APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001796-73.2007.4.04.7100/RS

RELATOR : Des. Federal LEANDRO PAULSEN -  

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. OPERAÇÃO "OURO VERDE". INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRORROGAÇÕES SUCESSIVAS. POSSIBILIDADE. REQUISITOS PARA DEFERIMENTO DA MEDIDA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. DEFLAGRAÇÃO DE INVESTIGAÇÃO POLICIAL E DENÚNCIA ANÔNIMA. FLAGRANTE PREPARADO NÃO CONFIGURADO. PROVA EMPRESTADA. CONTRADITÓRIO COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA IRREGULAR. ART. 16 DA LEI 7.492/86. SUJEITO ATIVO. CRIME COMUM. INAPLICABILIDADE DO ART. 25 DA LEI 7.492/86. CRIME DE EVASÃO DE DIVISAS. "DÓLARCABO". ART 22, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 7.492/86. OPERAÇÕES INFERIORES A R$10.000,00 (DEZ MIL REAIS). TIPICIDADE CONFIGURADA. EVASÃO IMPRÓPRIA DE DIVISAS. MANUTENÇÃO DE RECURSOS NÃO DECLARADOS NO EXTERIOR. ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 7.492/86. LAVAGEM DE DINHEIRO. LEI 9.613/98. QUADRILHA. ART. 288 DO CP. 1. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. A jurisprudência pátria já se firmou no sentido de que a correta interpretação do art. 5º da Lei 9.296/96 autoriza sucessivas prorrogações judiciais das interceptações telemáticas e telefônicas quando se tratarem de fatos complexos e que exijam investigação diferenciada e contínua. (Precedente STF Inq 2424). 2. A Lei 9.296/96, densificando a garantia do art. 5º, inciso XII, da CF, estabelece que o Poder Judiciário somente estará autorizado a restringir o direito fundamental à privacidade das comunicações quando os fatos descritos pela autoridade policial, ou pelo Ministério Público, forem graves (sujeitos a penas em regime de reclusão), existirem indícios razoáveis de autoria e a prova não puder ser produzida de outra maneira. Além da presença cumulativa de tais requisitos, é essencial que o provimento jurisdicional exarado seja devidamente fundamentado para que possa ser submetido ao escrutínio das partes, ainda que de maneira diferida. 3. DENÚNCIA ANÔNIMA. A CF assegura a liberdade da manifestação do pensamento, vedando o anonimato (art. 5º, IV). No entanto, o Poder Público, provocado por denúncia anônima congruente, deve realizar diligências no sentido de confirmar sua veracidade, até porque a autoridade policial tem a atribuição legal de apurar as notícias de infrações penais que cheguem ao seu conhecimento. As medidas adotadas para verificar a verossimilhança da informação, contudo, devem ser realizadas com prudência e discrição. Identificados elementos indiciários de que efetivamente há ilícito de índole criminal, resta autorizada a instauração formal de investigação policial. 4. FLAGRANTE PREPARADO VERSUS ESPERADO. Não configura flagrante preparado o ato da autoridade policial que se faz passar por "cliente" de suposta instituição financeira clandestina apenas para averiguar sua existência sem, contudo, consumar qualquer ato ilícito junto aos investigados. Crimes cometidos após a diligência e sem qualquer correlação com o agente provocador do Estado não conformam situação de "flagrante preparado" e, por conseguinte, não há espaço para aplicação da Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal. 5. PROVA EMPRESTADA. No processo penal, admite-se a prova emprestada, ainda que proveniente de ação penal com partes distintas, desde que assegurado o exercício do contraditório. Hipótese em que as partes tiveram vista e plena possibilidade de requerer provas decorrentes do material emprestado. 6. OPERAÇÃO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA SEM AUTORIZAÇÃO. O tipo do art. 16 da Lei 7.492/86 penaliza tanto quem opera instituição financeira sem a devida autorização, como quem opera instituição financeira ostensiva, aparentemente regular, mas cuja autorização tenha sido obtida mediante declaração falsa. 7. O art. 16 da Lei 7.492/86 criminaliza de forma ampla a conduta de "fazer operar", sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração falsa, instituição financeira. Os verbos nucleares "fazer operar" aliados ao objeto "instituição financeira" pressupõem a prática de uma série de atividades relacionadas que não estão direta e exclusivamente vinculadas à sua administração em sentido estrito. 