Apelação Criminal Nº 0005718-80.2010.4.03.6119/sp

Penal. Apelação criminal. Tráfico transnacional de drogas: art. 33, caput, c/c art. 40, i da lei 11.343/06: materialidade e autoria comprovadas. Condenação mantida. Dosimetria da pena: manutenção da pena-base: atendimento aos critérios do art. 69 do cp e do art. 42, da lei de drogas: proporcionalidade. Confissão: fundamento da condenação: aplicação obrigatória. Causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da lei 11.343/06: inaplicabilidade aos “mulas“ do tráfico : provas de integração em organização criminosa: exclusão. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos: inaplicabilidade ao crime de tráfico. Regime inicial fechado : imperativo legal. Direito de recorrer em liberdade : impossibilidade: vedação decorrente de preceito constitucional e de lei especial. Prisão preventiva decretada 1 . Comprovadas nos autos a materialidade e autoria do crime previsto no artigo 33 “caput“, c/c o artigo 40, I, ambos da Lei 11.343/06 praticado pela ré, presa em flagrante delito no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, quando tentava embarcar em vôo com destino final a Madri/Espanha, transportando 2.970 g. (dois mil, novecentos e setenta gramas) de cocaína, oculta em forros falsos de bolsas femininas novas que se encontravam em sua bagagem. 2 . Condenação mantida. 3 . Manutenção da pena-base em seis anos e três meses de reclusão, de acordo com os critérios exigidos pelo artigo 59 do CP e do artigo 42, da Lei 11.343/06, em consideração às circunstâncias legais especiais de valor preponderante para a fixação da pena nos crimes de tráfico de drogas, ou seja, a natureza maléfica e a grande quantidade, aptas a causar conseqüências gravíssimas a relevante número de pessoas, demonstrando maior culpabilidade do réu. 4 Correta a aplicação da atenuante da confissão, por ter sido utilizada como um dos fundamentos para a condenação, ainda que parcial. Precedentes. O CP não determina o “ quantum “ da redução, ficando ao critério do Juiz o valor a ser diminuído da pena-base, à vista das circunstâncias constantes dos autos e aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, necessidade e suficiência para a prevenção e repressão do crime. Pena reduzida em um sexto, totalizando cinco anos, dois meses e quinze dias de reclusão e 520 dias-multa. 5 . Aplicação da causa de aumento prevista no inciso I, do artigo 40, da Lei 11.343/06 em um sexto. Pena elevada para seis anos e vinte e sete dias de reclusão e seiscentos e seis dias-multa. 6 . Excluída, da dosimetria da pena, a aplicação da causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06. Para tanto, exige-se que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Como a lei utilizou a conjunção “nem“, deduz-se que há diferença substancial entre “se dedicar a atividades criminosas“ e “integrar uma organização criminosa“. Integrar não exige habitualidade e permanência, a reiteração de condutas criminosas ou o ânimo de reiterá-las, que está presente em outro requisito, que é o não se dedicar a atividades criminosas. 7 . Ainda que o condenado por tráfico transnacional de drogas seja primário, de bons antecedentes e que não existam provas de que se dedique a atividades criminosas, se figurou, ainda que de forma eventual, na ponta de uma organização criminosa , a ela prestando serviços e colaborando para a distribuição mundial do entorpecente cocaína, ao exercer a função de “mula“ de grande quantidade de drogas para o exterior mediante remuneração, integrou a organização criminosa, não preenchendo, pois, de forma cumulativa os requisitos exigidos para a aplicação da causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33, da Lei 11.343/06. 8 . É imperativo legal que seja cumprida a pena do crime de tráfico de drogas e, regime inicial fechado, permitindo-se apenas que seja efetuada a progressão para o menos gravoso. A fixação de regime menos grave para o cumprimento da pena mostra-se absolutamente insuficiente para prevenção e repreensão da conduta, ainda que não fosse legalmente vedada, por ser absolutamente incompatível com o tratamento mais gravoso que o legislador atribuiu aos crimes hediondos e equiparados. 