APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0013360-78.2011.4.03.6181/SP

RELATOR: DESEMB. VALDECI DOS SANTOS -  

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. LEI 11.343/2006. OPERAÇÃO SEMILLA. É SUFICIENTE A EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE TRANSNACIONALIDADE DO DELITO NO MOMENTO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUÍZ NATURAL E DE QUALQUER REGRA DE CONEXÃO/CONTINÊNCIA. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO À SÚMULA VINCULANTE Nº 14 E AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. COLHEITA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS DE FORMA ACIDENTAL. POSSIBILIDADE. SERENDIPIDADE. A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA PREENCHE OS REQUISITOS LEGAIS. DESNECESSIDADE DE TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DOS DIÁLOGOS INTERCEPTADOS. DILAÇÃO DE PRAZO DO MONITORAMENTO TELEFÔNICO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NOS AUTOS. AFASTADA A PRELIMINAR DE NULIDADE PELA AUSÊNCIA DE PROVA PERICIAL CONFRONTANDO AS VOZES INTERCEPTADAS COM AS VOZES DOS RÉUS. DESNECESSIDADE DE CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA. NÃO COMPROVADA A EXISTÊNCIA DE QUALQUER VÍCIO NO PROCEDIMENTO DE MONITORAMENTO TELEFÔNICO. NÃO CONHECIDO O PLEITO DE ANULAÇÃO DO PROCESSO POR COMPARAÇÃO COM OUTROS FEITOS. MATERIALIDADE DOS TRÊS FLAGRANTES DEMONSTRADA. AUTORIA RELATIVA AOS CRIMES DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES E DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO COMPROVADAS. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO DOS RÉUS. PENAS DOS RÉUS INALTERADAS. IMPROVIMENTO DOS RECURSOS. 1. O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra os réus João Alves de Oliveira, Ralph Oliveira do Amaral Filho, Eunice Terezinha Pereira da Cunha, Nelson da Cunha, Nerivaldo da Cunha, Sidneis Aparecido Pereira, Marco Antonio Santos, Mauro Mendes de Araújo e Apolônio Leal de Almeida, pelo cometimento dos crimes descritos nos artigos 33, "caput", 35 c.c. o artigo 41, inciso I, todos da lei nº 11.343/2006, mediante o concurso material de delitos. Após o recebimento da denúncia, houve o desmembramento do feito em relação ao corréu Apolônio Leal de Almeida. 2. Narra a peça acusatória que os fatos tratam da "Operação Semilla", desmembramento da "Operação Niva", em trâmite perante a 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo (PCD nº 003498-54.2009.403.6181), iniciada em julho de 2010. Relata que, durante o acompanhamento das atividades alvos da "Operação Niva", identificou-se a organização criminosa chefiada por Eurico Augusto Pereira, a partir de contatos mantidos entre PERNAMBUCO e SLOBODAN KOSTOVSKI (PETER), nos quais PERNAMBUCO intermediava a venda da droga, fornecida e internalizada por EURICO e seus associados, a PETER, razão pela qual EURICO passou a ser incluído nas medidas de monitoramento telefônico então em curso. 3. Apurou-se que o contato entre as organizações criminosas tinha sido pontual, apenas para comercialização de cocaína, razão pela qual foi determinado o desmembramento do feito, para instauração de procedimento próprio. Em diálogos mantidos por EURICO, há menção a outro traficante, BATISTA (João Alves de Oliveira), que atuava de forma autônoma, mas, mantinha vínculos com EURICO, tanto pelo uso de infraestrutura em comum, como pela identidade de fornecedores e compradores. 4. BATISTA passou a ser investigado ainda em julho de 2010, quando estava negociando o carregamento de droga que veio a ser apreendido em São Paulo, no dia 10 de julho daquele mesmo ano. Confirmado o seu envolvimento em tráfico internacional de entorpecentes, aprofundou-se a investigação, com a inclusão de associados e interlocutores em interceptação telefônica. 