REVISÃO CRIMINAL Nº 5011374-39.2019.4.03.0000

RELATOR: - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS -  

REVISÃO CRIMINAL. PROTEÇÃO À COISA JULGADA E HIPÓTESES DE CABIMENTO. CASO CONCRETO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DE NULIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO A IMPLICAR EM ABSOLVIÇÃO DA REVISIONANDA – INDEFERIMENTO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DE ATIPICIDADE EM RELAÇÃO AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO – RECHAÇAMENTO. PLEITO DE ALTERAÇÃO DA DOSIMETRIA PENAL TANTO DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS COMO DO DE ASSOCIAÇÃO PARA A TRAFICÂNCIA – REFUTAMENTO. POSTULAÇÃO REVISIONAL JULGADA IMPROCEDENTE. - O Ordenamento Constitucional de 1988 elencou a coisa julgada como direito fundamental do cidadão (art. 5º, XXXVI), conferindo indispensável proteção ao valor segurança jurídica com o escopo de que as relações sociais fossem pacificadas após proferido provimento judicial dotado de imutabilidade. Sobrevindo a impossibilidade de apresentação de recurso em face de uma decisão judicial, há que ser reconhecida a imutabilidade do provimento tendo como base a formação tanto de coisa julgada formal (esgotamento da instância) como de coisa julgada material (predicado que torna imutável o que restou decidido pelo Poder Judiciário, prestigiando, assim, a justiça e a ordem social). - Situações excepcionais, fundadas na ponderação de interesses de assento constitucional, permitem o afastamento de tal característica da imutabilidade das decisões exaradas pelo Poder Judiciário a fim de que prevaleça outro interesse (também tutelado constitucionalmente), sendo justamente neste panorama que nosso sistema jurídico prevê a existência de ação rescisória (a permitir o afastamento da coisa julgada no âmbito do Processo Civil) e de revisão criminal (a possibilitar referido afastamento na senda do Processo Penal). - No âmbito do Processo Penal, para que seja possível a reconsideração do que restou decidido sob o manto da coisa julgada, deve ocorrer no caso concreto uma das situações previstas para tanto no ordenamento jurídico como hipótese de cabimento da revisão criminal nos termos do art. 621, do Código de Processo Penal. Assim, permite-se o ajuizamento de revisão criminal fundada em argumentação no sentido de que (a) a sentença proferida encontra-se contrária a texto expresso de lei ou a evidência dos autos; (b) a sentença exarada fundou-se em prova comprovadamente falsa; e (c) houve o surgimento de prova nova, posterior à sentença, de que o condenado seria inocente ou de circunstância que permitiria a diminuição da reprimenda então imposta. - A Revisão Criminal não se mostra como via adequada para que haja um novo julgamento do conjunto fático-probatório constante da relação processual originária, razão pela qual impertinente a formulação de argumentação que já foi apreciada e rechaçada pelo juízo condenatório. Sequer a existência de interpretação controvertida permite a propositura do expediente em tela, pois tal situação (controvérsia de tema na jurisprudência) não se enquadra na ideia necessária para que o instrumento tenha fundamento de validade no inciso I do art. 621 do Código de Processo Penal. - Vindica a revisionanda o reconhecimento de nulidade a acoimar o édito penal condenatório transitado em julgado em decorrência de que teria havido mácula ao seu direito constitucional de defesa. Nesse contexto, aduz, sinteticamente, que sua condenação foi lastreada em provas obtidas por meio de interceptações telefônicas em que os diálogos eram travados em dialeto nigeriano (“ibo”) de modo que, primeiramente, houve sua conversão para o idioma inglês e, ao depois, para a língua portuguesa – salienta que a dupla tradução levada a efeito teria o condão de descaracterizar elementos da conversa (afastando-a do que efetivamente teria sido falado), bem como que seria proibida a participação de autoridades estrangeiras na obtenção de tais provas, uma vez que, por repercutirem no âmbito jurisdicional brasileiro, apenas agentes oficiais de nosso país poderiam ter atuado nas suas obtenções – acrescenta, ademais, que à Polícia Federal coube tão somente a tradução de conversas do inglês para o português, o que não garantiria a veracidade das informações amealhadas. Por tais motivos, alega que as interceptações telefônicas seriam nulas, razão pela qual de rigor a desconstituição da condenação que lhe foi impingida. - A temática aventada pela revisionanda (cerceamento do seu direito de defesa) foi objeto de deliberação pelo colegiado quando do julgamento dos recursos de Apelação então