Apelação Criminal Nº 0003634-72.2011.4.03.6119/sp

Penal. Apelação criminal. Tráfico transnacional de drogas: art. 33, caput, c/c art. 40, i da lei 11.343/06. Laudo pericial elaborado em parte do volume total da droga: regularidade: substância inalterada: materialidade delitiva comprovada. Estado de necessidade justificante e exculpante: requisitos não preenchidos. Autoria e dolo inequívocos. Condenação mantida. Dosimetria da pena: primariedade, bons antecedentes, ausência de provas de má conduta social e personalidade voltada à prática de crimes. Natureza e quantidade da droga. Função preponderante na fixação da reprimenda no crime de tráfico: art. 42 da lei 11.343/06: manutenção da pena-base no patamar eleito. Confissão qualificada: fundamento da condenação: manutenção da atenuante. Transnacionalidade: conduta de “exportar“ drogas: causa de aumento do inc. I do art. 40 da lei 11.343/06: incidência: compatibilidade com o núcleo do art. 33 da mesma lei: crime de ação múltipla: inexistência de “bis in idem“. Mera distância entre países: irrelevância na fixação do patamar de aumento. Acréscimo no mínimo legal. Causa de diminuição de pena: 4º do art. 33 da lei 11.343/06: inaplicabilidade: “mula“: provas de envolvimento com organização criminosa. Pena de multa: preceito secundário: legalidade. Manutenção. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos: impossibilidade. Regime de cumprimento da pena: declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da lei nº 8.072/90. Ofensa à garantia constitucional da individualização da pena (inciso xlvi do art. 5º da cf/88). Aplicação do art. 33, § 2º e 59 do cp e 42 da lei nº 11.343/2006.circunstâncias desfavoráveis. 1 . Os laudos de exame toxicológico não são realizados na totalidade da droga, mas sim em amostras. A cocaína, quando apresentada na forma sólida, não é uma peça única, mas sim um pó, com diversas partículas compactadas. Ainda que ocorra a mistura de outros elementos químicos, a natureza da substância entorpecente não é alterada. Realizada a perícia em parte do volume, extrai-se o resultado para o todo, não se podendo falar em dúvidas acerca da materialidade ou quantidade da droga, que deve ser considerada na dosimetria da pena. 2 . Comprovadas nos autos a materialidade, autoria e dolo do crime previsto no art. 33, caput, c/c o art. 40, I, da Lei 11.343/06 praticado pela ré, presa em flagrante nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, quando tentou embarcar em vôo a Lisboa/Portugal, transportando 6.042,8 g (seis mil e quarenta e dois gramas e oito decigramas) de cocaína, que se encontravam em invólucros contidos em fundos falsos de 60 carteiras femininas que levava em suas malas. 3 . Estado de necessidade não comprovado, quer como causa de exclusão de ilicitude, quer como causa de redução de pena, diante da falta de comprovação da existência de um conflito entre bens igualmente amparados pela lei, em decorrência de uma situação de perigo que o agente não provocou voluntariamente, nem poderia de outro modo evitar, por não se exigir o perecimento do bem do qual o agente é titular. Meras alegações de dificuldades financeiras, cuja gravidade e intensidade não são possíveis de aferir, não são aptas a atrair a aplicação do estado de necessidade. 4 . Condenação mantida. 5 . O julgador, na individualização da pena, deve examinar detidamente os elementos que dizem respeito ao fato, segundo os critérios estabelecidos pelo artigo 59 do CP. No caso de tráfico de drogas, há ainda que observar o artigo 42 da Lei 11.343/06, o qual determina expressamente que o Juiz, na fixação da pena, deve considerar, com preponderância sobre as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do CP, a natureza e quantidade da droga, bem como a personalidade e conduta do agente. Apesar da primariedade e bons antecedentes, a acusada não faz jus à fixação da pena-base no mínimo legal, considerando-se a natureza e quantidade da droga que transportava. 6 . Não pode ser considerada de pequena monta a quantidade apreendida nestes autos (mais de seis quilos), se comparada às quantidades normalmente portadas pelo criminoso no tráfico urbano de varejo, quando é vendida diretamente aos consumidores pelos pequenos traficantes. Ainda que a ré, na qualidade de “mula“ do tráfico, não decida acerca da quantidade da droga que irá transportar, é inegável que possui consciência, por agir mediante promessa de pagamento, que estava colaborando com a atuação de uma organização voltada ao tráfico de entorpecentes. 