Apelação Criminal Nº 0000359-09.2001.4.03.6106/sp

Penal. Processual penal. Apelação criminal. Artigo 90, da lei 8.666/93. Artigo 1º, i, do decreto-lei 201/67. Materialidade e autoria comprovadas. Dolo demonstrado. Apelação parcialmente provida. 1- Necessário apenas o dolo genérico para a consumação do delito previsto no artigo 90, da Lei 8.666/93, sendo desnecessária a prova do móvel psicológico de obter vantagem ilícita, elemento que se presume, pois decorrente da vontade livre e consciente de praticar a fraude em detrimento do patrimônio público e com violação de deveres inerentes ao cargo, no caso dos agentes públicos. 2- A vantagem não precisa ser necessariamente econômica, nem mesmo que o agente a pretenda para si. Muito menos o efetivo locupletamento ilícito por parte dos agentes precisa ficar provado para a consumação do crime, bastando a tanto a vontade livre e consciente de fraudar a licitação, falseando a competitividade do respectivo processo, até porque a vantagem - que se presume almejada com a fraude - não necessita ser, obrigatoriamente, de ordem patrimonial, podendo consistir até mesmo em favorecimento de terceiros por pretensões eleitoreiras. 3- Materialidade delitiva e autoria comprovadas. 4- Restou plenamente demonstrado que os réus agiram em conluio para fraudar processos licitatórios que visavam à aquisição de medicamentos e materiais hospitalares, mediante diversos expedientes dentre os quais a utilização de falsos documentos e empresas fantasmas para direcionamento dos certames, o que resultou no desvio de verbas da prefeitura. 5- A robustez da prova não deixa dúvidas quanto ao dolo dos acusados. Os expedientes utilizados pelos réus não permitem crer que tenham agido com boa-fé, demonstrando apenas despreparo na gestão pública e desconhecimento em relação aos trâmites no cumprimento de exigências formais para a aquisição de bens. 6- Diante do grave cenário verificado, representado por diversas ilegalidades, dentre as quais a comprovação da existência de empresas fantasmas e a utilização de documentos falsos; a inconstância de preços para um mesmo medicamento; a emissão de notas fiscais de compra a posteriori; a apresentação de propostas em licitação de empresa sediada em outro município e/ou de empresa cujo ramo de atividades é distinto dos bens visados pela licitação, deixa claro que as “falhas“ verificadas nos procedimentos licitatórios realizados pela Prefeitura Municipal de Uchôa/SP, o argumento da defesa com vistas a afastar o dolo - a urgência na aquisição dos medicamentos e insumos hospitalares com vistas a suprir a deficiência na prestação do serviço - não merece acolhimento. 7- No tocante ao crime de uso de documento falso (notas fiscais) imputado aos réus Celso Augusto Birolli e Oswaldo Marques, aplicável ao caso o princípio da consunção, porquanto o fim almejado pelos agentes era exclusivamente o de dar aparência de legalidade às fraudes realizadas em relação aos procedimentos licitatórios realizados pela Prefeitura de Uchôa/SP. 8- Quanto ao crime de responsabilidade do Prefeito Municipal à época, Celso Augusto Birolli, previsto no artigo 1º, do Decreto-lei 201/67, comprovadas estão a materialidade delitiva e a autoria. 9- Não é caso de aplicar-se o concurso material de crimes em relação a Celso Augusto Birolli, no que concerne aos crimes de fraude à licitação e desvio de verbas públicas. A infração do artigo 1º, do Decreto-lei 201/67, é crime próprio e mais grave que o crime do artigo 90, da Lei 8666/93, punido aquele com reclusão e este com detenção, tendo aquele pena máxima de 12 anos e este de 4 anos. O crime de responsabilidade, crime próprio e mais grave, absorve o crime menos grave, sempre que este for meio necessário para aquele. No presente caso, as licitações fraudadas foram o meio utilizado para desviar verbas públicas, ainda que em proveito alheio, ou em proveito próprio, de ordem política, como se discorreu acima, desnecessária a prova do efetivo enriquecimento ilícito. Portanto, aplica-se o princípio da consunção ao presente caso, entre os crimes do artigo 1º, I, do Decreto-lei 201/67, e do artigo 90, da Lei 8.666/93, em relação a Celso Augusto Birolli. 10- As circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do Código Penal, são favoráveis aos réus, motivo pelo qual deve ser mantida a pena-base mínima para todos os acusados, para as condutas respectivamente cominadas. 11- Na segunda fase, incide sobre a pena dos acusados José Eduardo Birolli, Luiz Carlos Eisenzopf e Marco Antônio Turíbio, a agravante do artigo 61, “g“, do Código Penal, por terem praticado o crime com violação de dever inerente ao cargo, posto que a circunstância não se encontra descrita ou mesmo implícita no tipo do artigo 90, da Lei 8666/93, que pode ser praticado por particular, não se constituindo em bis in idem a sua aplicação. 12- Na terceira fase, de rigor reconhecer a continuidade delitiva tendo em vista que os réus praticaram 11 condutas em conluio, durante o ano de 1997, nos termos do artigo 71, do Código Penal, pois se trata de crimes da mesma espécie, cujas circunstâncias de condições de tempo, lugar, maneira de execução autorizam a conclusão de que foram praticados, uns em continuação dos outros. 13- A pena de multa, prevista para o crime do artigo 90, da Lei 8666/93, deve ajustar-se aos limites previstos no parágrafo primeiro do artigo 99, da referida norma, restando fixada no patamar mínimo de 2% (dois por cento) do valor dos contratos licitados fraudulentamente, cujo valor apurado deverá, após o trânsito em julgado, ser revertido em prol do Município de Uchôa/SP, em obediência ao disposto no artigo 99, § 2º, da Lei de Licitações. 14- O crime a que foi condenado Celso Augusto Birolli não prevê pena de multa, mas prevê, como efeito da condenação, a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público, nos termos do parágrafo 2º do artigo 1º do Decreto-lei nº 201/67, a ser apurado em ação civil ex delicto. 15- Presentes os requisitos do artigo 44, do Código Penal, a pena privativa de liberdade fixada deve ser substituída, para todos e cada um dos réus, por duas penas restritivas de direitos. 16- Apelação parcialmente provida.

Rel. Des. Louise Filgueiras

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