9 . Para a concessão da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, é necessário que o réu preencha, além do requisito objetivo (quantidade da pena), os requisitos subjetivos. Considerando-se os motivos e as circunstâncias do crime, a substituição da pena privativa de liberdade não se mostra suficiente para impedir que a ré volte a traficar drogas, refreando o desejo de ganho irrefletido de dinheiro. Por outro lado, se prestar serviços em instituições públicas, terá a chance de dar continuidade ao crime de tráfico de drogas. A vedação à substituição também tem fundamento nos artigos 33, parágrafo 4º e 44, ambos da Lei nº 11.343/06. Por outro lado, a ré é estrangeira, não possui vínculos nem exerce atividade lícita no Brasil, e certamente não terá condições de se manter no país, podendo facilmente se evadir. 10 . O Plenário do STF recentemente declarou, através do “habeas corpus“ 97256, pela via incidental, a inconstitucionalidade da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos“ contida no parágrafo 4º do artigo 33, da Lei nº 11.343/06, bem como da expressão “vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos“, constante do artigo 44 da mesma lei. Contudo, a ordem não foi concedida para assegurar ao paciente a imediata substituição, mas sim para remover o óbice contido na Lei 11.343/06, devolvendo ao Juízo das Execuções Criminais a tarefa de auferir o preenchimento das condições objetivas e subjetivas para a concessão. Ainda que se admita a substituição das penas pelo fato de os estrangeiros serem iguais aos brasileiros perante a Constituição Federal, para a concessão será necessário que não estejam em situação irregular no país e que nele possuam residência fixa. 11 . Consoante entendimento cediço nas Cortes Superiores, a proibição da liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e assemelhados, decorre da própria proibição de fiança imposta pela CF, art. 5º, inc. XLIII. O art. 2º, II, da Lei nº 8.072/90 nada mais fez do que atender à norma constitucional, ao considerar inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos. A Lei nº 11.343/2006, que é específica para os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, no art. 44 estabelece que os crimes previstos nos arts. 3, caput e § 1º e 34 a 37 são insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória e o art. 59 da mesma lei reza que, nos crimes de tráfico, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecidos na sentença condenatória. Porém, não tem o direito de recorrer em liberdade o acusado que permaneceu justificadamente preso durante a instrução criminal, por força de prisão em flagrante ou preventiva, ainda que seja primário e de bons antecedentes. Exegese da Súmula 09 do STJ. Eventuais condições favoráveis do agente, como primariedade e bons antecedentes, não são garantidoras de direito subjetivo à liberdade provisória quando outros elementos recomendam a prisão. 12 . A vigência da Lei nº 11.464/07, que deu nova redação ao art. 2º, II, da Lei 8.702/90 afastando a vedação à liberdade provisória aos crimes equiparados a hediondos, não revogou o disposto no art. 44 da Lei 11.343/06 em relação à liberdade provisória, já que a Lei 11.343/06 se trata de legislação especial, que expressamente veda essa concessão aos acusados de tráfico de drogas, não se havendo que falar que o art. 44 da lei de drogas foi derrogado tacitamente pela Lei 11.464/2007, ou em inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, uma vez que é fruto da regra constitucional prevista no art. 5º, inc. XLIII da CF, e de uma política criminal mais rigorosa de repressão aos crimes de tráfico. 13 . Caso em que a ré foi presa em flagrante e assim permaneceu durante toda a instrução criminal. Ademais, trata-se de ré estrangeira, sem vínculos com o distrito da culpa, com possibilidades de se evadir se for solto, de forma que sua prisão tem por finalidade assegurar o próprio resultado do processo e a aplicação da lei penal, com o cumprimento integral da pena, evitando que venha a se evadir. 14 . A expedição de alvará de soltura em favor da ré e a permissão para que retornasse ao seu país de origem colocou em risco a aplicação da lei penal, pois a acusada não mais retornou ao Brasil. Decretada a prisão preventiva da ré, com a imediata expedição de mandado de prisão em seu desfavor. 15 . Apelação ministerial a que se dá parcial provimento em maior extensão, para excluir, da dosimetria da pena da ré, a aplicação da causa de redução prevista no § 4º do artigo 33, da Lei 11.343/06 e fixar a pena da ré em 6 (seis) anos e 27 (vinte e sete) dias de reclusão e pagamento de 600 (seiscentos) dias-multa; para afastar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e para decretar a prisão preventiva da ré, determinando a expedição de mandado de prisão em seu desfavor.

Rel. Des. Luiz Stefanini

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