8. Aquele que, ciente da clandestinidade das operações financeiras que estão sendo realizadas por determinado grupo, adere à conduta criminosa para, por exemplo, operar seu caixa ou realizar o transporte de valores, indubitavelmente está realizando conjuntamente a conduta de "fazer operar" a instituição. Inteligência do art. 16 da Lei 7.492/86. O sujeito ativo de tal crime, portanto, é comum, não estando submetido ao rol limitativo do art. 25 da Lei 7.492/86. 9. EVASÃO DE DIVISAS. A realização de operação dólar-cabo, com a entrega de moeda estrangeira no exterior em contrapartida a prévio pagamento de reais no Brasil, caracteriza o crime de evasão de divisas previsto no artigo 22, parágrafo único, 1ª parte, da Lei n.º 7.492/86. O fato de a remessa ser efetuada através de sistema de compensação e não mediante transferência física, não exclui o crime, porquanto o parágrafo único do referido art. 22 não traz como elemento do tipo o modo através do qual tenha sido realizada a operação. 10 A legislação autoriza, em relação ao valor inferior a R$10.000,00 (dez mil reais) (ou seu equivalente em moeda estrangeira), apenas a saída física de moeda sem comunicação às autoridades brasileiras. No caso de transferência eletrônica, saída meramente escritural da moeda, a lei exige, de forma exclusiva, o processamento através do sistema bancário, com perfeita identificação do cliente ou beneficiário (Lei n° 9.069/1995, art. 65, caput). 11. No caso das operações "dólar-cabo" existe uma grande facilidade na realização de centenas ou até milhares de operações fragmentadas seqüenciais. É muito mais simples do que a transposição física, por diversas vezes, das fronteiras do país com valores inferiores a R$ 10.000,00. Admitir a atipicidade das operações do tipo "dólar-cabo" com valores inferiores a R$ 10.000,00 é fechar a janela, mas deixar a porta aberta para a saída clandestina de divisas. Tese não acolhida. 12. EVASÃO IMPRÓPRIA. MANUTENÇÃO DE VALORES NÃO DECLARADOS NO EXTERIOR. A modalidade criminosa envolvendo a manutenção de depósitos, no exterior, não declarados é também prevista no tipo do parágrafo único, art. 22, da Lei 7.492/86. 13. A declaração de Capitais Brasileiros no exterior (CBE), desde o ano de 2003, por intermédio da Circular 3.225/04, é obrigatória para os residentes no País, "detentores de ativos (participação no capital de empresas, títulos de renda fixa, ações, depósitos, imóveis, dentre outros) contra não residentes, que totalizem montante igual ou superior ao equivalente a US$100.000,00 (cem mil dólares dos Estados Unidos) no último dia de cada ano". Sendo assim, se no dia 31 de dezembro o acusado mantiver, em território estrangeiro, valores superiores ao patamar estabelecido pela Circular sem a devida declaração, resta consumado o crime de evasão imprópria. 14. LAVAGEM DE DINHEIRO. A lavagem de dinheiro - também chamada de lavagem de capitais - consiste em ações que envolvem o produto de infrações penais antecedentes, de modo a resguardar e viabilizar o seu proveito, a salvo do conhecimento pelas autoridades. 15. O STF, no âmbito da conhecida AP 470, consolidou precedente descrevendo a lavagem de dinheiro como "a prática de conversão dos proveitos do delito em bens que não podem ser rastreados pela sua origem criminosa". Em seguida, destaca: "A dissimulação ou ocultação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade dos proveitos criminosos desafia censura penal autônoma, para além daquela incidente sobre o delito antecedente." 16. A lavagem de dinheiro conforma crime pluriofensivo. Além de, necessariamente, violar a administração da Justiça, é potencialmente apta a lesionar a própria ordem econômica. Encobre a prática de infrações penais, possibilitando ao criminoso usufruir dos recursos espúrios amealhados. 17. QUADRILHA OU BANDO. O crime de associação criminosa, atual denominação do antigo tipo de quadrilha ou bando (vigente à época dos fatos), traz como elemento do tipo a finalidade de cometer crimes, no plural. Não se trata de um concerto de pessoas com vista à prática de um único crime, de um acordo "meramente esporádico, transitório, eventual". Exige-se que a associação revele permanência e estabilidade.

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