aviados, de molde que não se mostra lícita a reativação de tal pretensão no âmbito estreito revisional, uma vez que a via ora manejada não se presta a ser mais uma oportunidade para reavivar questões que já foram debeladas quando da formação da culpa como se recurso de Apelação (com sua devolutividade própria) fosse. Portanto, de rigor o refutamento do pleito de nulidade tecido. Sem prejuízo do exposto, ainda que fosse possível a superação do óbice apontado, a revisionanda não trouxe qualquer elemento concreto a fundamentar a alegação de que teria sido cerceada a sua defesa na justa medida em que não se verifica destes autos virtuais qualquer indício de que os relatórios policiais conteriam erros nas traduções e nas análises levadas a efeito, de modo que necessariamente deve ser aplicado, neste caso concreto, o princípio pas de nullité sans grief (art. 563 do Código de Processo Penal) a concluir que, diante da ausência de demonstração de qualquer prejuízo, defeso o reconhecimento de nulidade. Em outras palavras, colhe-se dos autos apenas ilações no sentido de que haveria discrepância entre o dito e o vertido para português, o que não se mostra suficiente para a decretação da nulidade requerida à míngua da comprovação de que teria havido erro ou divergência nos relatórios quando comparados com as conversas interceptadas propriamente ditas. - Consigne-se, ademais, que a r. sentença, encampada pelo v. acórdão que a manteve no que se refere às imputações, bem delineou a presença de acordos bilaterais firmados entre os Governos Brasileiro, Britânico e Americano com o desiderato de preverem regras a possibilitar mútua assistência técnico-científica que acabou por respaldar a atuação concomitante de agentes pertencentes tanto à Polícia Inglesa como à Polícia Norte-Americana, ao lado de peritos pertencentes aos quadros da Polícia Federal brasileira, no caso concreto subjacente – outrossim, tal interação de instituições de repressão à criminalidade foi objeto de prévia autorização pela autoridade judiciária nacional em decorrência de representação formulada por Delegado Federal aquiescida pelo Ministério Público Federal. - Formula a revisionanda pretensão absolutória em relação ao delito de associação para o tráfico, argumentando, sinteticamente, a ausência de comprovação da estabilidade e da permanência exigidas para a tipificação da infração penal. - A presente Revisão Criminal não veio instruída com qualquer elemento de prova na tentativa de descaracterizar aquilo que sobejamente restou assentado na relação processual originária no sentido de que a revisionanda foi coautora dos crimes pelos quais restou condenada (dentre eles, o de associação para o tráfico), ônus que caberia à sua pessoa, na justa medida em que almeja a desconstituição de édito penal condenatório transitado em julgado (exarado com o respeito ao devido processo legal e seus corolários da ampla defesa e do contraditório). Ademais, lançando mão do conteúdo do v. acórdão penal condenatório transitado em julgado, depreende-se a efetiva comprovação de que ela perpetrou o crime de associação para a traficância, oportunidade em que todo o arcabouço probatório foi devidamente esmiuçado no contexto das infrações penais, sendo plenamente possível a delimitação de responsabilidade e a atribuição da autoria delitiva, razão pela qual não prosperam os argumentos ventilados nesta senda a ensejar o deferimento da pretensão absolutória. - Almeja a revisionanda a fixação das penas-base decorrentes da perpetração dos crimes de tráfico internacional de drogas e de associação para a traficância no mínimo legal – para tanto, declina, sinteticamente: (a) no que concerne ao delito de tráfico internacional de drogas, (a.1) a impossibilidade de majoração da pena-base fundada na natureza do entorpecente (uma vez que não existiria “hierarquia” entre as drogas) e na forma como armazenada (pois o agente criminoso sempre buscará alguma maneira de escamotear a substância proibida), (a.2) a necessidade de aplicação do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 à luz do implemento de todos os requisitos legais; e (b) no que concerne ao delito de associação para o tráfico, deveriam ter sido afastadas as circunstâncias da culpabilidade e da personalidade do agente, uma vez que inexistiriam elementos a respaldar inferência no sentido de que a culpabilidade e a personalidade da revisionanda estivessem além daquelas inerentes à tipificação penal. - Depreende-se, mais uma vez, que as temáticas lançadas nesta ação impugnativa autônoma ora em apreciação foram objeto de julgamento pelo colegiado deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região