HC 165968 / SP

Relator(a):  Min. ALEXANDRE DE MORAES -  

Decisão. 

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de medida liminar, impetrado contra acórdão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferido no julgamento do HC 471.817/SP, Rel. Min. NEFI CORDEIRO. Consta dos autos, em síntese, que o paciente foi condenado à pena de 6 anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, pela prática do crime de furto qualificado (art. 155, § 4º, IV, c/c arts. 29 e 71, todos do Código Penal).   Segundo a denúncia, o paciente, no período compreendido entre 17/04/2009 e 29/05/2011, subtraiu mediante fraude, consubstanciada em clonagem de cartões bancários, ao menos em 206 (duzentos e seis) transações bancárias fraudulentas, o montante de R$ 37.321,85 (trinta e sete mil, trezentos e vinte e um reais e oitenta e cinco centavos), em detrimento de diversas instituições financeiras, inclusive a Caixa Econômica Federal. Inconformada, a defesa interpôs Apelação no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que deu parcial provimento ao recurso, somente para reduzir a quantidade e o valor unitário de dias-multa (Doc. 2 – fls. 87/115). Na sequência, impetrou Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça, denegado pelo Ministro relator, em decisão mantida pelo colegiado, em acórdão assim ementado: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FURTO MEDIANTE FRAUDE DE CARTÕES CLONADOS. NULIDADE PROCESSUAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. EFEITO DEVOLUTIVO DA APELAÇÃO QUE ENCONTRA LIMITES NAS RAZÕES AVENTADAS. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. VALORAÇÃO DA PERSONALIDADE AFASTADA NA ORIGEM. CONTINUIDADE DELITIVA. FRAÇÃO MAIS BENÉFICA FIXADA NA ORIGEM. 1. Não submetida ao crivo Tribunal Regional, tampouco opostos embargos de declaração para suprir eventual omissão, inviabiliza-se o exame por esta Corte Superior da tese de nulidade por ausência de intimação pessoal do acusado para a audiência de oitiva de testemunhas da acusação e interrogatório, por incabível análise originária do tema, sob pena de indevida supressão de instância. 2. Equívoco na referência à circunstância da personalidade, sem que tenha havido qualquer reflexo na reprimenda fixada, não enseja o redimensionamento da pena. 3. A fração de aumento pela continuidade delitiva em 1/2 se mostra mais benéfica do que se infere das circunstâncias do caso – 206 operações fraudulentas –, porquanto cabível a fração máxima. 4. Agravo regimental improvido. Nesta ação, a defesa alega, inicialmente, a nulidade absoluta do processo penal, a partir da falta de intimação do réu para a audiência de oitiva de testemunhas de acusação e interrogatório. Aduz, ainda: (a) é necessário ajustes na dosimetria da pena, especialmente no tocante à pena-base fixada, veja que, não obstante a maioria das circunstancias judiciais ser favorável ao paciente, a sanção foi estabelecida em mais que o dobro do mínimo legal admitido pela legislação penal; (b) a simples menção às características do próprio tipo penal é insuficiente para majorar a pena-base, uma vez que a ilicitude da conduta e a sua gravidade já foram consideradas pelo legislador, no momento da quantificação dos limites mínimo e máximo da sanção penal a ser imputada a partir do reconhecimento da prática delitiva; (c) inexiste fundamentação idônea para considerar negativa a culpabilidade ao argumento de efetiva participação, como fez o r. acórdão, pois exatamente por esse motivo que o paciente foi condenado. A culpabilidade em sentido estrito já foi avaliada em momento anterior, isto é, na analise da própria existência do delito; (d) Inviável, ainda, a valoração negativa das consequências do delito sob a fundamentação de risco de dano à sociedade e afronta à lei. Os elementos a potencial consciência da ilicitude ou exigibilidade de conduta diversa são pressupostos da culpabilidade em sentido estrito, não fazendo parte do rol das circunstâncias judiciais do art. 59 do C. Penal; (e) o aumento de pena estabelecido no art. 71 do C. Penal foi ao acaso!. Requer, assim, a concessão da ordem, para redimensionar a pena do paciente no seu mínimo legal em regime aberto, neste caso reconhecendo a prescrição retroativa, com base na pena aplicada. É o relatório. Decido. Inicialmente, a respeito da alegada nulidade do processo por cerceamento de defesa, consignou o Superior Tribunal de Justiça: consta dos autos que o paciente não foi encontrado para citação pessoal, tendo sido decretada sua revelia (fl. 93), bem como encontra-se foragido, com mandado de prisão pendente (fl. 134), não podendo, desse modo, beneficiar-se de sua própria torpeza. Sendo esse o quadro, não pode a defesa, agora, valer-se de suposto prejuízo decorrente de sua omissão, para invalidar toda a instrução processual. Sob essa perspectiva, dispõe o art. 565 do Código de Processo Penal: “Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse”. Adiante, a dosimetria da pena está ligada ao mérito da ação penal, ao juízo que é realizado pelo magistrado sentenciante após a análise do acervo probatório amealhado ao longo da instrução criminal. Daí ser inviável, na via estreita do Habeas Corpus, reavaliar os elementos de convicção, a fim de se redimensionar a sanção. O que está autorizado, segundo reiterada jurisprudência desta CORTE, é apenas o controle da legalidade dos critérios invocados, com a correção de eventuais arbitrariedades (cf. HC 156038 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 30/8/2018; HC 105.802, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe de 4/12/2012; HC 94.125, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, DJe de 6/2/2009; HC 102.966 AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 21/3/2012; HC 110390, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 22/10/2012).     