HC 153397 / SP

Relator:  Min. RICARDO LEWANDOWSKI -  

Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União, em favor de Aristides Antonio de Moraes, contra acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao AREsp 1.043.239-AgR/SP, assim ementado: “AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. ART. 183 DA LEI 9.472/97. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CRIME FORMAL, DE PERIGO ABSTRATO. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. ATENUANTE. CONFISSÃO. REDUÇÃO A LIMITE INFERIOR. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 231/STJ. I - Não se aplica o princípio da insignificância à conduta descrita no art. 183 da Lei 9.472/197 (‘Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação’). Isso porque o referido crime é considerado formal, de perigo abstrato, tendo como bem jurídico tutelado a segurança e o regular funcionamento dos meios de comunicação. Precedentes. II - Súmula 231/STJ: ‘A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal’. Agravo regimental desprovido.” Na denúncia é narrado que, “[n]o dia 03 de agosto de 2009, agentes de fiscalização da ANATEL dirigiram-se ao imóvel sito na Rua Catarina Cintra, n° 15/52, Vila Nossa Senhora Aparecida, JuquitibalSP, onde constataram o funcionamento de uma estação transmissora clandestina denominada 'Rádio Educadora Sat FM', que operava na freqüência de 97,9 Mhz. Segundo a ANATEL, a rádio operava sem a indispensável autorização” (pág. 193 do documento eletrônico 2). O paciente foi absolvido em primeira instância, haja vista que o magistrado de primeiro grau considerou que o fato narrado não constitui infração penal, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal. Inconformado, o Ministério Público apelou ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que deu provimento ao recurso, condenando o paciente à pena de 2 anos de detenção e 10 dias-multa no valor unitário de 1/30 do salário mínimo, em regime aberto, substituindo a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. A Defensoria interpôs recurso especial no Superior Tribunal de Justiça. Ao analisar o apelo, a Corte superior negou-lhe provimento, ao consignar que o princípio da insignificância não deve ser aplicado à conduta em tela, por tratar-se de crime formal. No presente writ, a Defensoria Pública informa que a “Rádio Educadora FM”, operava na frequência 104,5 FM, com potência de radiodifusão sonora de 19 watts, conforme nota técnica da ANATEL. Dessa forma, a atividade de telecomunicação exercida pelo paciente pode ser considerada como serviço de radiodifusão prestado à comunidade, nos termos do art. 1°, § 1°, da Lei 9.612/1998, litteris: “Art. 1° Denomina-se Serviço de Radiodifusão Comunitária a radiodifusão sonora, em freqüência modulada, operada em baixa potência e cobertura restrita, outorgada a fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, com sede na localidade de prestação do serviço. § 1° Entende-se por baixa potência o serviço de radiodifusão prestado a comunidade, com potência limitada a um máximo de 25 watts ERP e altura do sistema irradiante não superior a trinta metros.” Aduz, portanto, ser “crível defender-se a atipicidade penal da conduta do paciente, uma vez que não apresenta densidade suficiente para expor, sequer a perigo, o bem jurídico tutelado na norma penal incriminadora” (pág. 3 do documento eletrônico 1). Ao final, requer a concessão da ordem de habeas corpus para que seja aplicado ao presente caso o princípio da insignificância. É o relatório. Decido. Bem examinados os autos, destaco, inicialmente, que, embora o presente writ tenha sido impetrado em substituição a recurso extraordinário, esta Segunda Turma não opõe óbice ao seu conhecimento. Nesse sentido, cito os seguintes precedentes: HC 126.791-ED/RJ, HC 126.614/SP e HC 126.808-AgR/PA, todos da relatoria do Ministro Dias Toffoli. Muito bem. Busca-se, neste habeas corpus, o reconhecimento da atipicidade da conduta praticada pelo paciente, em virtude da aplicação do princípio da insignificância. A pretensão merece acolhida. Como é cediço, o Direito Penal deve ocupar-se apenas de lesões relevantes aos bens jurídicos que lhes são caros, devendo atuar sempre como última medida na prevenção e repressão de delitos, ou seja, de forma subsidiária a outros instrumentos repressivos. Isso significa que o bem jurídico deve receber a tutela da norma penal somente quando os demais ramos do Direito não forem suficientes para punir e reprimir determinada conduta. Conforme magistério de Nucci (2010, p. 48), “[o] direito penal deve ser visto, no campo dos atos ilícitos, como fragmentário, ou seja, deve ocupar-se das condutas mais graves, verdadeiramente lesivas à vida em sociedade, passíveis de causar distúrbios de monta à segurança pública e à liberdade individual. O mais deve ser resolvido pelos outros ramos do direito, através de indenizações civis ou punições administrativas”1. No julgamento do HC 84.412/SP, Relator o Ministro Celso de Mello, esta Suprema Corte passou a adotar critérios objetivos para a aplicação do princípio da insignificância. Com efeito, devem estar presentes, concomitantemente, os