5. No início de 2011, BATISTA associou-se a NERIVALDO e NELSON DA CUNHA, através de contatos efetuados por RALPH DE OLIVEIRA DO AMARAL FILHO, para internalizar droga através da fronteira com o Paraguai. 6. O presente caso trata de um braço da denominada "Operação Semilla" relacionado a três autos de prisão em flagrante: o primeiro referente à apreensão de 3140,5 kg de maconha, no dia 16 de fevereiro de 2011 (IPL nº 068/2011 DPF/GRA/PR); o segundo à apreensão de 2014,7 kg de maconha, no dia 17 de março de 2011 (IPL nº 0120/2011 DPF/GRA/PR); e o terceiro à apreensão de 24,56 kg de cocaína, no dia 30 de março de 2011 (IPL nº 298/2011 SR/DPF/PI). 7. A existência de fortes indícios da transnacionalidade dos delitos de tráfico de entorpecentes e associação para o tráfico, no momento do recebimento da denúncia, é suficiente para firmar a competência da Justiça Federal. Ademais, é desnecessária a efetiva transposição de fronteiras entre países para que se configure a internacionalidade, bastando a existência de qualquer liame com o exterior, seja pela exportação ou pela importação das drogas. Ainda que a transnacionalidade de um dos delitos não venha a ser confirmada no decorrer da instrução probatória, opera-se a perpetuatio jurisdictionis, nos termos do artigo 81 do Código de Processo Penal, conforme já decidido pelo C. Superior Tribunal de Justiça. Precedente. 8. Ante a complexidade e a extensão dos desdobramentos da "Operação Niva" e da "Operação Semilla", fez-se necessária, por diversas vezes, a separação dos feitos, a fim de se facilitar a atuação das defesas e do Parquet, garantindo-se, inclusive, um julgamento mais célere para cada um dos processos. Com efeito, os processos versam sobre situações distintas, cada qual relativa a um flagrante, sendo apreendidas substâncias entorpecentes de natureza e quantidade diversas, de modo que é absolutamente possível que o mesmo réu seja absolvido em um dos feitos e condenado em outros, bem como que sejam fixadas penas diferentes para cada condenação, sem que isso configure violação ao princípio do juiz natural, tampouco violação de qualquer regra de conexão/continência. 9. No tocante ao princípio da identidade física do juiz, a própria redação do artigo 132 do Código de Processo Civil de 1973 previa exceções à regra. Além disso, o C. STJ havia firmado entendimento no sentido de que o referido princípio não se revestia de caráter absoluto. No âmbito criminal, o § 2º do artigo 399 Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº 11.719/2008, dispõe somente que "O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença", de modo que a jurisprudência entendia pela aplicação, por analogia, das exceções previstas no CPC. Ademais, no caso dos autos, não restou demonstrada a existência de prejuízo aos réus, em razão da atuação de juízes distintos. 10. Não prospera a alegação de que a Portaria nº 36/2011 do Juízo a quo, que permitiu o acesso aos autos somente na Secretaria da Vara, viola a Súmula Vinculante nº 14, e os princípios da legalidade, isonomia e devido processo legal. Isso porque o processo em questão é formado por uma grande quantidade de volumes, havendo, ainda, multiplicidade de réus, de modo que o indeferimento de vista fora de Cartório, para cada um dos procuradores constituídos, teve como escopo evitar tumulto processual, prezando pela celeridade do julgamento, uma vez que os réus se encontravam reclusos. Ademais, conforme bem fundamentado na r. sentença, tal medida não acarretou nenhum prejuízo aos réus. 11. No caso dos autos, algumas provas produzidas durante a "Operação Niva" foram utilizadas como fundamento para se iniciar as investigações da "Operação Semilla", não se tratando, todavia, de prova emprestada, mas, de informações propiciadas pela interceptação telefônica, que podem ser objeto de contestação pela defesa. Porém, ainda que fosse outro o entendimento, a prova emprestada é amplamente