No presente caso, o Superior Tribunal chancelou a dosimetria fixada pela Corte estadual com base nos seguintes argumentos: […] o magistrado de primeira instância considerou desfavoráveis as consequências do crime, diante do prejuízo à Caixa Econômica Federal e demais instituições bancárias de R$ 37.321,85, e as circunstâncias do delito, pois embora seja empresário/comerciante, utiliza-se de equipamentos com dispositivo para clonagem de cartões, causando prejuízo a seus próprios clientes. Além disso, os crimes evidentemente causaram grandes transtornos e descrédito ao marcado e ao sistema bancário nacional, inclusive a diversos correntistas e titulares de cartão de crédito, muito embora tenha nomeado essa circunstância judicial como sendo a personalidade. No tocante à personalidade, constou expressamente da sentença que a existência de inquéritos policiais ou de ações penais, sem trânsito em julgado de condenação, não estão sendo considerados como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena, tendo em vista a tese firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) durante o julgamento do Recurso Extraordinário RE 591054/SC. O Colegiado Regional, todavia, entendeu violada a Súmula n. 444/STJ. Salienta-se que não houve reflexo do referido equívoco na reprimenda fixada, uma vez que o TRF da 3ª Região considerou que as consequências e as circunstâncias do delito são aptos a ensejar a fixação da pena-base além do mínimo legal, no patamar definido pelo magistrado sentenciante.  Desse modo, embora tenha havido pequena confusão na sentença e no acórdão, não há ilegalidade a ser reconhecida nesse ponto. Ademais, não se demonstra excessiva, desarrazoada ou ilegal a exasperação da pena-base em 2 anos pela valoração de duas circunstâncias judiciais devidamente fundamentadas, pois consoante orientação jurisprudencial do STJ a exasperação da pena-base não se dá por critério objetivo ou matemático, uma vez que é admissível certa discricionariedade do órgão julgador, desde que vinculada aos elementos concretos dos autos (AgInt no HC 352.885/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 17/5/2016, DJe 9/6/2016).  De se ver, portanto, que a pena-base foi adequadamente fixada, porque considerados desfavoráveis ao paciente os vetores atinentes às consequências, diante do prejuízo à Caixa Econômica Federal e demais instituições bancárias de R$ 37.321,85, e as circunstâncias do crime, pois embora seja empresário/comerciante, utiliza-se de equipamentos com dispositivo para clonagem de cartões, causando prejuízo a seus próprios clientes. Com efeito, a extensão dos danos causados é circunstância idônea para maior exasperação do apenamento (HC 118876, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 11-2-2014). Em suma, a fixação da pena-base em 4 anos de reclusão, ante a variação de 2 a 8 anos da pena em abstrato, foi estabelecida de maneira proporcional e adequada às circunstâncias do caso concreto, não havendo constrangimento ilegal a ser sanado. Por fim, ao manter o aumento de pena referente ao crime continuado em 1/2, fixado pelas instâncias ordinárias, o Superior Tribunal de Justiça concluiu ser fração mais benéfica do que se infere das circunstâncias do caso, porquanto cabível a fração máxima.De se ver que a orientação externada pela Corte Superior está em consonância com o entendimento firmado por este TRIBUNAL, de que, [uma] vez reconhecida a existência de continuidade delitiva entre os crimes praticados pelo paciente, o critério de exasperação da pena é o número de infrações cometidas (HC 83632, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Primeira Turma, DJ de 23/4/2004). A propósito, ainda: HC 127158, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, DJe de 27/8/2015; HC 95415, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, DJe de 20/3/2009. Em conclusão, havendo a prática de 206 operações bancárias fraudulentas, o que, segundo a jurisprudência desta CORTE, poderia ensejar a majoração da causa de aumento de pena em 2/3, não há constrangimento ilegal ao se manter o quantum de 1/2, fixado pelo juízo sentenciante.  Diante do exposto, com base no art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, INDEFIRO A ORDEM DE HABEAS CORPUS. Publique-se. Brasília, 6 de dezembro de 2018. Ministro Alexandre de Moraes Relator.

 

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