seguintes vetores: (i) mínima ofensividade da conduta; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Pois bem, na espécie vertente, vislumbro a presença de todos os requisitos acima mencionados, de modo que a aplicação do princípio da insignificância é medida que se impõe. Isso porque, conforme documentado nos autos, a rádio comunitária com potência de radiodifusão sonora de 19 watts é considerada de baixa potência pela legislação de regência. Nesta senda, considerando que o bem jurídico tutelado pela norma – a segurança dos meios de telecomunicações - permaneceu incólume, não tendo sofrido, portanto, qualquer espécie de lesão, ou ameaça de lesão que mereça a intervenção do Direito Penal, não há como reconhecer a tipicidade material da conduta ante a incidência, na hipótese, do princípio da insignificância. Logo, atento às peculiaridades do caso sob exame, entendo, ante a irrelevância da conduta praticada pelo paciente e da ausência de resultado lesivo, que a matéria não deve ser resolvida na esfera penal, mas nas instâncias administrativas. No sentido do que aqui exposto, cito as ementas dos seguintes julgados desta Segunda Turma: “HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL E PENAL. WRIT SUBSTITUTO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO: ADMISSIBILIDADE. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REQUISITOS PRESENTES NA ESPÉCIE: IRRELEVÂNCIA DA CONDUTA PRATICADA PELO PACIENTE. MATÉRIA QUE DEVERÁ SER RESOLVIDA NAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVAS. ORDEM CONCEDIDA. I - Embora o presente habeas corpus tenha sido impetrado em substituição a recurso extraordinário, esta Segunda Turma não opõe óbice ao seu conhecimento. II - A Suprema Corte passou a adotar critérios objetivos de análise para a aplicação do princípio da insignificância. Com efeito, devem estar presentes, concomitantemente, os seguintes vetores: (i) mínima ofensividade da conduta; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada. III - Ante a irrelevância da conduta praticada pelo paciente e da ausência de resultado lesivo, a matéria não deve ser resolvida na esfera penal e sim nas instâncias administrativas. IV – Ordem concedida” (HC 138.134/BA, de minha relatoria). “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. RÁDIO COMUNITÁRIA. OPERAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO DO PODER PÚBLICO. IMPUTAÇÃO AO PACIENTE DA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 183 DA LEI 9.472/1997. BEM JURÍDICO TUTELADO. LESÃO. INEXPRESSIVIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. CRITÉRIOS OBJETIVOS. PRESENÇA. APURAÇÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. I - A aplicação do princípio da insignificância deve observar alguns vetores objetivos: (i) conduta minimamente ofensiva do agente; (ii) ausência de risco social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) inexpressividade da lesão jurídica. II – Critérios que se fazem presentes, excepcionalmente, na espécie, levando ao reconhecimento do denominado crime de bagatela. III – Rádio comunitária que era operada no KM 180 da BR 230 (Rodovia Transamazônica), comunidade de Santo Antônio do Matupi, Município de Manicoré/AM, distante, aproximadamente, 332 km de Manaus/AM, o que demonstra ser remota a possibilidade de que pudesse causar algum prejuízo para outros meios de comunicação. IV – Segundo a decisão que rejeitou a denúncia, o transmissor utilizado pela emissora operava com potência de 20 watts e o funcionamento de tal transmissor não tinha aptidão para causar problemas ou interferências prejudiciais em serviços de emergência. V – Recurso provido, sem prejuízo da possível apuração dos fatos atribuídos ao paciente na esfera administrativa” (RHC 118.014/AM, de minha relatoria). “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. RÁDIO COMUNITÁRIA. OPERAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO DO PODER PÚBLICO. ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. PRESENÇA DE CRITÉRIOS OBJETIVOS. RECURSO PROVIDO. 1. A conduta dos Recorrentes não resultou em dano ou perigo concreto relevante para a sociedade, de modo a lesionar ou colocar em perigo bem jurídico na intensidade reclamada pelo princípio da ofensividade, sendo irrelevantes as consequências do fato. Esse fato não tem importância na seara penal, pois incide na espécie, o princípio da insignificância, que reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato denunciado. 2. É manifesta a ausência de justa causa para a propositura da ação penal. Não há se subestimar a natureza subsidiária, fragmentária do direito penal, que somente deve ser acionado quando os outros ramos do direito não forem suficientes para a proteção dos bens jurídicos envolvidos. Precedentes. 3. Recurso provido” (RHC 119.123/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia). Isso posto, concedo a ordem de habeas corpus para absolver o paciente em face da aplicação do princípio da insignificância (art. 192 do RISTF). Comunique-se. Publique-se. Brasília, 17 de agosto de 2018. Ministro Ricardo Lewandowski Relator.

 

 

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