aceita no processo penal, sendo admissível a sua utilização, assegurados o contraditório e a ampla defesa, desde que esta não constitua o único elemento probatório a embasar a condenação dos réus. 12. Ademais, nossos Tribunais Superiores têm entendido que é válida a interceptação telefônica que colhe elementos probatórios de forma acidental, tendo estes elementos conexão com o fato investigado, ou não. Nessa senda, a Corte Especial do C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento da Ação Penal nº 690 (DJE: 22/05/2015), de relatoria do Exmo. Ministro João Otávio Noronha, dispôs sobre a serendipidade. Precedente. 13. Embora a redação do artigo 5º da Lei nº 9.296/96 tenha previsto somente o prazo de 15 (quinze) dias renovável por mais 15 (quinze) dias, já se firmou entendimento na jurisprudência no sentido de que o prazo em questão poderá ser prorrogado quantas vezes for necessário, mediante decisão fundamentada. Precedentes. 14. No caso dos autos, a investigação efetuada pela Polícia Federal, no bojo da "Operação Semilla", tinha como escopo desmantelar organização criminosa, composta por diversos indivíduos, voltada ao tráfico internacional de drogas, de modo que, para a total elucidação dos fatos, fez-se necessária a dilação de prazo do monitoramento telefônico por inúmeras vezes, não havendo qualquer ilegalidade nas interceptações. 15. A interceptação telefônica só deve ser autorizada em última hipótese, ou seja, quando não for possível a produção de provas por qualquer outro meio legal disponível, situação que corresponde exatamente ao caso dos autos. Com efeito, a natureza dos crimes investigados na "Operação Semilla", bem como a quantidade de pessoas envolvidas, não deixa dúvidas de que outros meios de prova não seriam hábeis a alcançar o mesmo resultado. Trata-se de organização criminosa voltada ao tráfico internacional de entorpecentes, agindo em diversas localidades do país, de modo que somente através das informações colhidas nas interceptações telefônicas foi possível à Polícia Federal perpetrar os inúmeros flagrantes, fornecendo ao Ministério Público Federal indícios suficientes para fundamentar as denúncias ofertadas. 16. É desnecessária a transcrição integral do conteúdo dos diálogos telefônicos interceptados pela autoridade policial, bastando que seja efetuada a degravação dos excertos imprescindíveis ao embasamento da denúncia. Precedente. 17. A Lei nº 9.296/96 não prevê a necessidade de realização de perícia para a identificação das vozes captadas em interceptações telefônicas. De acordo com o disposto no artigo 184 do Código de Processo Penal, com exceção do exame de corpo de delito, pode o juiz negar a perícia requerida pelas partes, quando esta se mostrar desnecessária ao esclarecimento da verdade. No caso dos autos, além dos elementos colhidos durante o inquérito policial, houve a produção de prova testemunhal e documental, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, cujo teor corroborou o conteúdo dos diálogos oriundo das interceptações telefônicas. Nessa senda, a existência de robusto conjunto probatório a embasar a condenação dos réus torna desnecessária a realização da perícia em questão, razão pela qual rejeita-se a preliminar de nulidade, bem como o pedido de conversão do julgamento em diligência. 18. Indeferido o pleito de anulação do processo por ausência de transcrição integral dos áudios, ausência de tradução dos diálogos em língua estrangeira, e a possibilidade de manipulação nas gravações, "já que o sistema de arquivo RTF é que contém as informações, e que este arquivo são editáveis, e portanto passível de modificação a qualquer momento, sem deixar vestígios". Conforme assinalado na r. sentença, as mídias com as gravações integrais dos monitoramentos estavam disponíveis às defesas, de modo que, entendendo pela existência de vício nas traduções ou transcrições efetuadas pela Polícia Federal, os réus poderiam ter apontado trechos específicos, bem como o conteúdo supostamente correto de tais trechos, o que não ocorreu. A defesa se limitou a fazer alegações genéricas, pressupondo a existência, inclusive, de manipulação das gravações, com base somente no "sistema de arquivo" que contém as informações. 