7 . A cocaína é tão maléfica ao organismo quanto as demais que são usualmente traficadas, pois vicia facilmente, sendo alta sua lesividade à saúde dos usuários, Por outro lado, a que é normalmente exportada possui grau de pureza altíssimo, sendo misturada a outras substâncias antes da entrega ao consumidor para elevar o rendimento. 8 . Pena-base mantida em seis anos e nove meses de reclusão. 9 . Aplica-se a atenuante da confissão sempre que for utilizada como um dos fundamentos para a condenação, ainda que parcial, que a autoria seja conhecida e que o réu seja preso em flagrante. Precedentes. O CP não determina o “ quantum “ da redução, ficando ao critério do Juiz o valor a ser diminuído da pena-base, à vista das circunstâncias constantes dos autos e aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, necessidade e suficiência para a prevenção e repressão do crime. Pena reduzida em três meses, passando para seis anos e seis meses de reclusão. 10 . Incidência da causa de aumento de pena prevista no inc. I, do art. 40, da lei de drogas, diante da comprovação da transnacionalidade do tráfico. Não se há de falar em dupla punição pelo mesmo fato ante o argumento de que a conduta de “exportar“ está contida no núcleo do art. 33 da Lei 11343/06, que é crime de ação múltipla e prevê a conduta imputada à ré, ou seja, a de transportar ou trazer consigo o entorpecente quando estava em vias de embarcar para o exterior. Pena elevada em um sexto, totalizando sete anos, cinco meses e vinte e cinco dias de reclusão. 11 . A simples distância entre países não justifica a aplicação da causa de aumento do inciso I do art. 40 da lei de drogas em patamar acima do mínimo, admitindo-se apenas nos casos em que a droga deixe o território nacional para ser distribuída em mais de um país no exterior. O legislador previu, nos incisos desse artigo, uma série de causas de aumento de pena, que justificam um aumento variável de um a dois terços, porém não estabeleceu os parâmetros para a quantificação do percentual. O índice de aumento deve ser calculado de acordo com as circunstâncias especificamente relacionadas com a causa de aumento, (e não às do crime), e variar de acordo com a quantidade de majorantes que estiverem presentes, de forma que na incidência de apenas um inciso não se justifica a elevação do percentual mínimo. Caso em que a ré foi presa com a droga ainda em território brasileiro e, em que pese sua intenção de levá-la a outro continente, não está comprovado que pretendesse difundi-la em mais de um país. 12 . Impossibilidade de aplicação da causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. Ainda que não se dedique a atividades criminosas e não haja notícias de ter praticado anteriormente algum crime, a ré agiu na condição de “mula“ integrando, de maneira voluntária, uma estrutura criminosa voltada à prática do tráfico transnacional de drogas, pois promoveu a conexão entre os membros da organização, transportando a droga de um país para outro, de forma que não preencheu um dos requisitos necessários para gozar do benefício, que é o de “não integrar organização criminosa“. 13 . A imposição de pagamento de pena pecuniária para os crimes não ofende a proibição constitucional de prisão civil por dívida (art. 5º, LXVII, da CF), uma vez que não se está punindo a inadimplência civil, mas sim a prática de um delito. A aplicação da pena pecuniária decorre do preceito secundário expresso no art. 33 da lei de drogas, previsão legal e incondicional, que incide obrigatoriamente em cumulação com a pena privativa de liberdade , independentemente da situação econômica do réu. 14 . Nos termos do art. 51 do CP, a pena de multa é considerada dívida de valor após o trânsito em julgado da condenação, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, de forma que a pena pecuniária prevista no preceito secundário de um tipo penal não pode ser convertida em pena privativa de liberdade caso não seja paga, cabendo sua execução na forma da legislação tributária, razão pela qual não há possibilidades de que a ré permaneça custodiada por período superior ao da condenação. Pena pecuniária mantida em 730 (setecentos e trinta) dias-multa, no valor unitário estabelecido pela sentença. 