quando da apreciação dos recursos de Apelação interpostos em face da r. sentença monocrática, o que, por si só, já se mostra como fundamento suficiente ao indeferimento da pretensão revisional à luz do reiterado entendimento jurisprudencial no sentido de que a Revisão Criminal não se presta para reavivar questões que foram decididas quando da formação da culpa. Sem prejuízo do exposto, ainda que fosse possível colocar ao largo a constatação acima tecida, imperioso destacar que somente se mostra possível o manejo de Revisão Criminal com o objetivo de se alterar a reprimenda quando constatada prima facie a ocorrência de flagrante ilegalidade ou de manifesto abuso de poder no proceder por meio do qual se levou em consideração para sua fixação (precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça) e, dentro de tal contexto, compulsando os autos, não se vislumbra do caso subjacente a ocorrência nem de flagrante ilegalidade nem de manifesto abuso de poder a referendar o provimento desta via excepcional. - Isso porque o art. 42 da Lei nº 11.343/2006 aduz que o magistrado, quando da fixação da pena-base, observará, com preponderância sobre as circunstâncias judiciais constantes do art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente, sendo importante destacar que o C. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do ARE 666334 RG (Rel. Min. GILMAR MENDES, julgado em 03/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-084 DIVULG 05-05-2014 PUBLIC 06-05-2014), de observância obrigatória porque decidido com base na repercussão geral da questão constitucional nele debatida (aplicando-se, por analogia, o comando insculpido no art. 927, III, do Código de Processo Civil), firmou entendimento no sentido de que as circunstâncias da natureza e da quantidade da droga apreendida devem ser levadas em consideração apenas em uma das fases do cálculo da pena (tese fixada). - Nesse diapasão, mostra-se escorreita a majoração de reprimenda levada a efeito pelo colegiado quando da primeira etapa da dosimetria do crime de tráfico internacional de drogas (na fração de 1/3) tendo como supedâneo (a) a natureza do entorpecente (cocaína) e a quantidade traficada (mais de 2,9 quilogramas), (b) as circunstâncias do crime (modo de acondicionamento nas vestes íntimas  da “mula” tendo em vista que de tal proceder emana a existência de uma estrutura mais bem organizada do que o visto nos triviais casos de traficância), (c) a culpabilidade da agente (exorbitante também dos corriqueiros tráficos apreciados nesta Justiça Federal da 3ª Região) e (d) a personalidade da infratora penal (completamente indiferente ao risco impingido em terceiras pessoas imanente ao ato de ingestão das substâncias entorpecentes). Aliás, as primeiras rubricas valoradas negativamente (natureza e quantidade da droga) decorrem do permissivo constante do art. 42 da Lei nº 11.343/2006 ao passo que as demais (circunstâncias, culpabilidade e personalidade), da aplicação do comando inserto no art. 59 do Código Penal, preceito cuja aplicabilidade não se encontra alijada por força da prevalente aplicação no caso subjacente da regra disposta naquele preceito. - A causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 somente pode incidir em um caso concreto quando ficar devidamente comprovado que o agente é primário, possuidor de bons antecedente e que não se dedique nem a atividades criminosas nem integre organização criminosa. Novamente jogando luz à Ação Penal subjacente, depreende-se que a revisionanda foi condenada pela prática do crime de associação para o tráfico (aspecto mantido quando do julgamento desta ação impugnativa autônoma), bem como restou devidamente comprovado que ela se dedicava a atividades delitivas, aspectos que, por si só, possuem o desiderato de demonstrar sua participação em organização criminosa e, assim, a impossibilidade de se postular a aplicação da figura do tráfico privilegiado. - Os aspectos levados em consideração em face da revisionanda de forma deletéria (circunstâncias da infração, personalidade e culpabilidade) quando do cálculo da pena-base inerente ao cometimento do delito de associação para a traficância mostraram-se efetivamente mais latentes do que nos demais casos em que apreciado o cometimento do delito previsto no art. 35 da Lei nº 11.343/2006, constatação esta balizada na ampla análise de como a empreitada criminosa foi perpetrada, razão pela qual a primeira etapa da dosimetria foi fixada de forma plenamente proporcional à conduta então perpetrada. - Revisão Criminal julgada improcedente.

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