19. A defesa do réu Ralph requer a anulação do processo, sob a alegação de que as penas cominadas ao réu são muito elevadas em comparação a outros casos similares. Preliminar não conhecida por ausência de previsão legal. 20. A materialidade delitiva dos três flagrantes - IPL nº 068/2011 DPF/GRA/PR, IPL nº 0120/2011 DPF/GRA/PR e IPL nº 298/2011 SR/DPF/PI - restou amplamente comprovada nos autos, sendo que a somatória do material apreendido diz respeito à aproximadamente 5000 kg de maconha e de 25 kg de cocaína. 21. A autoria dos réus João Alves, Ralph, Nerivaldo e Sidneis, no tocante à venda, internalização, transporte e guarda de 3.140,5 kg de maconha, nos termos do artigo 33, caput, c/c artigo 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006, restou comprovada pelo conteúdo dos áudios oriundos das interceptações telefônicas, inteiramente confirmado pela prova testemunhal. 22. Autoria dos réus Ralph, João Alves, Nerivaldo, Nelson e Eunice, no tocante à aquisição, venda, internalização, transporte e guarda de 2014,7 kg de maconha, nos termos do artigo 33, caput, c/c artigo 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006, igualmente evidenciada pelo conjunto probatório. 23. Autoria dos réus Ralph, João Alves, Nerivaldo, Mauro, Marco Antônio e Sidneis, no tocante à venda e transporte de 24,56 kg de cocaína, nos termos do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, exaustivamente demonstrada pelo conjunto probatório. 24. Nos três flagrantes em análise, as investigações encetadas pela Polícia Federal e as provas produzidas em Juízo demonstram que se trata de uma organização criminosa voltada ao tráfico de entorpecentes, com modus operandi de relevante complexidade e clara divisão de tarefas entre os réus, de modo que deve ser mantida a condenação dos acusados João Alves, Ralph, Marco Antônio, Mauro, Eunice, Nelson, Nerivaldo e Sidneis, pelo delito previsto no artigo 35 da Lei nº 11.343/2006 em relação a todos os flagrantes pelos quais foram condenados pelo delito descrito no artigo 33, caput, da mesma lei. 25. Condenações mantidas. 26. Cumprido o escopo da prevenção geral e específica, impôs-se a justa retribuição da pena derivada a todos os réus, de modo que a sentença recorrida não merece reparos no tocante à dosimetria. 27. Mantida a determinação de destruição do armamento apreendido em poder do réu Nelson, uma vez que se deu em estrita observância ao disposto no artigo 25 da Lei 10.826/2003. 28. Determinada a expedição de mandado de prisão em desfavor de Nerivaldo da Cunha, com validade até 18/11/2029, para imediato cumprimento das penas, nos termos do novel entendimento do STF (HC 126.292 e ADCs 43 e 44 e ARE 964.246), tendo em vista que o referido réu se encontra foragido. 29. Quanto aos réus João Alves de Oliveira, Ralph Oliveira do Amaral, Eunice Terezinha Pereira da Cunha, Nelson da Cunha, Sidneis Aparecido Pereira, Marco Antônio dos Santos e Mauro Mendes de Araújo, que se encontram recolhidos em estabelecimentos prisionais, determinou-se a notificação do Juízo das Execuções Penais. 30. Matéria preliminar rejeitada. Apelações dos réus João Alves de Oliveira, Ralph Oliveira do Amaral, Nerivaldo da Cunha, Eunice Terezinha Pereira da Cunha, Nelson da Cunha, Sidneis Aparecido Pereira, Marco Antônio dos Santos e Mauro Mendes de Araújo a que se nega provimento. Apelação do Ministério Público Federal a que se nega provimento.

Para ler o documento na íntegra, clique aqui!

 

Comments are closed.