 89, § 3º, da Lei nº 9.099/95, durante o curso do benefício, desde que não tenha sido proferida a sentença extintiva da punibilidade (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso). Writ denegado.“ (HC 42320/SP, 5ª Turma, de minha relatoria, DJU de 12/12/2005) “RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. LEI 9.099/95. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ACUSADO PROCESSADO DURANTE O PERÍODO DE PROVA. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO. EXPIRAÇÃO DO PRAZO SUSPENSIVO. IRRELEVÂNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. O traço essencial da suspensão condicional do processo, de imposição excepcional, é, precisamente, a sua revogabilidade, o que exclui, a seu respeito, a invocação da coisa julgada, não havendo razão que impeça a sua desconstituição pelo conhecimento subseqüente de fato que determina o seu incabimento. 2. O término do período de prova sem revogação do sursis processual não induz, necessariamente, à decretação da extinção da punibilidade delitiva, que somente tem lugar após certificado que o acusado não veio a ser processado por outro crime no curso do prazo ou não efetuou, sem motivo justificado, a reparação do dano. 3. Recurso provido.“ (REsp 573964/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJU de 15/08/2005) “RECURSO EM HABEAS CORPUS . PORTE DE ARMA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. RÉU PROCESSADO POR OUTRO CRIME NO CURSO DO BENEFÍCIO. REVOGAÇÃO APÓS O TÉRMINO DO PERÍODO DE PROVA E PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. O exaurimento do tempo de prova não impede a revogação da suspensão condicional do processo, desde que por função de causa legal obrigatória. Precedentes. 2. Recurso improvido. (RHC14827/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 11/04/2005) “PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. DESCUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES. REVOGAÇÃO AUTOMÁTICA DO SURSIS. DECISÃO PROFERIDA DEPOIS DE EXPIRADO O PRAZO. ADMISSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. I - A suspensão condicional do processo é automaticamente revogada, se o réu vem a descumprir as condições impostas pelo Juízo. II - Sendo a decisão revogatória do sursis meramente declaratória, não importa que a mesma venha a ser proferida somente depois de expirado o prazo de prova. III - Deve ser revogado o benefício da suspensão condicional do processo, dando-se prosseguimento à ação penal. IV - Recurso provido, nos termos do voto do Relator.“ (REsp 611709/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 02/08/2004) Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial. É o voto.

 
EMENTA -
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. SURSIS PROCESSUAL (ART. 89 DA LEI Nº 9099/95). REVOGAÇÃO APÓS TRANSCURSO DO PERÍODO DE PROVA. A suspensão condicional do processo pode ser revogada, mesmo após o termo final do seu prazo, se constatado o não cumprimento de condição imposta durante o curso do benefício, desde que não tenha sido proferida a sentença extintiva da punibilidade (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ). Recurso Especial provido.

 
ACORDÃO -
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 17 de agosto de 2006 (Data do Julgamento).

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