15 . Afastada, pelo Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei n.º 8.072/1990, o regime prisional inicial deve ser estabelecido consoante os critérios previstos no artigo 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal. Caso em que as circunstâncias são desfavoráveis à acusada, desaconselhando a fixação em regime inicial menos grave. 16 . Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. A conversão não se mostra como medida social recomendável, diante do estímulo para a prática do tráfico de drogas, crime que causa grave lesão ao bem jurídico tutelado (saúde pública), sendo insuficiente para a prevenção e repressão do delito. Ainda que se admita a substituição das penas pelo fato de os estrangeiros serem iguais aos brasileiros perante a Constituição Federal, para a concessão será necessário que não estejam em situação irregular no país e que nele possuam residência fixa. 17 . O Plenário do STF declarou, através do “habeas corpus“ 97256, pela via incidental, a inconstitucionalidade da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos“ contida no parágrafo 4º do art. 33, da Lei nº 11.343/06, bem como da expressão “vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos“, constante do art. 44 da mesma lei. Contudo, a ordem não foi concedida para assegurar ao paciente a imediata substituição, mas sim para remover o óbice contido na Lei 11.343/06, devolvendo ao Juízo das Execuções Criminais a tarefa de auferir o preenchimento das condições objetivas e subjetivas para a concessão. 18 . Caso em que as particularidades do crime não recomendam a substituição, tendo em vista o grau elevado de culpabilidade do réu, com provas contundentes de que participou de uma organização criminosa complexa, coordenada de forma a aliciar “mulas“ para transportar drogas. 19 . A proibição da liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e assemelhados, decorre da própria proibição de fiança imposta pela CF, art. 5º, XLIII. O art. 2º, II, da Lei nº 8.072/90 nada mais fez do que atender à norma constitucional, ao considerar inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos. 20 A Lei nº 11.343/2006, que é específica para os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, no artigo 44 estabelece que os crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º e 34 a 37 são insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória. Dispõe ainda o artigo 59 da mesma lei que, nos crimes de tráfico , o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória. Contudo, não tem o direito de recorrer em liberdade o acusado que permaneceu justificadamente preso durante a instrução criminal, por força de prisão em flagrante ou preventiva, ainda que seja primário e de bons antecedentes. Sobrevindo sentença penal condenatória, um de seus efeitos é a manutenção da custódia do réu para apelar, o que não constitui ofensa à garantia constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula 09 do STJ, de forma que eventuais condições favoráveis do agente, como primariedade e bons antecedentes, não são garantidoras de direito subjetivo à liberdade provisória, quando outros elementos recomendam a prisão. 21 . A vigência da Lei nº 11.464/07, que deu nova redação ao artigo 2º, II, da Lei 8.702/90 afastando a vedação à liberdade provisória aos crimes equiparados a hediondos, não revogou o disposto no artigo 44 da lei 11.343/06 em relação à liberdade provisória, já que a Lei 11.343/06 se trata de legislação especial, que expressamente veda essa concessão aos acusados de tráfico de drogas, não se havendo que falar que o artigo 44 da lei de drogas foi derrogado tacitamente pela Lei 11.464/2007, ou em inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, uma vez que é fruto da regra constitucional prevista no art. 5º, inc. XLIII da Constituição Federal, e de uma política criminal mais rigorosa de repressão aos crimes de tráfico 22 . Hipótese em que a ré foi presa em flagrante e assim permaneceu durante toda a instrução criminal. Ademais, é estrangeira, sem vínculos com o distrito da culpa, com fortes possibilidades de se evadir, razão pela qual sua prisão tem por finalidade assegurar a aplicação da lei penal e o próprio resultado do processo, com o cumprimento integral da pena. 23 Apelações a que se nega provimento.

Rel. Des. Antonio Cedenho

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